“A mulher não é só casa, mulher-loiça, mulher-cama, ela é também mulher-asa, mulher-força, mulher-chama1”. “Ela tem força, ela tem sensibilidade, ela é guerreira. Ela é uma deusa, ela é mulher de verdade2”. “Que mulher ruim, Jogou minhas coisas fora, Disse que em sua cama eu não deito mais não, A casa é minha, você que vá embora, Já pra saia da sua mãe e deixa meu colchão3”, “A sorte é mulher, e querendo dominá-la, é necessário bater nela e forçá-la4", “Deve-se temer mais o amor de uma mulher do que o ódio de um homem5”, “O verdadeiro homem quer duas coisas: perigo e jogo. Por isso quer a mulher: o jogo mais perigoso6”, “Cem homens podem formar um acampamento, mas é preciso uma mulher para se fazer um lar7”, “É mais claro que o sol, que Deus criou a mulher para domar o homem8”, “Um homem pode viver feliz com qualquer mulher desde que não a ame9”, “Fragilidade, o teu nome é mulher!10”.
Afinal, a mulher precisa ser dominada, para não domar o homem? A mulher é um ser perigoso? A mulher nasceu para ser dona do lar? A mulher é um ser frágil? O que é ser uma mulher nos dias atuais? Ela realmente encontrou seu espaço? E qual seria este espaço?
Em 7/8/19, dia em que comemorou-se os 13 anos da Lei Maria da Penha o ministro da Justiça, Sérgio Moro, publicou um tweet que gerou enorme discussão e muitos debates, onde declarou que talvez, os homens se sintam intimidados pelo crescente papel da mulher na sociedade e alguns, por conta disso, recorrem, infelizmente, a violência física ou moral para afirmar uma pretensa superioridade.
Passam-se os anos e algumas coisas não mudam, a forma como a mulher é vista por muitos, é uma delas.
Infelizmente, a igualdade de gênero nem sempre foi um assunto devidamente abordado e priorizado pela sociedade, a mulher por muitos anos recebeu uma educação diferente da dos homens, sendo proibida até mesmo de ler e escrever. Quando solteira, vivia sob o domínio do pai ou irmão mais velho, que transmitiam todos os direitos ao marido, quando do casamento.
Não fosse suficiente, por um período, no regime das ordenações, era permitido ao marido, inclusive, a aplicação de penas corpóreas a esposa, hoje, a violência por muitos é justificada como uma “paga” ao mau comportamento da mulher, seja ele por uma vestimenta, ou pela busca de colocação na sociedade.
Não são raros os casos em que mulheres são violentadas física ou psicologicamente por seus companheiros de vida e até mesmo de trabalho, quando ‘ousam’ agir de forma igualitária ou assumem determinadas posições de destaque.
Myrthes Gomes de Campos, foi a primeira mulher a se formar em direito no Brasil, em 1898 pela Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, causando enorme escândalo para sua família e para sociedade da época, uma vez que era completamente inimaginável uma mulher construindo uma vida fora do casamento.
Por longos anos ela tentou o ingresso no quadro de sócios efetivos do Instituto dos Advogados do Brasil, condição necessária para o exercício profissional da advocacia, mas conseguiu exercer a profissão apenas em 1906, quando sua filiação foi aprovada numa assembleia apertada com escrutínio de 23 votos a favor e 15 contra.
Auri Moura Costa foi a primeira mulher a assumir a função de juíza, ingressando na magistratura em 1939 após sua aprovação em concurso público em Fortaleza, CE, e apesar de seu inquestionável conhecimento e capacidade técnica, foi um possível entendimento equivocado por parte da banca examinadora que, ao avaliar sua prova, tomou o seu nome como referindo-se a um homem, o que evitou uma manifestação tendenciosa.
É evidente que hoje o cenário é muito diferente, de modo que as mulheres podem ocupar os bancos acadêmicos e cargos jurídicos sem qualquer óbice, inclusive, segundo levantamento realizado pelo Blog Exame da Ordem em 2019, a quantidade de mulheres acadêmicas de Direito é maior do que de homens, uma vez que existem 486.422 estudantes do sexo feminino diante de 392.812 do sexo masculino.
