Ao mesmo tempo em que a arbitragem se consolida cada vez mais como real opção para a solução de conflitos, principalmente empresariais, surgem novos questionamentos que superam a discussão sobre a qualidade e eficiência das cláusulas compromissórias.
Por se tratar de custoso meio alternativo para solução de conflitos, quando comparada aos meios tradicionais, inegável que a arbitragem passou a ser utilizada em território brasileiro primordialmente por empresas multinacionais, em virtude de sua familiaridade em outros países, e, ainda, por empresas de grande porte em virtude dos elevados custos envolvidos.
Nesse sentido, considerando a instabilidade do mercado, questiona-se: até que ponto a incapacidade financeira de uma parte para arcar com as custas do procedimento arbitral pode ou não implicar ofensa ao princípio constitucional de acesso à Justiça? Na tentativa de tentar responder essa questão, imperioso enfrentar não apenas o princípio constitucional invocado, mas também os princípios que levaram as partes a escolherem a arbitragem.
É verdade que o ordenamento jurídico brasileiro tem como um de seus pilares o princípio do acesso à justiça e que o instituto da “justiça gratuita” põe por terra a hipótese de que uma parte deixaria de acessar o Poder Judiciário em razão de não ter capacidade econômica para custear o processo.
Para analisar a ausência de recursos para custear a arbitragem e, por conseguinte, a existência de eventual conflito com o princípio de acesso à justiça, é essencial ponderar que a arbitragem é um meio alternativo/opcional escolhido pelas partes em pleno exercício de sua autonomia.
Para os que veem o princípio do acesso à justiça como sendo absoluto e, portanto, que eventual dificuldade financeira de uma das partes no momento da existência da controvérsia implicaria o afastamento da competência do juízo arbitral, a justificativa é impedir que a parte não tenha seu direto de acesso à jurisdição limitado ou tolhido e o Poder Judiciário volte a ser uma opção.
Em que pese a relevância da garantia constitucional de acesso à justiça, principalmente se considerarmos que ainda somos uma jovem democracia, caracterizar tal princípio como sendo absoluto, quando confrontado com uma cláusula compromissória válida e incluída em pleno exercício da autonomia das partes, não parece ser o entendimento mais correto.
Ressalvamos, novamente, que a convenção de arbitragem tem força coercitiva e deverá ser respeitada, à exceção dos casos em que são identificadas eventuais patologias no contrato/cláusulas compromissórias ou, ainda, quando as partes renunciam à jurisdição arbitral antes acordada.
Lembramos que ao celebrar o contrato, houve, através do exercício pleno da autonomia da vontade, a eleição da arbitragem como meio de solução de controvérsias. O contrato foi firmado e aceito pelas partes certas de que eventual controvérsia seria submetida à arbitragem. Isso, por si só, já significa respeito ao acesso à justiça. A mudança da situação de liquidez do contratante que optou pela arbitragem jamais poderia impactar e resultar no afastamento de tal meio, não só para evitar o enfraquecimento do instituto da arbitragem, mas também para manter a segurança jurídica dos contratantes.
Como, então, respeitar ao princípio de acesso à justiça sem, ao mesmo tempo, afastar a legalidade e validade do compromisso arbitral? O financiamento profissional de litígios, também conhecido como alternative legal financing ou third-party litigation funding, é uma prática ainda pouco difundida e explorada no mercado nacional, mas que ganha força como opção para resolver o impasse.
Em que pese ainda não existirem no Brasil leis que regulam ou mesmo proíbam o third-party litigation funding, ou seja, mesmo operando sob o véu da obscuridade, o mercado de financiamento de litígios segue em pleno desenvolvimento.
Em suma, respeitar a força vinculante da cláusula compromissória é essencial para manutenção do sistema e da sua credibilidade, ressaltando que os contratantes poderão sempre, ao firmar os instrumentos, optar por privilegiar o acesso à justiça comum ou, ainda, privilegiar o procedimento arbitral, ciente de que eventual dificuldade econômica jamais poderá ser invocada para afastar a arbitragem e abrir espaço para um litígio na justiça comum e poderá ser contornada através do third-party litigation funding.
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