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Serviços antigos produzem novas ideias

Por mais paradoxal que possa parecer, através da utilização de um serviço antigo, se produz uma ideia nova.

24/1/2020

Já podemos observar alguns sinais de como será a temperatura do debate político durante as eleições municipais desse ano. A rotina monótona dos cartórios, com seus papéis amarelados e carimbos, costuma passar muito, muito longe do interesse da mídia. Porém, nos últimos dias eles ganharam as manchetes dos principais jornais do Brasil. O motivo: estão fazendo o reconhecimento de firma de assinaturas em fichas de filiação ao partido Aliança pelo Brasil, do presidente Jair Bolsonaro. Uma frente de partidos de esquerda reclamou dos cartórios ao Conselho Nacional de Justiça acusando-os de favorecimento, procuradores falaram na mídia em abuso do poder econômico, houve quem encontrasse sinais de improbidade, enquanto a equipe de Bolsonaro reclamou de um complô de opositores para impedi-lo de criar sua própria agremiação. Uma grande confusão. 

Bolsonaro tem pressa, quer seu partido disputando as eleições deste ano, o mundo político já sabe. Mas seu desafio é muito grande. Em média, o processo de criação de um partido leva quase três anos. A equipe do Aliança pelo Brasil tem que cumprir a tarefa em menos de três meses. Foram obrigados a inovar, quem pode culpá-los por isso? Primeiro cogitaram a ideia de usar assinaturas digitais, mas não se encontrou uma base legal. Recorrer aos cartórios foi uma verdadeira inovação nesse processo, uma daquelas tiradas que deve ter deixado muitos políticos com dor de cotovelo. Aliás, existem cerca de 80 partidos esperando em uma longa fila pelo registro definitivo.

O Tribunal Superior Eleitoral precisa receber as assinaturas de 500 mil apoiadores para fazer o registro. O problema é que não basta que sejam entregues, a assinaturas precisam ser validadas, o que é uma das etapas mais demoradas de todo trabalho. A equipe de Bolsonaro calculou que passar pelos cartórios antes para fazer o famoso reconhecimento de firma poder poupar o TSE desse trabalho, o que representaria uma enorme economia de tempo. 

Cartórios são prestadores de serviços públicos cujas atividades são reguladas por lei e entre elas consta conferir e dar fé publica a assinaturas. Em nota, entidades que representam o setor, afirmaram que estão de portas abertas para todos, sem distinção. Disseram ainda que precisaram trabalhar duro para orientar seus associados, uma vez que a ideia é uma novidade e que o aumento na demanda poderia colocar em risco a prestação de serviços regulares.

Não é difícil imaginar que quinhentas mil pessoas ao mesmo procurando cartórios pata reconhecer firmas têm potencial para produzir grandes distúrbios. Mas cabe aqui uma lição para todos. Quando o assunto envolve política e serviços públicos, cada passo precisa ser explicado de forma absolutamente transparente, ampla e didática, o que não parece ter sido o caso. Muitas boas ideias já foram sepultadas por falta desses cuidados. 

Esse é um assunto que merece voltar a ser discutido sem tantas paixões. Os cartórios, goste-se deles ou não, vêm prestando bons serviços ao Brasil e têm progredido muito em sua organização e transparência. São elogiados por dar segurança jurídica aos negócios e por desafogar o judiciário. Por enquanto, nada os impede de reconhecer firmas em fichas de apoio a partidos. O TSE ainda dará a palavra final. O fato é que todos teriam muito a ganhar com esse trabalho.

 Um fator que poderá levar o TSE a rejeitar o “atalho” encontrado por Bolsonaro para viabilizar a registro da Aliança a tempo de disputar as eleições de outubro é o incentivo que isso representaria para os partidos em fase de criação.

Caso seja validada a inovação proposta pela Aliança poderemos ter mais partidos sendo criados rapidamente, o que traria como consequência o aumento da fragmentação partidária, uma das grandes críticas feitas ao nosso sistema partidário.

Por outro lado, ao recusar a inovação proposta pelo presidente Jair Bolsonaro, o TSE colaboraria para criar um desincentivo a práticas que busquem romper com o modelo obsoleto de política e administração pública.

Além disso, a inovação daria mais celeridade ao processo de criação de novas legendas. Os cartórios, através de sua reconhecida eficiência na prestação de serviços notoriais, dariam uma importante contribuição no processo de desburocratização.

Tal medida traria repercussões positivas também para a atuação do TSE. Com a redução da desburocratização na criação de novos partidos, o TSE naturalmente poderia se concentrar em temas de maior relevância.

Aliás, vale recordar que essa não é a primeira vez que o bolsonarismo produz práticas inovadoras por dentro do velho sistema. A vitória de Bolsonaro em 2018 quebrou um paradigma na forma de fazer campanha, na medida em que, utilizando as redes sociais e abdicando dos fundamentos tradicionais de campanha como, por exemplo, estrutura partidária e tempo de TV, venceu uma eleição presidencial.

Depois disso, inovou mais uma vez ao rejeitar o presidencialismo de coalizão como forma de relacionamento com o Congresso. Mesmo que tal decisão ainda provoque atritos com o establishment, a agenda de reformas está avançando.

A decisão de partidos de esquerda em judicializar o debate da criação da Aliança recorrendo ao CNJ mostra, mais uma vez, que parte significativa do sistema político segue incapaz de compreender a onda disruptiva que levou Bolsonaro ao poder.

Ao invés de buscarem modificar a forma de fazer política, continuam tentando enfrentando o bolsonarismo ancorados em práticas que chegaram ao esgotamento.

Por mais paradoxal que possa parecer, através da utilização de um serviço antigo, se produz uma ideia nova. Trata-se de mais uma etapa no processo de transição em que vivemos enquanto país. Assim como o sistema político tradicional contribui positivamente para a construção das bases de "um novo Brasil" através do avanço de reformas, a Aliança lança-mão de uma estrutura antiga – cartórios – para criar uma novidade no processo de registro do novo partido.

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*Rodrigo Suarez é advogado da Advocacia Murillo de Aragão.

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