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Startup: As operações de investimento através de mútuo conversível e a incidência de IOF

Atualmente, grande parte das startups utilizam do mútuo conversível para conseguir aporte de capital. Isso, pois, este contrato garante aos investidores que o valor do mútuo possa ser convertido em futura participação societária

16/1/2020

I. Introdução

1. Os contratos de mútuo têm sido largamente utilizados por startups para captar recursos para seus negócios. Mas, antes de utilizar deste instrumento, é imprescindível que se entenda as implicações tributárias desta ferramenta.

2. Neste artigo, busca-se, esclarecer a aplicação do imposto IOF1- crédito e IOF-Câmbio ao contrato de mútuo conversível. Para isso, previamente é necessário, nos moldes do preceituado no artigo 110 do Código Tributário Nacional, estabelecer a definição do instituto segundo o Código Civil, em razão de serem dele os respectivos reflexos tributários objeto deste estudo.

3. Conceitua-se o contrato de mútuo, portanto, como o empréstimo de coisas fungíveis onde há a transferência do domínio da coisa emprestada pelo mutuante ao mutuário, que está obrigado a restitui-la em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade, conforme consta nos artigos 586 e 587 da lei 10.406/02 (Código Civil).

4. Atualmente, grande parte das startups utilizam do mútuo conversível para conseguir aporte de capital. Isso, pois, este contrato garante aos investidores que o valor do mútuo possa ser convertido em futura participação societária.

5. Tem-se que, a título tributário, as operações de investimentos através de mútuo conversível estarão sujeitas à incidência do IOF-Crédito e também poderão se sujeitar ao IOF-Câmbio, a depender do local da disponibilidade do mútuo, ambos de competência federal2.

II. Noções gerais do IOF

6. A normatização do IOF está atualmente consolidada no regulamento do IOF (RIOF) baixado com o decreto 6.306, de 2007 e suas posteriores alterações. Por se tratar de imposto de caráter regulatório da economia (disponibilidade de moeda e crédito, visando o equilíbrio das contas públicas e o controle da inflação pela via da interferência indireta na oferta e procura), a Constituição Federal autoriza, em seu art. 150, § 1º, a alteração de sua base de cálculo e a elevação de suas alíquotas com vigência já a partir da publicação do ato alterador.

7. Outra prerrogativa constitucional relativa ao IOF diz respeito à possibilidade de que as alterações de alíquota sejam feitas pelo Poder Executivo por meio de simples decreto, obedecido o limite máximo previsto na lei básica do imposto que hoje é de 1,5% ao dia, sobre o valor das operações de crédito e relativos a títulos e valores mobiliários.

8. O IOF incide somente sobre as operações financeiras previstas em lei, dentre elas: o IOF incidente sobre as operações de crédito (IOF-Crédito) e o incidente sobre operações de câmbio (IOF-Câmbio), os quais serão melhores detalhados adiante.

II. 1. IOF-Crédito

II.1.1. Incidência do IOF-Crédito

9. Estão abrangidas pela incidência do IOF-Crédito as operações de crédito realizadas por instituições financeiras, inclusive por empresas de factoring e as operações de mútuos e/ou empréstimos realizados entre pessoas jurídicas ou entre pessoas jurídicas e pessoas físicas, o que significa afirmar que, somente haverá a incidência do IOF-Crédito quando o mutuante for pessoa jurídica.

10. Nas operações de créditos externos não há incidência do IOF-Crédito, aplicando-se a incidência do IOF-Câmbio, conforme artigo 2º, § 2º, do decreto 6.306/073.

11. A expressão "operações de crédito" compreende as operações de:

a) empréstimo sob qualquer modalidade, inclusive abertura de crédito e desconto de títulos;

b) alienação, à empresa que exercer as atividades de factoring, de direitos creditórios resultantes de vendas a prazo; e

c) mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física.

12. Note-se que apesar de haver na legislação expressa exclusão de incidência do IOF-Crédito na operação de crédito externo, sem prejudicar a incidência do IOF-Câmbio, o fisco entende que o disposto apenas se aplica nas operações de pecúnia enviada do exterior para o Brasil, e não o contrário.

II. 1.2. Fato gerador do IOF-Crédito

13. O fato gerador do IOF-Crédito é a entrega do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado. Entende-se ocorrido o fato gerador e devido o IOF-Crédito nas seguintes hipóteses4:

a)  na data da efetiva entrega, total ou parcial, do valor que constitua o objeto da obrigação ou sua colocação à disposição do interessado;

b)  no momento da liberação de cada uma das parcelas, nas hipóteses de crédito sujeito, contratualmente, a liberação parcelada; 

c)  na data do adiantamento a depositante, assim considerado o saldo a descoberto em conta de depósito (cheque especial ou conta garantida);

d)  na data do registro efetuado em conta devedora por crédito liquidado no exterior;

e)  na data em que se verificar excesso de limite, assim entendido o saldo a descoberto ocorrido em operação de empréstimo ou financiamento, inclusive sob a forma de abertura de crédito; 

f)   na data da novação, composição, consolidação, confissão de dívida e dos negócios assemelhados;

g)  na data do lançamento contábil, em relação às operações e às transferências internas que não tenham classificação específica, mas que, pela sua natureza, se enquadrem como operações de crédito. 

