Migalhas de Peso

Sócio de capital e sócio de serviço em escritórios de advocacia – As distorções

Do que exatamente é constituído o patrimônio ou o ativo de um escritório de advocacia, ou em outras palavras, o que constitui a sua maior riqueza?

17/1/2020

É bastante comum encontrarmos essa estrutura societária em escritórios de advocacia, onde basicamente existem duas categorias de sócios: Sócios de Capital e Sócios de Serviço e a diferença básica é a posse ou propriedade de cotas patrimoniais da empresa. Essa estrutura, apesar de comum, não representa a realidade do funcionamento dessas empresas e também apresenta inúmeros problemas conceituais e práticos.

Sob o prisma contábil, simplificadamente Capital é o conjunto de recursos postos à disposição da empresa” e Patrimônio líquido, é a diferença entre soma dos bens e direitos e a soma das dívidas e obrigações” numa determinada data e no momento da criação, são matematicamente iguais.

Não vamos desenvolver essa discussão sob a ótica contábil porque este não é o objetivo, mas sim sob o prisma do significado das palavras ativo e patrimônio, que semanticamente se confundem. O dicionário Houaiss define o vocábulo na acepção Derivação: sentido figurado, como sendo “Riqueza, Preciosidade”, pois é com esses conceitos que vamos continuar a discussão.

A primeira e mais importante é o conceito da pergunta: Do que exatamente é constituído o patrimônio ou o ativo de um escritório de advocacia, ou em outras palavras, o que constitui a sua maior riqueza?

Como escritórios de advocacia são empresas prestadoras de serviços intelectuais, compostos 100% por pessoas e trabalhando para pessoas (mesmo que dentro de empresas), obviamente a conclusão que se chega é que a maior riqueza dessas empresas são exatamente as pessoas que nelas trabalham (sócios, advogados e staff) e repetindo a frase que costumo dizer, “O patrimônio (ou ativo) de um escritório de advocacia desce o elevador todos os dias e vai para casa”!

Sob esse prisma, o patrimônio é algo fluido e quase intangível, pois depende das pessoas estarem presentes e trabalhando para que o patrimônio líquido contábil existe e possa ser calculado. Numa situação teórica hipotética se nenhuma pessoa aparecer no escritório para trabalhar o valor desse escritório (no sentido conceitual da palavra) seria zero, pois a apuração dos ativos restantes se resumiria à venda de mobiliário, computadores , etc.(totalmente depreciados) acrescido da apuração entre o contas a receber (com um grau muito maior de inadimplência) e o contas a pagar mais as obrigações tributário-trabalhistas.

Então, como só alguns sócios são patrimoniais? Eles tem a posse ou propriedade sobre as pessoas? Por que alguns sócios têm esse atributo e outros não? Em que situação são definidos os valores das cotas? Chegamos à conclusão de que o valor das cotas é quase uma ficção!

A definição da chamada cota de Capital, normalmente tem origem no aporte financeiro inicial no momento da criação do escritório, quando são necessários recursos para a viabilização do negócio (locação de imóvel, reformas, compras de mobiliário, tecnologia, etc.) e essa distribuição de cotas conforme o investimento inicial acaba se tornando perene. Ao se anexar algum novo sócio, os anteriores se veem no direito de serem ressarcidos pelos investimentos iniciais na proporção do percentual que a cota atribuída àquele novo sócio representa do total investido, criando- se assim o conceito de compra e venda de cotas.

Passado algum tempo após a fundação, quando o escritório estiver em “velocidade cruzeiro” a distribuição de cotas , que representa a importância relativa entre os sócios pode não ter nenhuma relação com aquela do passado quanto foram feitos os investimentos iniciais (e em inúmeras vezes é o que acontece).

O valor relativo de cada sócio na sociedade depende de vários fatores, tais como: sua capacidade de captação de clientes; sua carteira atual de clientes e consequentemente o percentual dessa carteira no faturamento geral do escritório; seu trabalho individual como advogado (horas); sua importância e reconhecimento no mercado acoplada à sua capacidade gerencial e sua visão de negócios e reconhecimento de sua importância interna, seu conhecimento e experiência técnico-jurídica, sua capacidade de gerenciamento de equipe e clientes amais algumas outras e não de sua capacidade financeira de investimentos

Vamos analisar alguns exemplos práticos da complexidade na determinação dos valores de cotas em algumas situações especificas e suas consequências:

Imagine uma situação onde um determinado sócio, no momento da criação tenha aportado 70% dos valores necessários e por alguma coincidência também representava no início das operações algo em torno de 70% do faturamento. Passado algum tempo (alguns anos) esse mesmo sócio, por qualquer motivo, passou a se dedicar menos ao escritório e representa apenas 40% do faturamento e não esteja disposto a vender suas cotas para aqueles aumentaram sua dedicação à empresa. Neste ponto cria-se um conflito com uma potencial reorganização societária (provavelmente disruptiva).

Imagine outra situação onde esse mesmo socio detendo 70% das cotas resolva sair da sociedade, formado a sua própria, com seus clientes. Qual o valor da cota a ser determinada para a compra pelos sócio restantes?  A cota no momento imediatamente antes da cisão tem um valor contábil que apesar de refletir o passado recente, também implicitamente leva em consideração o negócio em andamento, ou seja, o “fundo de comercio” que obviamente não será o mesmo no dia seguinte à saída daquele sócio. Novamente , outra crise.

Imagine também uma situação onde a empresa faz uma aquisição de um bem (imobilizado) numa determinada data quando existia uma certa distribuição de cotas e novamente um sócio perde sua participação relativa na sociedade por conta de, por exemplo, querer se dedicar menos à sociedade e mais a outra atividade paralela. Como administrar a distorção causada entre a sua participação efetiva na compra do imobilizado e sua dedicação à empresa? Um problema a ser resolvido.

Imagine novamente mais uma situação onde um sócio adentra à sociedade e compra uma determinada quantidade de cotas por um valor baseado na contabilidade atual e que esse sócio não exerça funções diretivas (o que é bastante normal), pois dificilmente os sócios diretores dificilmente permitirão que um novato participe da gestão. Após algum tempo, por eventual má gestão, o valor patrimonial da sociedade diminui de maneira importante (numa sociedade prestadora de serviços a relação receitas e despesas diminuiu). Agora imagine que este novo sócio continue faturando e gastando no seu setor (equipe ou departamento) nos mesmo níveis  anteriores ou seja sua participação ou dedicação relativa à sociedade aumentou, porém o valor de suas cotas diminuiu. Nova crise.

Existem mais inúmeros outros exemplos que posso elencar mostrando os problemas que potencialmente podem aparecer com a adoção do sistema de cotas patrimoniais. Também gostaria de deixar absolutamente claro que existem soluções contábeis e financeiras para resolver todos os exemplos citados bem como os outros possíveis de ocorrer, mas nenhum sistema contábil ou financeiro é capaz de resolver os conflitos consequentes nas relações societárias e humanas de relacionamento

A saúde societária de um escritório de advocacia depende da relação de confiança, dedicação, comprometimento participativo, noção de preservação da instituição e outras características que aglutinam os sócios em torno de um bem comum.

A adoção do sistema de cotas patrimoniais nada mais é do que a garantia financeira e de poder decisório de alguns poucos sócios que se intitularam de “Sócios de Capital” em detrimento de outros também muito importantes para a preservação da empresa. A adoção de um sistema de avaliação periódica, levando-se em conta KPI'S objetivos e subjetivos é mais indicado para a perenidade da sociedade.

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*José Paulo Graciotti é consultor e sócio da GRACIOTTI Assessoria Empresarial.




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