Migalhas de Peso

A criação e desdobramentos dos Juizados Especiais Cíveis e como os métodos consensuais atuam para aprimorar a sua atuação

A ideia principal se baseava em uma tentativa de conter a morosidade processual, bem como eliminar os altos custos processuais encontrados na tramitação comum de um processo

20/2/2020

A institucionalização do Juizado Especial Cível com a lei 9.099/95 – a qual revogou a lei 7.244/84 responsável por regularizar o Juizado Especial de Pequenas Causas – se deu entre tentativas do Judiciário de, primeiramente, desafogar a Justiça Comum Estadual e, concomitantemente, seguindo exemplos de Países alinhados com a ideia de Common Law, abranger o acesso à Justiça aos cidadãos brasileiros.

A ideia principal se baseava em uma tentativa de conter a morosidade processual, bem como eliminar os altos custos processuais encontrados na tramitação comum de um processo. Além do mais, considerando-se a tamanha burocratização enfrentada no momento do ajuizamento das ações, a existência do Juizado Especial Cível se caracterizou como uma solução viável. É evidente que, considerando o contexto no qual a lei é promulgada, os bônus se colocavam de forma muito mais autêntica do que os ônus.

Nesse eito, Ricardo Cunha Chimenti (2012, p. 17) sintetiza a caracterização do Juizado Especial Cível, vejamos:

Trata-se de um sistema ágil e simplificado de distribuição da Justiça pelo Estado. Cuidando das causas do cotidiano de todas as pessoas (relações de consumo, cobranças em geral, direito de vizinhança etc.), independentemente da condição econômica de cada uma delas, os Juizados Especiais Cíveis aproximam a Justiça e o cidadão comum, combatendo o clima de impunidade e descontrole que hoje a todos preocupa.

Entre os princípios que sustentam o Juizado Especial Cível, para alcançar a conclusão almejada no ponto ora exposto, os essenciais são a oralidade, a informalidade, simplicidade e celeridade.

O art. 2º da lei em análise preceitua (BRASIL, online)1Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

Isto é, a ideia essencial no tocante à celeridade de tramitação processual está explicitamente disposta logo no início dos capítulos da lei.

Ainda que a necessidade de um juiz togado jamais tivesse sido aberta à discussão no âmbito dos Juizados Especiais, conforme disposto no art. 98, I, da Constituição Federal/88, entendemos que a presença do conciliador e mediador – bem como o juiz leigo – representam, novamente, a tentativa intrínseca do legislativo em institucionalizar o acesso à justiça aos leigos, no qual os formalismos não sejam protagonistas, bem como os cidadãos não tenham que aguardar por anos – e por vezes décadas – para verem os seus processos julgados.

Se, de um lado, a celeridade processual não foi alcançada efetivamente, conforme será demonstrado a seguir, bem como o impacto na Justiça Ordinária não tenha sido significante – já que os números de ajuizamento de ações de todos os níveis de complexidade na Justiça Comum Estadual aumentam gradativamente –, podemos dizer que o acesso à Justiça foi abrangido de forma estrondosa.

Abaixo, podemos verificar que, em estudo específico acerca da produtividade e eficiência do andamento processual dos Juizados Especiais Estaduais, os autores Helena Riveiro Fernandes e Alexandre Marinho (2018, online)2 analisam as suas estatísticas entre os anos de 2010 e 2015, como vejamos:

Os Juizados Especiais Estaduais foram incapazes de atender a demanda pela baixa de processos no período estudado. Havia um largo déficit de eficiência econômica nesses Juizados. O ano de 2010 apresentou um quadro preocupante, com 3.640.970 casos pendentes no primeiro grau de jurisdição dos Juizados Especiais Estaduais e 249.468 casos pendentes nas suas Turmas Recursais. No ano de 2015 o quadro se agravou. Ao todo, eram 5.184.052 casos pendentes no primeiro grau de jurisdição dos Juizados Especiais Estaduais e 482.545 casos pendentes nas Turmas Recursais. Vale ressaltar que o aumento na quantidade de casos pendentes ocorreu mesmo com a quantidade de processos baixados em 2015 sendo maior que em 2010, nos Juizados Especiais Estaduais. O estoque, cada vez maior, de processos pendentes, afasta o Juizado Especial Estadual de um de seus objetivos: a atuação célere. Esse afastamento pode ser reflexo da ineficiência dos Juizados Especiais Estaduais ou pode indicar a necessidade de mudanças estruturais no Órgão.

Verifica-se que o objetivo da celeridade processual se emaranhou na grande quantidade de processos que são ajuizados diariamente e não conseguem proceder com a efetiva conclusões de seus próprios casos.

Obviamente, às escusas de outras questões, não se pode minimizar a falta de produtividade na larga escala da demanda.

Se o Juizado Especial foi criado para aprimorar a justiça cível seguindo o princípio da celeridade e informalidade, quando o seu objetivo não é alcançado, é sinal de que algo não foi bem executado.

Citando o estudo acima, em 2015, os Juizados Especiais Estaduais não puderam alcançar a máxima eficiência na baixa dos processos ajuizados, muito pelo contrário.

