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A administração deve ou não adimplir parcelas advindas de contrato administrativo verbal?

Parece-nos evidente que o posicionamento atual e majoritário de nossos Tribunais acaba por mitigar o sistema licitatório, gerando efeitos nefastos, sendo o principal deles, a conclusão de que mesmo sendo sabidamente nulo, vale a pena contratar verbalmente com a Administração.

28/1/2020

Consolidou-se na jurisprudência pátria o entendimento de que mesmo sendo nulo o contrato administrativo firmado verbalmente por expressa disposição do parágrafo único, do artigo 60, da lei 8.666/93, o contratado faz jus à contraprestação em face da proibição de enriquecimento sem causa da Administração. À guisa de exemplo, vejamos o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais1:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - CONTRATO ADMINISTRATIVO VERBAL - ALUGUEL DE IMÓVEL - ENRIQUECIMENTO SEM JUSTA CAUSA DA ADMINISTRAÇÃO - DEVER DO ENTE CONTRATANTE - RELAÇÃO JURÍDICA COMPROVADA - VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO - QUITAÇÃO - AUSÊNCIA - DEVER DE PAGAMENTO - RECURSO DESPROVIDO. 1. O fato de ser nula a contratação verbal com a Administração Pública não exime o ente da responsabilidade pelo pagamento, sob pena de enriquecimento sem justa causa, desde que comprovado a sua existência nos autos. 2. Comprovado o vínculo jurídico mantido entre as partes, conforme afirmou o próprio Município em sede de contestação, e não demonstrado o pagamento das verbas cobradas, deve ser confirmada a sentença de procedência, vez que a ninguém é dado se beneficiar da própria torpeza.

Em sentido oposto, MARÇAL JUSTEN FILHO2 pontua:

“3) Contratos verbais

A ausência de forma escrita acarreta a nulidade do contrato, que não produzirá efeito algum (excetuada a hipótese referida no parágrafo único). O tratamento legal severo também se destina a reprimir atuações indevidas e ilícitas. O terceiro não poderá arguir boa-fé ou ignorância acerca da regra legal. Se aceder com contratação verbal, arcará com as consequências.

Por óbvio que há decisões que encampam referida posição, contudo, como adiantado, o entendimento majoritário é aquele que se encontra no precedente acima destacado.

Ao nosso sentir, soa mais coerente a lição de Marçal Justen Filho, pois, como é de corriqueira docência o sistema que impõe à Administração efetuar contratações por meio de licitação conta com ampla base principiológica que a sustenta, ao passo que o contrato verbal abre uma fenda que possibilita contratações a esmo.

Parece-nos evidente que o posicionamento atual e majoritário de nossos Tribunais acaba por mitigar o sistema licitatório, gerando efeitos nefastos, sendo o principal deles, a conclusão de que mesmo sendo sabidamente nulo, vale a pena contratar verbalmente com a Administração.

Em outras palavras, por mais que se invoque a máxima de que o Poder Público não pode se beneficiar de sua torpeza e se enriquecer em razão dela, em verdade, está sendo malferida a mens legis que é evitar a todo custo a burla ao sistema licitatório.

Importante ressaltar que presumivelmente o particular tem conhecimento de que está agindo à revelia da lei, daí porque, sequer há se falar em boa-fé de sua parte.

Nesse diapasão, incontestável que aquele que contrata verbalmente com a Administração e encontra amparo perante o Poder Judiciário está sendo diretamente beneficiado por sua torpeza, o que, em si, já denota o contrassenso do entendimento judicial com o qual não concordamos.

Cumpre também destacar que no nosso entendimento não há que se falar em aplicação do artigo 59, parágrafo único da lei 8.666/93, como sustentáculo para a conclusão de que deve a Administração pagar pelos serviços prestados até a declaração de nulidade.

Isso porque, parece-nos que o legislador ao criar tal norma, visava atingir aquelas situações em que houve regular processo licitatório e superveniente formalização de contrato escrito, sendo essa a hipótese em que se faz necessária a declaração de nulidade.

Ao passo que o contrato verbal não demanda tal declaração visto que decorre ex lege.

Cumpre mesmo observar que o Legislador abominou, terminantemente, a formalização de contratos verbais, logo, não há qualquer traço de legalidade em referida formalidade de contratação, conforme se denota do parágrafo único, do artigo 60.

Por outro lado, a hipótese versada no artigo 59, parágrafo único diz respeito àquelas situações em que o contrato foi elaborado e formalizado seguindo-se as balizas legais, porém, ostenta algum vício que o inquina e que pode levar ao reconhecimento de sua nulidade.

Em outras palavras, na situação prevista no artigo 59, parágrafo único, o particular firmou o contrato que entendia lícito, e que, após iniciar a execução do serviço, foi considerado nulo.

Já no caso previsto no artigo 60, parágrafo único, o particular, conscientemente, firmou um contrato, que sempre soube ser nulo, ilegal.

É de se perceber que o reconhecimento da nulidade na hipótese do artigo 59 demanda juízo de valor, porém no cenário ínsito ao artigo 60 é desnecessário, posto que, por expressa disposição legal, a forma de contratação, por si só, torna a avença nula desde o seu nascedouro, e que basta uma perfunctória análise para se afirmar a inexistência de contrato escrito.

Para aqueles que ainda entendem desmedido isentar a Administração de qualquer obrigação para com o contratado verbalmente, apresentamos uma terceira via, qual seja, a de se retornar ao status quo, por meio da simples recomposição dos custos básicos do serviço prestado, assim entendido como os gastos com material e mão de obra, sem que seja computada qualquer parcela de lucro.

É de se observar que essa solução parece adequada, na medida em que nem a Administração tampouco o contratado serão beneficiados por sua torpeza, e que a expressão indenização estará sendo empregada em seu verdadeiro sentido, qual seja a restauração do patrimônio do contratado na exata medida do que foi diminuído, nem mais, nem menos.

__________

1 TJ-MG - AC: 10086140043323001 MG, Relator: Edilson Olímpio Fernandes, Data de Julgamento: 27/08/2019, Data de Publicação: 06/09/2019

2 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Editora Revista dos Tribunais, 17ª Edição, p. 1.141.

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*Paulo Braga é advogado, pós-graduado em Direito Público.

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