Migalhas de Peso

“Lockstep” ou “Eat-what-you-kill” em escritórios de advocacia: Nenhum dos dois!

O motivo mais importante numa ruptura societária é quando ocorre um desequilíbrio entre o valor relativo que um determinado sócio tem na sociedade (normalmente traduzido pela sua participação) e a sua visão de valor agregado que contribui à mesma sociedade.

28/1/2020

Existem dezenas de artigos escritos por vários autores sobre esses dois sistemas (eu mesmo já me aventurei nesse tema), mas nesta discussão especifica quero detalhar um pouco mais as diferenças, vantagens e desvantagens, incentivos e desincetivos de ambos.

O motivo mais importante numa ruptura societária é quando ocorre um desequilíbrio entre o valor relativo que um determinado sócio tem na sociedade (normalmente traduzido pela sua participação) e a sua visão de valor agregado que contribui à mesma sociedade (normalmente sentido pela sua participação, ou de sua equipe no faturamento global da sociedade ou de sua dedicação).

Como estamos falando de sensações, a análise torna-se mais complexa, pois vai depender de como aquele determinado sócio reage causada pelo desequilíbrio sentido e dependem de fatores individuais subjetivos e emocionais, tais como: personalidade do sócio; auto confiança; relação de empatia com os demais; tempo de dedicação à sociedade; fase da vida; capacidade de argumentação e negociação interna, etc.. Além desses existem alguns fatores objetivos, tais como: grau de transparência dos sócios gestores (se este não fizer parte desse seleto grupo); qualidade e confiabilidade dos sistemas e dos relatórios produzidos e principalmente das regras de determinação da compensação societária.

Podemos traduzir isso no gráfico mostrado a seguir, onde existem três zonas de descompasso entre as duas sensações descritas anteriormente:

Existem duas curvas explicitadas nesse gráfico, sendo a azul representado a sensação de desequilíbrio sentida pelo sócio e a vermelha o grau de insatisfação causado por essa sensação.

Como não existem situações extremas de desequilibro total ou equilíbrio total, essas curvas são assíntotas, ou seja, não tocam os eixos. Também existem três zonas demarcadas (com todas as limitações de uma interpretação subjetiva), ou seja, a de ruptura onde existe um descompasso enorme e considerado não negociável, a de conflito onde o descompasso é sentido como possivelmente negociável e a terceira, de acomodação onde a situação tende a ser tolerada. Cabe notar que não existe uma situação se satisfação total, pois é característica do ser humano sempre achar que vale mais do que aquilo que ou outros percebem de si.

Todos os modelos de remuneração ou compensação societária, como o próprio nome diz, são modelos e como tais não conseguem abranger a totalidade de situações possíveis, causando esses desequilíbrios tratados no gráfico. Quanto maior for a rigidez e/ou simplicidade do sistema, maior será a ocorrência de situações que geram insatisfação.

Um pouco de insatisfação é benéfico, pois acaba sendo o motor para as atitudes positivas e de crescimento, porém muita insatisfação gera desmotivação e atitudes disruptivas. Além disso, nós humanos temos uma capacidade enorme de adaptação e como a água (que sempre acha o caminho mais fácil para se deslocar), também nos adaptamos aos sistemas e procuramos sempre achar o caminho mais fácil e interessante e que exija o menor esforço.

Lockstep basicamente se caracteriza pela relativização de sócios e colaboradores pelo seu grau de senioridade e apresenta algumas consequências quando analisamos sob o prisma do gráfico anterior.

A premissa principal do sistema é que sócios com  o mesmo tempo de sociedade ou experiencia são equivalentes e tem a mesma importância para a sociedade, o que na minha humilde opinião quase sempre não é verdade. O sistema induz as seguintes situações e comportamentos:

a. Como valoriza basicamente o tempo de dedicação, há uma forte valorização dos mais velhos, com a consequente maior remuneração destes e induzindo à acomodação natural devido à própria remuneração e à idade.

b. Sócios mais jovens (principalmente das novas gerações) são pouco incentivados a esperar anos ( as vezes dezenas) para se tornarem sócios mais bem remunerados.

c. O sistema não contempla sócios “fora da curva”, com capacidades e atributos muito diferentes, como por exemplo, capacidade extrema de captação.

d. A relação de atributos para que os sócios sejam considerados equivalentes  costumam tender para o subjetivo o que torna a sensação de equilíbrio sentida pelos sócios mais jovens complicada.

e. Normalmente existe um sócio gestor ou um comitê gestor, pela própria definição do sistema, comporto pelos mais seniors, que determina a relativização entre sócios, o que também contribui para a insatisfação dos mais jovens e diferentes.

Eat-What-You-Kill, como o próprio nome define, a remuneração ou compensação societária depende basicamente da contribuição líquida à sociedade pelo próprio sócio e/ou sua equipe e por ser simples de implementação, pois exige apenas o controle de faturamento é bastante atrativo para incorporações de sócios externos. Como a anterior, também, apresenta consequências e distorções quando colocamos a análise sob o prisma do gráfico de insatisfação.

a. Estimula a individualidade e a criação de “escritórios dentro de escritórios”

b. Dificulta a integração prejudicando a eficiência global do escritórios com a má utilização das ociosidades das equipes.

c. É praticamente auto determinante, não exigindo a existência de órgãos de controle e determinação de quotas.

d. Desestimula qualquer iniciativa de participação em atividades institucionais.

e. Por ser bastante fácil a agregação de sócios externos, a manutenção da filosofia empresarial vai se deteriorando ao longo do tempo.

f. Normalmente o sócio mais importante é aquele que tem o faturamento maior e não obrigatoriamente é um líder ou gestor competente.

A governança, gestão e liderança em um escritório depende de vários atributos dos sócios gestores necessários perenização da sociedade tais como:  visão de negócios, capacidade de liderança, respeito profissional e pessoal, reconhecimento de sua importância interna, conhecimento e experiência técnico-jurídica importância e reconhecimento no mercado;  capacidade de gerenciamento de equipe e clientes; além de capacidade de captação de clientes;  representação na carteira atual de clientes; dedicação à instituição e trabalho individual como advogado (horas) e capacidade gerencial e financeira. Várias outras  podem e devem ser discutidas e definidas de acordo com a filosofia empresarial adotada.

A adoção de um sistema misto de relativização de sócios, levando em consideração atributos objetivos (importantes para a saúde financeira) e subjetivos (importantes para a integração, atração e manutenção dos talentos, principal ativo do escritório) é primordial para a minimização da sensação de insatisfação de todos os componentes e para a perenização da sociedade.

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*José Paulo Graciotti é consultor e sócio da GRACIOTTI Assessoria Empresarial.

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