Recentemente, como moderadora em um painel sobre “proteção ao consumidor”, durante um congresso internacional, tive a oportunidade de ouvir “diferentes” perspectivas sobre o tema: de um economista espanhol, respeitado professor da Universidad Complutense de Madrid, e de um advogado americano, com prática em Nova Iorque, renomado e conhecido por sua atuação pró direitos do consumidor. Na mesma oportunidade, foi muito interessante aprender um pouco também sobre a atuação do FBI sobre o tema, sob o prisma da propriedade intelectual, muito bem exposto por um agente da unidade de Direitos de Propriedade Intelectual do FBI. Mas esta última abordagem, especialmente na esfera criminal, foge um pouco do que pretendo divagar em breves linhas aqui, mas a perspectiva de como o consumidor pode se proteger de falsidades e que também é papel do consumidor tentar evitar infrações nesta seara serão abordados sucintamente.
Foi formidável verificar após tais exposições que o Código de Defesa do Consumidor – CDC e legislação brasileira correlata ao tema, ao menos em sua essência e regramentos, vão ao encontro dos pontos de vista abordados, embora saibamos que a prática e a aplicação da lei muitas vezes, infelizmente, diferem da teoria e dos motivos para os quais foi criada.
Pude comprovar, na prática, a proximidade do direito e da economia. Durante o painel veio em minha mente que a visão econômica parece ter feito nascer o nosso CDC e também ser o mote da legislação sobre comércio eletrônico e sobre proteção de dados. Explico:
A forma simples e ao mesmo tempo culta que o professor expos a necessidade de informações claras e completas em produtos e serviços, para viabilizar que o consumidor possa escolher um, dentre vários produtos semelhantes, comparando as suas características; enfim, para permitir a sua livre escolha, o seu livre convencimento, levando em consideração não apenas o preço, mas também a qualidade do produto, através das informações disponibilizadas em sua embalagem, por exemplo, remeteu-me diretamente aos pilares e princípios de nosso CDC (informação clara, proibição de propaganda enganosa, liberdade de escolha etc.) e também às mais atuais discussões jurídicas sobre a legitimidade de algoritmos e informações coletadas nas redes sociais, que podem mitigar o livre convencimento e decisão do consumidor, por mostrar propagandas específicas ao acessar redes sociais. A proteção de dados pessoais, regrada na Europa pelo GDPR e aqui no Brasil pela LGPD, vem também como resposta a isso e forma de proteger o consumidor e sua privacidade.
Falando em privacidade, passo para a perspectiva e visão de um advogado americano, expert no assunto. O direito à privacidade e a violação de dados são exemplos das principais reclamações dos consumidores americanos, juntamente com propaganda falsa ou enganosa e defeito em produtos.
Enquanto nos Estados Unidos é muito frequente a utilização das chamadas class actions pelos consumidores para a proteção de seus direitos, inclusive financiadas pelos próprios advogados ou terceiros, o que vemos aqui no Brasil, na prática, é a sua pouca utilização, bem como ainda muito incipiente qualquer financiamento de terceiros. Ações individuais e reclamações perante órgão como o PROCON ou RECLAME AQUI são bastante difundidas no Brasil, e visam primordialmente substituição de produto ou indenização.
As class actions são comumente utilizadas para reforçar cumprimento e regulação governamentais; ao aglutinar diversos consumidores em uma mesma ação possibilitam acesso igualitário à justiça até mesmo do pequeno consumidor, sendo que as multas aplicadas acabam por garantir a concreta proteção ao consumidor, com a tomada de providências efetivas pelas companhias e correção dos erros.
A legislação brasileira tem os predicados para proteger efetivamente o consumidor. Como sabemos, a proteção ao consumidor no Brasil tem como principal normativa o CDC, mas há inúmeras outras legislações federais relacionadas, que tratam do tema ou regram a forma como o consumidor pode buscar seus direitos. Apenas para mencionar alguns: lei de Ação Civil Pública, Código Civil, Código de Processo Civil, Marco Civil da Internet, Regulamento sobre E-commerce e lei de Distrato, em matéria imobiliária.
A legislação protege o consumidor, dá o norte para os fornecedores de como devem agir e o que devem evitar para não infringirem as normas consumeristas. Treinamentos e testes de produtos são exemplos de atos que devem ser praticados frequentemente pelos fornecedores para evitar violações aos consumidores.
Mas os consumidores também têm papel relevante quando se trata de “proteção dos consumidores”. Como bem levantado pelo agente do FBI, o consumidor tem meios e deve se proteger e evitar prejuízos e lesões; deve agir de forma ativa, fazer pesquisas antes de adquirir produtos e serviços, analisar a qualidade dos produtos, embalagens, verificar o site oficial do fornecedor, verificar matérias primas usadas, procedência, desconfiar de preços exageradamente baixos, etc.
Pincelei brevemente algumas ideias expostas, mas o mais importante é que pude verificar que, não importa o ponto de vista, não importa a perspectiva, todos estão alinhados com a necessidade de uma proteção efetiva ao consumidor e não apenas legislações e restrições, que muitas vezes se apresentam ineficazes.
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