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Justiça Federal reconhece nulidade de patente já extinta

A discussão começou em 2016, quando a empresa Avon Cosméticos Ltda. foi acionada pela empresa Top Ideias Participações Ltda. – ME, detentora da patente de modelo de utilidade MU 8202191-0 (“molde aperfeiçoado para modelar glúteos”), perante a Justiça Estadual do Rio de Janeiro.

12/2/2020

Em recentíssima sentença proferida pelo juiz federal Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, a 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro declarou a nulidade de uma patente mesmo após expirado seu prazo de vigência.1

A discussão começou em 2016, quando a empresa Avon Cosméticos Ltda. foi acionada pela empresa Top Ideias Participações Ltda. – ME, detentora da patente de modelo de utilidade MU 8202191-0 (“molde aperfeiçoado para modelar glúteos”), perante a Justiça Estadual do Rio de Janeiro2. A Top Ideias alegou que a Avon estaria infringindo sua patente, razão pela qual requereu, além da abstenção da comercialização do produto denominado “Calcinhas Bumbum”, indenização por danos morais e materiais decorrentes da alegada violação.

Após a concessão de liminar (posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) que determinou a cessação de fabricação, comercialização, uso e divulgação de produtos que, de forma genérica, violassem o referido modelo de utilidade, sob pena de multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por peça contrafeita, a Avon ajuizou, em 2018, ação perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro requerendo a decretação da nulidade da patente de titularidade da TOP IDEIAS.

A Avon baseou-se na oponibilidade ex tunc (“para trás") dos efeitos das sentenças de nulidade de patente, eis que, uma vez declarada a nulidade do MU 8202191-0, a Avon não poderia ser condenada por eventual infração de patente na ação de infração que tramita perante a Justiça Estadual. Inclusive, referida ação foi suspensa por prejudicialidade externa da ação de nulidade, pois o mérito de tal ação depende do desfecho daquela ação.

Já a empresa Top Ideias, por sua vez, alegou que houve decadência do direito da Avon de pleitear a nulidade da patente, pois o modelo de utilidade objeto de discussão foi extinto 12/12/17 (em razão do não pagamento de anuidade), sustentando a aplicação do caput do art. 56 da LPI3, que prevê que a ação de nulidade pode ser proposta a qualquer tempo durante a vigência da patente.

Entretanto, a sentença (datada de 14/01/20), em sentido contrário a precedentes anteriores da Justiça Federal do Rio de Janeiro – que, em sua maioria, extinguiram ações semelhantes sem resolução de mérito sob o fundamento acima4 – aplicou a previsão do art. 56, §1º da LPI5, entendendo que seria possível questionar a nulidade da patente a qualquer tempo, por tratar-se do exercício de direito de defesa da parte que está sendo acionada judicialmente pela infração do referido título patentário.

O juiz da 25ª Vara Federal igualmente entendeu que haveria interesse processual da Avon na obtenção da declaração de nulidade do MU 8202191-0, decidindo que “a Autora está sendo processada pela empresa Ré na Justiça Estadual do Rio de Janeiro e deve ter a possibilidade de impugnar a validade da patente, mesmo após a sua vigência, já que, tal decisão poderá trazer efeitos importantes no referido processo”.

Afastadas as alegações de prescrição, decadência e falta de interesse processual, com base no resultado da perícia técnica (que concluiu pela ausência dos requisitos legais de ato inventivo e suficiência descritiva no referido modelo de utilidade), foi declarada a nulidade do MU 8202191-0 e determinado que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI promova a publicação oficial da extinção definitiva da patente (o que, inclusive, já ocorreu).

Interessante observar que não foi a 1ª vez que a Justiça Federal reconheceu a possibilidade de anulação de uma patente extinta, conforme precedente de 20176. Entretanto, diferentemente do presente caso, a turma julgadora aplicou o caput do art. 56 da LPI, tendo entendido que, diante do fato de a patente em questão ter sido extinta por falta de pagamento de uma de suas anuidades, seria possível o ajuizamento da ação de nulidade dentro do prazo máximo de vigência do título, que é de 20 (vinte) anos a partir do depósito do pedido de patente.

Em relação ao caso Avon vs Top Ideias, considerando tratar-se de decisão recorrível e o fato de haver a discussão pendente na Justiça Estadual, é bem provável que ainda haja desdobramentos no caso. De todo o modo, a discussão merece ser acompanhada, uma vez que pode marcar uma alteração no entendimento da Justiça Federal sobre decretação de nulidade em situações em que a patente já foi extinta.

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1 Processo 0047840-07.2018.4.02.5101/RJ, em trâmite perante a 25ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

2 Processo 0149124-93.2016.8.19.0001, em trâmite perante a 6ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro.

3 Art. 56. A ação de nulidade poderá ser proposta a qualquer tempo da vigência da patente, pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse.

§ 1º A nulidade da patente poderá ser argüida, a qualquer tempo, como matéria de defesa.

§ 2º O juiz poderá, preventiva ou incidentalmente, determinar a suspensão dos efeitos da patente, atendidos os requisitos processuais próprios. (grifos nossos)

4 TRF2. Apelação nº 0137644-20.2017.4.02.5101, Des. Fed. Rel. Marcello Granado, 2ª Turma Especializada, j. em 26.06.2018; TRF2. Embargos Infringentes nº 0048985-11.2012.4.02.5101, Des. Fed. Rel. Paulo Espírito Santo, 1ª Seção Especializada, j. em 16.06.2016; TRF2. Apelação nº 0032264-76.2015.4.02.5101, Des. Fed. Rel. Paulo Espírito Santo, 1ª Turma Especializada, j. em 02.03.2018.

5 Art. 56. (...) § 1º A nulidade da patente poderá ser argüida, a qualquer tempo, como matéria de defesa. (...)

6 TRF2. 0002804-50.2017.4.02.0000, Des. Fed. Rel. Paulo Espírito Santo, 1ª Turma Especializada, j. em 13.07.2017.

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*Marcos Chucralla Moherdaui Blasi é sócio do escritório Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.

 

 

 

*Jaddy Maria Alves Pereira Messias é advogada no escritório Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.

 

 

 

*Isabella de Carvalho Ramos Bortoletto é colaboradora no escritório Gusmão & Labrunie - Propriedade Intelectual.

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