O consequencialismo jurídico é um assunto de extrema polêmica nos dias atuais e foi introduzido no Brasil com a entrada em vigor da lei 13.655/18 no ordenamento jurídico.
Em questões conceituais, o consequencialismo jurídico seria “um conjunto de teorias que entende que uma decisão deve ser avaliada em maior ou menor grau pelas consequências que traz. Isto é, uma ação poderia ser boa ou ruim, justa ou injusta, válida ou inválida, a depender também dos resultados que produz.”
Ou seja, pode ser visto como um instrumento que auxiliaria a Ciência do Direito na adequação dos fatos sociais e do momento histórico que vivenciamos e as suas interpretações dentro do recorte do mundo jurídico, e não o direito em si, servindo como veículo comunicacional para a interpretação de normas e não manejando sua efetiva aplicabilidade.
A lei 13.655/18 foi instituída no ordenamento para trazer à baila a aplicação do princípio da segurança jurídica em observância às decisões dadas pelos órgãos administrativos.
Esta lei alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, trazendo importantes disposições sobre segurança jurídica que hoje é uma questão muito controversa no judiciário brasileiro.
Também foram observados na edição desta nova legislação os princípios da legalidade, da isonomia, da irretroatividade e da transparência, reiterando a manifesta necessidade de aplicação desses princípios norteadores pelos órgãos administrativos e judiciais. Em questões relativas ao Direito Tributário, a nova LINDB teria campo de atuação submetendo os aplicadores da legislação tributária às suas alterações, uma vez que o diploma legal trás de maneira concreta os princípios que norteiam os enunciados tributários.
Nos dias atuais, a insegurança jurídica é algo que assola diariamente o judiciário brasileiro, pois são tantas as situações e suas possíveis variáveis, que a depender da análise do caso concreto, as premissas podem mudar assim como as decisões sobre um mesmo tema.
Desde a edição da nova LINDB, o disposto no artigo 24 vem sendo discutido no que tange a sua aplicabilidade no âmbito do Direito Tributário. Nesse sentido, estabelece o dispositivo:
“Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.”
Um dos pontos polêmicos de sua aplicabilidade seria a questão do lançamento por homologação envolvendo o contribuinte particular, uma vez que muitos sustentaram nessa ocasião que o artigo retro citado seria inaplicável uma vez que os “atos, contratos, ajustes, processos ou normas” seriam todos de natureza administrativa apenas e, portanto, não seria aplicável aos particulares.
Nessa esteira, decidiu o CARF em seu primeiro Acórdão proferido em relação ao tema (9202-006.996), por não conhecer a questão posta fundamentando-se exatamente na questão da aplicabilidade da LINDB para os administradores públicos e os órgãos de controle da administração pública apenas, fazendo referência à Nota técnica conjunta 1/18.
Na mesma linha de raciocínio do julgado anterior, manteve o CARF sua posição pela inaplicabilidade do dispositivo em vários outros julgados, reforçando os argumentos citados anteriormente e chamando a atenção para o fato de que os órgãos julgadores administrativos teriam seus instrumentos próprios como as súmulas editadas pelo próprio CARF, podendo a aplicação do referido artigo causar prejuízos em relação ao contraditório e a ampla defesa do contribuinte.
Porém, o CARF julgou de maneira diversa no acórdão nº 1301-003.284, decidindo pela inaplicabilidade do artigo 24 da LINDB porém com outra motivação. Ponderou-se que o artigo 24 seria, aplicável a processos no CARF, mas que em relação ao caso concreto haveria um problema de subsunção da norma, por se tratar de lançamento decorrente de revisão de ato do contribuinte.
Já no acórdão 1401-003.017, foi decidido que o artigo 24 da LINDB seria destinado a instâncias de controle de gastos públicos, à luz de uma interpretação sistemática dos demais dispositivos inseridos pela Lei 13.655/2018. Nesse julgamento, o entendimento foi de que o lançamento tributário não teria caráter revisional além do que, as normas gerais em matéria tributária seriam veiculadas apenas através de lei complementar, e não de lei ordinária como foi o caso da LINDB.
Já no acórdão 1402-003.605, julgado em dezembro de 2018, adotaram-se as premissas de que mesmo que o lançamento tivesse o condão de revisar os dados informados pelo contribuinte, ele só se tornaria definitivo após o transcurso de tempo previsto no artigo 150, parágrafo 4º, do CTN.
Além disso, ressaltou que a aplicação e interpretação da legislação tributária devem ser realizadas de acordo com as disposições previstas no CTN, inteligência atribuída pela análise da questão da competência estabelecida no artigo 146, III, “b” da CF/88.
Em 15 de janeiro deste ano, porém, foi proferido o acórdão 9101-003.839, onde a 1ª CSRF julgou a matéria de forma totalmente inédita, rejeitando a aplicação do artigo 24 com base no princípio da irretroatividade, mas reconhecendo sua aplicabilidade se não fosse esse o caso.
Já para a jurisprudência do STJ, vemos que em sentido totalmente contrário ao que decide o CARF, o conselheiro Luís Flávio Neto se posicionou quanto a aplicação do artigo 24 da LINDB entendendo ser esta possível uma vez que tal dispositivo deveria ser compreendido à luz do nemo potest venire contra factum proprium, e que o ato do contribuinte no lançamento por homologação teria natureza de ato administrativo.
Portanto, a aplicabilidade de tal artigo tem entendimentos diversos nas esferas administrativa e judicial, o que gera grande discussão e polêmica, o que nos leva novamente ao cerne da insegurança jurídica em matéria tributária.
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*Thuanny Pereira é advogada tributarista.