É cada vez mais comum o uso de redes sociais para fins comerciais: a divulgação online tornou-se praticamente obrigatória em variados ramos – de restaurantes a profissionais liberais. Ademais, há pessoas que vivem exclusivamente da exposição de sua imagem, compartilhando dicas de saúde, bem estar, alimentação saudável, finanças pessoais e assim por diante, recebendo, em contrapartida, pagamento de empresas que pretendem a divulgação de seus produtos e serviços. De toda sorte, é inegável que a presença em redes sociais passou a ser tangibilizada como um ativo com grande potencial de receitas.
Não obstante, tornou-se política comum das redes sociais, como Facebook e Instagram, a exclusão ou suspensão arbitrária das contas dos usuários em razão da suposta violação de algum dos termos de serviço, sem, ao menos, notificar previamente qual teria sido a violação, oportunizando o próprio usuário de “defender-se” ou de corrigir o problema. Essa verificação de conteúdo é automática e operacionalizada por algoritmos que, por vezes, incorrem em erros de julgamento.
Ocorre que essa suspensão abrupta gera consequências econômicas a quem utiliza as redes sociais como meio de trabalho ou como ferramenta de divulgação. A suspensão ainda que temporária do perfil resulta em perda de dinheiro, seguidores, possibilidades de parcerias, além de prejudicar a imagem daquele usuário, por supostamente implicar que publicou algo muito grave para ter sido desvinculado da plataforma. Esse bloqueio dos serviços traduz-se, a depender do caso, em danos patrimoniais (especialmente lucros cessantes) e morais para seus usuários.
Os danos materiais, por evidente, devem ser devidamente demonstrados: uma blogueira fitness pode muito bem comprovar seus lucros cessantes (o que deixou de ganhar), por exemplo, através da proposta de uma marca de roupas de banho que deixou de ser divulgada. Outra possibilidade seria a seguinte: evidenciar a média de ganhos em determinado período, tomando-se por base o histórico preliminar.
Ademais, observa-se que, para além do prejuízo econômico aos usuários, essa atitude fere o direito fundamental à liberdade de expressão, protegido pela Constituição Federal, a qual estabelece no art. 5º, inc. IX que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Ainda, tem-se que a lei 12.965/14 – o Marco Civil da Internet – incluiu a liberdade de expressão como fundamento da disciplina do uso da internet (art. 2º, caput), como princípio a ser seguido (art. 3º, inc. I), e como condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet (art. 8º, caput).
Igualmente, essa atitude implica em violação ao disposto no art. 19 do Marco Civil da Internet, o qual preceitua que uma plataforma somente pode tornar indisponível um conteúdo de terceiro após ordem judicial específica, a fim de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura. O bloqueio, assim, pode igualmente se configurar em violação a direitos personalíssimos, traduzindo a necessidade de compensação por danos morais.
Embora seja comum entre os usuários que obtêm seu ganho de vida a partir das redes o pagamento de valores em dinheiro para que seus perfis alcancem um número maior de seguidores, ainda que o serviço se caracterize, em regra, pela gratuidade, não há qualquer exoneração de responsabilidade da rede social em caso de suspensão arbitrária de perfis, em razão da hipótese se enquadrar na norma geral de responsabilidade civil do art. 186 do Código Civil.
Gradativamente, é possível encontrar julgados que chancelam a responsabilização das redes sociais por suspensões indevidas. Em Minas Gerais, o Facebook foi recentemente condenado a pagar R$5.000,00 a um usuário que teve seu perfil suspenso por, supostamente, violar regras de uso – sem especificar quais seriam essas regras. A mesma rede social foi condenada em São Paulo por bloquear perfil de homônimo do então candidato à Presidência, Fernando Haddad – embora o usuário tenha demonstrado documentalmente que aquele era, de fato, seu nome, seu perfil não foi reativado, o que ensejou a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Destaca-se que em nenhum dos casos mencionados houve condenação da plataforma ao pagamento de indenização por danos materiais, que, como já afirmado, dependeriam de demonstração.
Vale dizer que o próprio Facebook, diante da possibilidade de ser condenado a indenizar a autora de uma demanda por perfil falso, já defendeu, no RE 1.037.396/SP, a constitucionalidade do já mencionado art. 19 do Marco Civil da Internet, segundo o qual um conteúdo somente pode ser tornado indisponível após ordem judicial – com isso, defendeu o afastamento de sua condenação, pois somente poderia desabilitar o perfil falso após ordem judicial, sob pena de violar a vedação à censura, a liberdade de expressão e a reserva de jurisdição. Este argumento é contraditório com relação à conduta que a rede social vem adotando, sendo cada vez mais comuns os casos em que perfis são suspensos de forma arbitrária, sem qualquer determinação judicial prévia.
Assim, conforme defendido pelo Facebook perante o STF, apenas uma decisão judicial poderia determinar a exclusão ou mesmo a suspensão do perfil de um de seus usuários. Portanto, as suspensões concretizadas de forma unilateral pela plataforma, sem direito à defesa, contraditório e sem mencionar expressamente o porquê da violação, geram ao usuário o direito de recebimento de indenização por danos morais e, mediante demonstração, materiais.
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*Guilherme Alberge Reis é sócio do escritório Reis & Alberge Advogados.