Do casamento entre o Direito dos Transportes e o Direito do Seguro nascem assuntos polêmicos, uns mais intrincados que outros. Neste terreno pródigo em dificuldades, há uma questão particularmente árida, que transpira aos ares da contenda e, com seu corpo instável, resvaladiço e traiçoeiro, escorrega e se esvai por entre as pinças da doutrina. Pode não parecer, mas falo de contêineres. E principalmente de seu suor. Às vezes esse suor escorre, respinga e ensopa a carga que carregam. É de se perguntar: seria o transportador responsável por isso?
Existem pelo menos duas opiniões, entre si antagônicas e rivais. Uma diz que não. Naturalmente, a outra diz que sim.
Os partidários da primeira, adeptos da responsabilidade excluída, enxergam no suor de contêiner (condensação e gotejamento) um fenômeno inevitável, alheio à obrigação de transporte. Comum no transporte internacional marítimo de carga, esse evento ocorreria em razão de variações de temperatura, especialmente a inversão térmica na mudança dos hemisférios.
Há algumas técnicas voltadas a minimizar os efeitos, todas aplicáveis quando da estufagem do contêiner. Mas não é o transportador o responsável por seu emprego. Logo, ele nada fará.
É uma linha de pensamento perfeitamente razoável.
Razoável, porém, penso eu, incompatível com o Direito contemporâneo. Sua visão atual busca favorecer a defesa da vítima do dano, do credor insatisfeito, do contratante débil. Tais condições cabem ao embarcador, ou consignatário de carga, e, por derivação jurídica, ao segurador sub-rogado. A imputação de responsabilidade ao transportador fica amparada pelo princípio da razoabilidade e também por outros como proporcionalidade, isonomia, objetividade, transparência, não-surpresa, simetria contratual.
É verdade que a condensação é comum, possivelmente inevitável ou de difícil resistência. Mas disso não decorre que seja imprevisível, o que ela não efetivamente não é, e por isso não pode ser tida por fortuita.
Um evento só pode ser marcado com o selo do caso fortuito ou da força maior se em sua gênese concorrerem as três seguintes condições: imprevisibilidade, inevitabilidade e irresistibilidade.
Sobre o suor de contêiner pode-se até questionar as duas últimas situações; jamais a primeira. Faltando uma delas, nada de fortuidade. No máximo, fortuito interno, incapaz de livrar o transportador do dever de indenizar. Somente o fortuito externo é capaz de lhe afastar a responsabilidade. Ele é devedor de obrigação contratual de resultado, cujo inadimplemento traz logo a presunção de culpa e, em consequência dela, o dever de reparação civil integral. Sendo assim, o dano por molhadura caracteriza sua responsabilidade.
Para se afastar dela será preciso: 1) provar a efetiva ocorrência do suor de contêiner; e 2) demonstrar, não sem boa capacidade retórica, que ele é de fato merecedor da chancela da fortuidade.
Quanto à primeira delas, não basta ao transportador alegar o suor de contêiner com cínico tom de voz. É preciso dar por evidente, por meios técnicos, que a condensação e o gotejamento não apareceram durante o período em que a carga esteve sua custódia, ou que o responsável pela estufagem não ligou para os procedimentos de minimização de seus efeitos, prova que lhe compete por conta do princípio da carga dinâmica da prova e da inversão de ônus própria da responsabilidade civil contratual.
Quanto à segunda, mesmo havendo comprovado a hipótese anterior - o que não é tarefa das mais fáceis -, uma segunda batalha se dará não mais no universo dos fatos, e sim no mundo do Direito. Caberá alocar ao contêiner uma suada eventualidade na fôrma restrita das excludentes de responsabilidade.
Na verdade, não deixa de ser um risco do negócio de transporte, e sob este aspecto totalmente possível de se imputar a seu maior beneficiário, um ônus natural à atividade e que se entrega, de boa vontade e sorriso no rosto, à conveniência lucrativa do transportador.
E aqui entra a segunda teoria. No mundo de riscos e de grandes danos potenciais, aquele que os maneja com o fito empresarial tem o dever de por eles responder, direta e objetivamente, quando trouxerem prejuízos a quem não tem a mesma sorte. Isso vai muito além da máxima romana do jogo de bônus e ônus; repousa no assento cativo da nova hermenêutica envolvendo Contratos e Danos, Direito Contratual, Direito de Danos e, claro, a boa e velha Ordem Moral, íntima parenta da Justiça.
É lícito, justo e moralmente ordenado impor as consequências danosas do suor de contêiner ao transportador, esse grande beneficiado do contrato de transporte, protagonista do manejo de riscos. Somente em casos extraordinários o transportador poderá exonerar-se do peso natural da responsabilidade. Mas este estudo breve não retira conclusões do extraordinário, do que nunca acontece; nutre-se do ordinário, do acervo consuetudinário do hábito.
E ordinariamente o transportador tem de responder. Essa é a dinâmica do Direito, harmônica com interesses bastante legítimos, dentre os quais a necessidade de tutela ao contratante débil e ao credor insatisfeito, além da proteção da própria saúde do negócio de seguro.
Não raro presentes na mesma pessoa (a vítima do dano), devem eles obter a proteção do sistema legal, sob o qual não pode se albergar o devedor, o inadimplente da obrigação de resultado, o danador (de fato ou por presunção jurídica). Esta perspectiva dupla, da proteção da vítima e punição do danador, autoriza o rigor emprestado ao tema.
Não interessa saber a culpa, ou a ausência dela. O que verdadeiramente conta é a elevação do conceito jurídico de Dano Contratual, e seu corolário no âmbito da responsabilidade civil: o manejo de riscos.
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