Mas tal evolução numérica está longe de garantir que as mulheres realmente podem ocupar o lugar que pretendem sem qualquer dificuldade exclusivamente pelo fato de serem mulheres.
Como demonstrado acima, desde Sócrates a mulher é considerada inferior, frágil e ao mesmo tempo perigosa e manipuladora para os homens.
Sendo que para muitos, este é o motivo para utilização de força psicológica para coibir o crescimento da mulher dentro de casa e no mercado de trabalho.
Neste sentido, temos a violência psicológica, cada dia mais crescente na sociedade, e muito mais comum do que se imagina. Os dados levantados pelo Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), do Ministério da Saúde, mostram que somente em 2017, último ano com números disponíveis, houve 78.052 casos de violência psicológica contra a mulher em todo o país, sendo que elas sofrem quatro vezes mais violência psicológica do que os homens.
O tema é tão grave e preocupante que a Lei Maria da Penha em seu inciso II do artigo 7°, caracterizou a violência psicológica como conduta criminosa, seguindo a orientação da Organização Mundial da Saúde. Diz o texto:
Qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradas ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição costumaz, insulto, chantagem ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
A violência psicológica pode ser identificada entre outras formas, através de xingamentos, atitudes que humilham, menosprezam ou afastam a vítima de seus familiares e amigos. Numa relação afetiva, o agressor geralmente ofende as mudanças do corpo, xingando a mulher de gorda, ou magra demais, as roupas por considerar chamativas ou vulgares demais, e qualquer outra coisa que o desagrade ou considere ofensiva ou ameaçadora.
Mas, a despeito da existência de um conceito normativo e de todos os casos já denunciados e noticiados, as vítimas ainda possuem dificuldades em identificar as ocorrências da violência psicológica.
Muitas vezes justificam os episódios violentos com os próprios comportamentos, ou até mesmo acreditam ser o temperamento do agressor ou consequência do uso de álcool e/ou entorpecentes.
Quando a violência ocorre no ambiente de trabalho, a vítima geralmente é humilhada, não tem direito a fala, sendo interrompida constantemente como se não dominasse o assunto e as mulheres muitas vezes terminam por acreditar que são incapazes e despreparadas para o ofício.
Neste sentido os sociólogos Don Zimmerman e Candace West, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, realizaram um estudo denominado Sex Roles, Interruptions and Silences in Conversations em que analisaram 31 diálogos gravados em lugares públicos como cafés, farmácias e campus universitários. Neste estudo descobriram que, enquanto nas conversas entre pessoas do mesmo sexo aconteceram sete interrupções no total, nas conversas entre homens e mulheres, foram 48 interrupções – 46 delas feitas por um homem, no meio da fala de uma mulher.
A Universidade George Washington, realizou pesquisa semelhante em 2014 que mostra que, durante um diálogo, os homens interrompem as mulheres 33% mais do que quando eles estão falando com outro homem.
Durante o primeiro debate presidencial entre Hillary Clinton e Donald Trump, em setembro de 2016, segundo o portal americano de notícias Quartz, o republicano interrompeu a candidata democrata em 51 momentos, o que serviu de motivação para o crescimento de diversos movimentos ao redor do mundo de combate ao manterrupting, termo que mistura “man” (homem) com “interrupting” (interrompendo).
A violência psicológica tanto no ambiente familiar quanto no ambiente de trabalho, aniquila os sonhos, planos, autoestima, carreira e em muitos casos, a vida da vítima, uma vez que não são poucos os casos em que a vítima desenvolve depressão, e outros problemas de ordem psicológica, em que é colocada pelo próprio agressor em um papel de indignidade e submissão.
No ambiente de trabalho, muitas vezes a violência e assédio sexual tem partida na violência psicológica, quando a vítima é desvalorizada como profissional, de modo que é levada a crer que as agressões psicológicas que recebe são devidas a sua incompetência ou eventuais investidas sexuais são a única chance de colocação profissional.
