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Proteção de dados: custo ou oportunidade?

Considerar a LGPD apenas como obstáculo que gera prejuízos financeiros e reputacionais é uma forma incompleta, e um tanto míope, de enfrentar a nova realidade de uma economia baseada em dados.

10/2/2020

O ingresso em 2020 anuncia ao mundo corporativo a proximidade da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que, se não adiada, passará a valer a partir de agosto. Não raro, ainda ouvimos ecoar o discurso de que se trata de mais um estorvo, dentre todas as regulações já existentes que impedem o desenvolvimento econômico e a inovação do país. Isso porque a proteção de dados geralmente vem associada a notícias sobre o vazamento de informações capazes de gerar enormes prejuízos às empresas e, em especial, a penalidades que podem chegar a R$ 50 milhões ou 2% do faturamento em caso de não adequação à lei.

Entretanto, considerar a LGPD apenas como obstáculo que gera prejuízos financeiros e reputacionais é uma forma incompleta, e um tanto míope, de enfrentar a nova realidade de uma economia baseada em dados. 

Em primeiro lugar, a LGPD posiciona o titular no centro das atividades que envolvem a manipulação dos seus próprios dados e justamente nesse ponto que surge a oportunidade de considerar a privacidade do usuário como um fator de diferenciação no mercado. Ao cumprir as disposições da lei, as empresas deverão tratar os dados pessoais de forma aberta, transparente e responsável, o que demonstra não só a preocupação sobre as sanções legais indesejáveis, mas sobretudo o apreço com a privacidade de seus clientes.  Um estudo feito pela Verint Systems Inc. em conjunto com a Opinium Research LLC mostrou que 89% dos 24 mil consumidores entrevistados acham importante saber como seus dados pessoais são protegidos e 84% dizem ser indispensável saber se suas informações são compartilhadas com terceiros1. No Brasil, uma pesquisa conduzida por pesquisadora da Universidade Federal de Uberlândia, com 864 entrevistados, mostrou que 95,7% deles se preocupa com privacidade na relação de consumo2. Por isso, a inserção da privacidade e tratamento adequado de dados na rotina da empresa pode representar uma importante vantagem competitiva, principalmente ao se considerar a ainda baixa aderência das empresas brasileiras.

Em segundo lugar, a LGPD representa um aumento no potencial de transações nacionais e internacionais. A lei traz padrões globais de proteção de dados até então inexistentes no Brasil, cuja ausência poderia representar (ou já representou) um empecilho aos negócios com empresas estrangeiras. Por exemplo, a GDPR – lei europeia sobre proteção de dados – exige que as empresas do bloco apenas transfiram dados para países com níveis de proteção equivalente aos seus. Talvez seja justamente por ter uma regulação de dados pessoais desde 1999 que o Chile, e não o Brasil, foi escolhido pela gigante Google para sediar seu o primeiro data center na América Latina, ainda em 2012, com investimento de 150 milhões de dólares3. A nível nacional, como a lei estabelece a corresponsabilidade entre quem controla e quem opera os dados, a tendência é que as empresas apenas celebrem negócios com parceiros que demonstrem um nível de compliance adequado. Nesse passo, a aderência à lei representa mais do que um custo, trata-se na realidade de uma oportunidade de negócio.

Em terceiro e último lugar, a LGPD é uma excelente oportunidade para “arrumar a casa” e organizar todos os processos e produtos que envolvam a coleta, transferência ou armazenamento de dados pessoais, sejam dos clientes, sejam dos próprios colaboradores. As exigências nela contidas implicam, necessariamente, o tratamento seguro dos dados pessoais, o que mitiga os riscos de vazamento, malicioso ou não, e reduz as perdas a ele associadas. Um estudo anual conduzido pela IBM em conjunto com o Instituto Ponemon aponta que o custo médio de um vazamento a uma empresa de dados é de US$ 3,9 milhões, podendo ser reduzido a menos de um terço desse valor se detectado dentro de 200 dias4. Assim, estar em compliance com a LGPD significa diminuir os riscos envolvidos no processamento de dados.

Ao fim e ao cabo, é evidente que a LGPD, assim como grande parte da legislação brasileira, representa alguma restrição às empresas e, por consequência, custos à sociedade. Entretanto, as organizações que perceberem nessa regulação uma oportunidade estratégica para fortalecer o vínculo com o cliente, potencializar as relações comerciais e evitar riscos inerentes à economia da informação certamente ocuparão uma posição privilegiada nos anos que se avizinham. Assim, transforma-se custo em oportunidade e valor.

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*João Sitta é advogado especializado em propriedade intelectual e direito digital, membro da International Association of Privacy Professionals (IAPP) e integra a equipe do Zavagna Gralha Advogados

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