O estudo revelou que, no ano de 2015, os casos pendentes de julgamento, no primeiro grau de jurisdição, se apresentavam no estrondoso número de 5.184.052 dos Juizados Especiais Estaduais e 482.545 casos pendentes nas Turmas Recursais – ressaltando-se que o aumento na quantidade de casos pendentes ocorreu mesmo com a quantidade de processos baixados em 2015 sendo maior que em 2010, nos Juizados Especiais Estaduais. (FERNANDES; MARINHO, 2018, online).

O que se percebe é que, em que pese a tentativa do Judiciário brasileiro para buscar diversificar e abranger o acesso ao direito de seus cidadãos, as iniciativas em fortificar e ampliar as estruturas dos seus sistemas não é correspondente ao tamanho da demanda.

Outro ponto a ser observado é que, desde seus primórdios, o Juizado Especial se servia a contar os prazos em dias corridos, dando jus à celeridade estabelecida como um dos seus princípios primordiais.

Ocorre que, com a promulgação da lei 13.728/18, os prazos da justiça especializada se igualaram à Justiça Comum e começaram a ser contados em dias úteis. Fato este que contraria o que estabelece a sua própria lei de institucionalização.

De outra banda, seria completamente irresponsável não verificar que, quase 20 anos após promulgada a lei em comento, a contagem de prazo em dias corridos não mais suportava a realidade de volume de trabalho pendente nos cartórios dos Juizados.

Dessa forma, o que podemos ver com clareza, nesse contexto, é a dinamicidade do direito, bem como sua imprevisibilidade, sendo que, anteriormente, aqueles objetivos traçados para solucionar certa questão – como os seus conceitos primordiais e sistema de institucionalização –  já se tornaram obsoletos, uma vez que a sociedade está em constante mutação, aprimorando-se a proficiência acerca dos seus direitos básicos de forma apurada com mais frequência, o que os leva apenas à comparecer, dia após dia, na bancada de um Juizado Especial Cível e demonstrar interesse para demandar aquele que lhe lesou, inflando o sistema com veemência.

A cultura evolutiva e os métodos consensuais apresentam-se soluções viáveis para fins de amenizar a litigiosidade.

É de bom alvitre ressaltar que a questão levada à análise do Judiciário deve, exaustivamente, em momento anterior, observar as tentativas de mediação e conciliação para que haja ao menos a tentativa de solucionar o conflito de forma efetivamente célere, assim, não gerando custos, tanto aos litigantes, como também ao Estado como um todo.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) constantemente institucionaliza campanhas a fim de incentivar a mediação e conciliação. (BRASIL, online)3. O que é muito importante para que a sociedade brasileira se aproxime mais a ideia de evitar a litigiosidade para solucionar os conflitos de maneira rápida e sem tantas complicações.

Raphaela Gomo (2016, online)4 explicita acerca dos métodos consensuais:

A mediação e a conciliação são meios alternativos e efetivos de controvérsias, o qual as partes evitam gastos com documentos, deslocamentos ao fórum, ou seja, ambos visam uma forma de solucionar o conflito entre as partes, resolvendo uma lide em um único ato, sem a necessidade de produção de provas e a imposição de um juiz.  Enfim, as próprias partes chegam à solução de seus conflitos em ato voluntário e de comum acordo.

Nesse eito, podemos perceber o grande esforço, tanto dos órgãos governamentais, como também dos operadores do direito, para diluir o grande volume da litigiosidade demandada nos sistemas dos juizados especiais cíveis estaduais.

Portanto, mediante ao grande impacto da institucionalização da lei 9.099/99, em que pese o fácil acesso ao judiciário por parte da população, os ônus, muitas vezes, se mostraram acima dos benefícios detectados.

Dessa forma, como demonstrado, os métodos consensuais podem possibilitar a tentativa de tornar o Brasil um país mais compassivo, buscando um Judiciário não tão inflado, e, claro, isso, não apenas no âmbito do juizado especial cível, mas em todo o cerne que cerca a justiça brasileira.

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BRASIL, Conselho Nacional de Justiça. Movimento pela Conciliação. Disponível em: Clique aqui Acesso em: 02 jan. 2020.

BRASIL, lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Movimento pela Conciliação. Disponível em: Clique aqui Acesso em: 16 nov. 2019.

CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados especiais cíveis estaduais e federais / Ricardo Cunha Chimenti. 13. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.

FERNANDES, Helena Riveiro. MARINHO, Alexandre. A Eficiência dos Juizados Especiais Estaduais Brasileiros e sua Atual Estrutura. Disponível em: Clique aquiAcesso em: 02 jan. 2020.

GAMO, Raphaela. Você sabe a diferença entre mediação e conciliação?. Disponível em: Clique aqui Acesso em: 12 dez. 2019.

SANTOS, Marisa Ferreira dos. Juizados especiais cíveis e criminais: federais e estaduais, volume 15 - tomo II/ Marisa Ferreira dos Santos, Ricardo Cunha Chimenti. 10. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.

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1 Disponível em: Clique aqui Acesso em: 16 nov. 2019, às 17h00min.

2 Disponível em: Clique aqui Acesso em: 02 jan 2020, às 16h19min.

3 Disponível em: Clique aqui Acesso em: 02 jan 2020, às 17h23min.

4 Disponível em: Clique aqui Acesso em: 02 jan 2020, às 17h34min.

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*Ana Carolina Teles Maciel é advogada com pós-graduação em Direito Processual na PUC/MG e Graduação em Direito na UI

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