A violência nos locais de trabalho está muito presente no dia a dia de muitas mulheres trabalhadoras. A Organização Internacional do Trabalho (OIT - 2015) indica que 52% das mulheres economicamente ativas já foram assediadas sexualmente. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define assédio sexual como:
Atos, insinuações, contatos físicos forçados, convites impertinentes, desde que apresentem uma das características a seguir: ser uma condição clara para manter o emprego; influir nas promoções da carreira do assediado; prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou intimidar a vítima; ameaçar e fazer com que as vítimas cedam por medo de denunciar o abuso; e oferta de crescimento de vários tipos ou oferta que desfavorece as vítimas em meios acadêmicos e trabalhistas entre outros, e que no ato possa dar algo em troca, como possibilitar a intimidade para ser favorecido no trabalho.
O magistrado Francisco Luciano de Azevedo Frota, titular da 3ª Vara de Brasília, explica que, na Justiça do Trabalho, não precisa haver necessariamente desnível de poder para ser caracterizado o assédio sexual, sendo necessário apenas o constrangimento sexual não consentido pela vítima, e não é preciso haver conjunção carnal para que o assédio seja consumado.
A despeito de todos os malefícios apresentados, ainda há diversas lacunas que necessitam ser preenchidas pelo Direito Brasileiro, uma vez que ainda não há tipificação penal e penalização específica para a violência psicológica, tornando a proteção das mulheres para esse tipo de violência, muito frágil, com a aplicação de medidas protetivas de urgência ou configuração de outros crimes, não específicos de violência psicológica, como ameaça, constrangimento ilegal, injúria ou difamação.
No ambiente profissional, a Justiça do Trabalho já tem sido acionada para solucionar tais imbróglios, e muitas investidas têm sido tomadas, inclusive no âmbito internacional para garantir a colocação das mulheres sem qualquer discriminação de gênero.
Mediante os pontos aqui expostos, fica notória que há um longo caminho a ser percorrido no combate a violência psicológica, tanto no ambiente familiar quanto profissional.
Com o constante crescimento das mulheres no mercado de trabalho, mais do que nunca, faz-se necessário a preservação dos direitos das mulheres.
A conscientização é o primeiro e um dos mais importantes passos, uma vez que possibilita a vítima a compreensão e identificação dos episódios violentos e a realização das denúncias devidas.
Ainda, é necessário a conscientização dos homens, para que percebam que a colocação da mulher no lar ou no mercado de trabalho, não caracteriza ameaça e em hipótese alguma justifica qualquer tipo de violência.
Não menos importante, existe a necessidade de legislação mais claras e ativa, com as devidas tipificações penais e penalizações específicas para a violência psicológica, de modo a proteger as vítimas de forma efetiva.
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1 José Carlos Ary dos Santos
2 Chorão
3 Raimundos
4 Maquiavel
5 Sócrates
6 Friedrich Nietzsche
7 Provérbio chinês
8 Voltaire
9 Oscar Wilde
10 William Shakespeare
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ADAMES. Yahisbel. Como a violência verbal afeta as mulheres no trabalho. 2017. Clique aqui. Acesso em: 05.01.2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Violência intrafamiliar: orientações para a prática em serviço. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. (Caderno de Atenção Básica, 8).
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Conceito de assédio sexual é mais amplo na Justiça Trabalhista. 2013. Clique aqui. Acesso em: 05.01.2020.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Myrthes Gomes de Campos: primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil. Clique aqui. Acesso em 05.01.2020.
GIESELER. Maurício. Números do Direito, do Judiciário e da Advocacia no Brasil. 2019. Clique aqui. Acesso em 05.01.2020.
SILVA, L.L. CEVIC: a violência denunciada. 2005. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
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*Mayara de Jesus Brasil é pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões na Verbo Jurídico, Pós- Graduada em Docência Universitária pelo Centro Universitário Adventista e advogada no escritório Denadai e Mais Advogados em São Paulo, graduada pelo Centro Universitário Adventista.