1. Introdução
O direito constitucional brasileiro, embasado pelos preceitos contidos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, trata, dentre outros temas, das questões concernentes à defesa e à garantia dos direitos fundamentais, especialmente, o direito fundamental à vida, desencadeador do questionamento abordado neste trabalho.
Nesse sentido, o estudo concentrou-se em verificar, através do exame conjunto de dados, do texto constitucional, da jurisprudência e da doutrina bem como sob a perspectiva do neoconstitucionalismo, a viabilidade do reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional – ECI no Brasil, como medida de defesa do direito fundamental à vida em face da violência, notadamente, em contraposição ao considerável índice de homicídios registrado continuamente no país. Válido ressaltar que, este é um problema crônico que acomete o Estado, conforme restou demonstrado com as análises.
Em que pese ser regida por uma Constituição de caráter federal, humanista e democrática, na República Federativa do Brasil impera a missão de corrigir toda e qualquer situação jurídica, política ou social que fuja do quantum estabelecido na Carta Magna pátria. Por isso, existe no texto constitucional uma série de procedimentos e instrumentos direcionados à atuação e ao alcance desta determinação, como por exemplo, a ação direta de inconstitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental. Tais medidas, acionáveis perante o Poder Judiciário, servem para que os juízes de direito e os Tribunais superiores, mediante suas deliberações, comuniquem, a quem seja de interesse, sobre a existência de eventuais irregularidades e/ou inconstitucionalidades no cenário brasileiro e, ao mesmo tempo, ordenem que tais anormalidades sejam devidamente corrigidas e sanadas.
Ocorre que, certos fenômenos sociais negativos não podem ser enfrentados a partir da mesma perspectiva das ações diretas de inconstitucionalidade, por exemplo, pois, tais eventos, não se restringem à um dado caso concreto ou a uma determinada inconstitucionalidade de maneira isolada. A questão, nesses casos, é mais ampla que isso. Esses acontecimentos partem de uma visão mais generalizada de um problema, consistem numa abordagem mais caótica, capaz de atingir a todos no Estado de Direito, direta ou indiretamente. Isso ocorre, por exemplo, com o atual cenário de atos de violência homicida no país, que colocam em risco a garantia e a efetividade dos direitos fundamentais, particularmente, o direito à vida, previsto e assegurado pelo texto constitucional, no caput do artigo 5º.
Segundo Lima et al. (2018),
Os homicídios apresentam relações multifatoriais e de causalidade complexa com fatores estruturais e sociais. Talvez por isso, os resultados nem sempre são consistentes ao se buscarem evidências de associações entre os óbitos por homicídios e os indicadores sociais. Contudo, a pobreza e a desigualdade parecem ter maior força de associação com os homicídios, não de maneira direta, senão mediadas pelas instituições, principalmente no controle do consumo de bebidas alcoólicas, porte de armas de fogo e no combate à pobreza. No Brasil, o álcool é a droga lícita mais detectada entre vítimas e infratores do homicídio e as armas de fogo o meio mais utilizado para perpetrar tal crime; tudo isso associado com um nível baixo de enforcement. Por outro lado, observa-se que o aumento na renda da parcela mais pobre da população favorece a queda nos coeficientes de homicídios. Assim, no sentido de controlar a violência homicida, faz-se necessário que os governos locais, estaduais e federais implantem políticas públicas voltadas ao aumento da oferta de empregos e reduzam a miséria nos municípios brasileiros (LIMA et al., 2018, p. 104).
Assim, na busca por alternativas para o enfrentamento do problema, perguntou-se: Como combater a violência, especialmente, o crime de homicídio no Brasil que, a cada ano, registra números de ocorrência tão alarmantes, ferindo, constantemente, o direito fundamental à vida?
Logo, o objetivo deste trabalho concentrou-se em investigar, considerando-se o ideário do neoconstitucionalismo na perspectiva jurídica brasileira, a viabilidade do reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional – ECI como instrumento de defesa do direito fundamental à vida contra a violência, nomeadamente, em face do delito de homicídio no Brasil. A busca por tal propósito percorreu alguns pontos preliminares importantes, sendo eles os seguintes: (a) recordar o conceito e a importância dos direitos fundamentais à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; (b) elucidar a presença do neoconstitucionalismo no direito brasileiro contemporâneo; (c) explicar o instituto do Estado de Coisas Inconstitucional – ECI; (d) discutir a questão da violência homicida no Brasil, destacando os mais recentes índices de mortes violentas no país; (e) avaliar a inexistência de uma política de segurança pública nacional, mais eficiente e estratégica, de combate à violência homicida no Brasil; (f) demonstrar o reconhecimento precedente do Estado de Coisas Inconstitucional – ECI pelo Poder Judiciário brasileiro, com a legitimação do instituto no enfrentamento da violência homicida.
A mazela social sobre a qual tratou esta pesquisa, ratifica-se, a afronta ao direito fundamental à vida em decorrência da sempre presente violência homicida no Brasil, não pode ser atribuída a um ou a outro fator isoladamente, como o fazem muitas pessoas ao imputarem o problema exclusivamente à pobreza ou ao tráfico de drogas, por exemplo. Trata-se de um cenário mais complexo, como acima destacado, pois o fenômeno persiste em decorrência do desencadeamento de uma série de situações negativas, podendo-se citar, nesse quesito, a ausência de empenho sincronizado de todos os ramos do poder público no sentido de que sejam desenvolvidas políticas públicas eficientes no enfrentamento desse tema. Ocorre que, por consequência da verificação conjunta e ininterrupta de uma série de infortúnios sociais, políticos e jurídicos, os índices de violência homicida no país permanecem em patamares alarmantes, mesmo apresentando, eventualmente, alguns momentos de desaceleramento. Desse modo, a pesquisa mostrou-se socialmente relevante na medida em que propôs uma discussão sobre um dos mais graves problemas existentes na realidade brasileira contemporânea, qual seja, a ineficiência do poder público em combater a violência homicida. Ao mesmo tempo, o estudo apontou e discorreu sobre uma alternativa possível de ser adotada na busca da neutralização deste fenômeno social negativo, que avassala a proteção e a garantia do direito fundamental à vida.
Por outro lado, no quesito metodológico, tratou-se, em sua forma de abordagem, de uma pesquisa quali-quantitativa, pois foram considerados números levantados por instituições oficiais com a apresentação de um panorama atualizado do quadro da violência homicida no Brasil, sendo que, esses dados estatísticos foram usados para complementar o estudo qualitativo proposto, que tem o processo de análises e os seus significados como focos principais de abordagem. Quanto aos objetivos da pesquisa, estes foram buscados através da modalidade exploratória, vislumbrando-se proporcionar uma discussão sobre o tema destacado, cujo enfrentamento carece da existência de políticas públicas eficientes, bem como avaliou-se, sob a perspectiva, inclusive, do neoconstitucionalismo, a legitimidade do reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional – ECI como instrumento de combate à violência homicida no Brasil, com a garantia do direito fundamental à vida, tendo em vista a existência de precedente para tanto, junto ao Poder Judiciário brasileiro. Por fim, em relação ao procedimento técnico, o trabalho regeu-se pelo método bibliográfico, com a apreciação de textos doutrinários, jurídicos, científicos e estatísticos sobre os direitos fundamentais, à luz da Constituição Federal de 1988, a violência homicida no Brasil, carente de políticas públicas eficientes, o neoconstitucionalismo e o instituto do Estado de Coisas Inconstitucional – ECI, com a construção de uma correlação entre esses elementos, a partir de onde pretendeu-se alcançar o objetivo geral da pesquisa.
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*Anna Cláudia Pereira Queiroz é advogada, especialista em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pela Universidade Estácio de Sá, Mestra em Linguística pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB, Especialista em Direito Público e Privado pela Faculdade de Tecnologia e Ciências – FTC, Bacharela em Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciências - FTC.