II. 1.3. Contribuinte do IOF-Crédito

14. O contribuinte do IOF-Crédito é a pessoa física ou jurídica tomadora de crédito5, ainda que o crédito decorra de alienação de contas a receber por vendas a prazo a empresas de factoring.

15. Entretanto o responsável pela cobrança do IOF e pelo seu recolhimento ao Tesouro Nacional é o concedente do crédito6, que normalmente são:

a) as instituições financeiras; 

b) as empresas de factoring adquirentes de direitos creditórios resultantes de vendas a prazo;

c) a pessoa jurídica que conceder o crédito, nas operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros. 

II. 1.4. Alíquotas e base de cálculo do IOF-Crédito

16. O IOF devido nas operações de crédito é calculado por alíquotas diárias incidentes sobre a base de cálculo. O imposto tem alíquota máxima de 1,5% (um vírgula cinco por cento) ao dia sobre o valor das operações de crédito7. Entretanto vigoram atualmente alíquotas e bases de cálculo reduzidas, nos valores de 0,0041% (quarenta e um décimos de milésimo por cento) ao dia quando o mutuário for pessoa jurídica e 0,0082% (oitenta e dois décimos de milésimo por cento) quando o mutuário for pessoa física8.

17. Além das alíquotas normais, incide sobre as operações de crédito um adicional à alíquota do IOF de 0,38% (trinta e oito centésimos por cento), independentemente do prazo da operação, seja o mutuário pessoa física ou pessoa jurídica. Essa incidência adicional foi criada pelo governo, a partir de 03/01/08, para compensar o fim da cobrança da CPMF9.

18. O IOF-Crédito sobre o mútuo, cuja base de cálculo não seja apurada por somatório de saldos devedores diários, não excederá o valor resultante da aplicação da alíquota diária a cada valor de principal, prevista para a operação, multiplicada por trezentos e sessenta e cinco dias, acrescida da alíquota adicional, ainda que a operação seja de pagamento parcelado10.

19. A base de cálculo11 do IOF-Crédito nas operações de empréstimo, sob qualquer modalidade, inclusive abertura de crédito será:

a)  quando não ficar definido o valor do principal a ser utilizado pelo mutuário, inclusive por estar contratualmente prevista a reutilização do crédito, até o termo final da operação, a base de cálculo é o somatório dos saldos devedores diários apurado no último dia de cada mês, inclusive na prorrogação ou renovação;

b)  quando ficar definido o valor do principal a ser utilizado pelo mutuário, a base de cálculo é o principal entregue ou colocado à sua disposição, ou quando previsto mais de um pagamento, o valor do principal de cada uma das parcelas.  Cumpre informar que o IOF incidente sobre operações de crédito será calculado em função do prazo pelo qual o recurso permaneceu à disposição do tomador.

II. 1.5. Responsável tributário, cobrança e recolhimento do IOF-Crédito

20. Tratando-se de contrato de mútuo conversível, o IOF-Crédito será cobrado na data da entrega ou colocação dos recursos à disposição do mutuário, isso é, o valor entregue ao mutuário representa o valor líquido da operação12.

21. O IOF-Crédito deverá necessariamente ser retido e recolhido pelo mutuante13, e o recolhimento ao Tesouro Nacional deverá ocorrer até o 3º (terceiro) dia útil subsequente ao decêndio da retenção.14

22. Caso o IOF não seja retido e consequentemente não seja recolhido no prazo supramencionado, o mesmo será acrescido de juros de mora equivalentes à taxa referencial SELIC e multa de mora15.

_________________________

1 Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários, também conhecido pela sigla IOF (Imposto sobre Operações Financeiras)

2 Constituição Federal: Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

Código Tributário Nacional: Art.  63. O imposto, de competência da União, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários tem como fato gerador: (...)

3 Art. 2º - O IOF incide sobre:

I - operações de crédito realizadas: a) por instituições financeiras; b) por empresas que exercem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring); c) entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física;

§ 2º Exclui-se da incidência do IOF referido no inciso I a operação de crédito externo, sem prejuízo da incidência definida no inciso II.

4 Art. 63, inciso I da lei 5.172, de 1966; art. 1º, I da lei 5.143, de 1966, art. 13 §1º da lei 9.799/99; art. 3º do decreto 6.306/07 e art. 7º, § 1º, inciso II da instrução normativa 907/09.

5 Art. 2º do decreto-lei 1.783, de 1980; art. 3º, inciso I da lei 8.894, de 1994; art. 58 lei 9.532, de 1997; art. 4º do decreto 6.306/07 e art. 7º, § 1º, inciso I da instrução normativa 907/09.

6 Art. 3º do decreto-lei 1.783, de 1980; art. 58, inciso I da lei 9.532, de 1997; art. 13, §2º da lei 9.779, de 1999; art. 5º do decreto 6.306/07 e art. 7º, § 5º da instrução normativa 907/09.

7 Art. 1º, caput, da lei 8.894, de 1994.

8 Art. 64, inciso I da lei no 5.172, de 1966; art. 1º, parágrafo único da lei no 8.894, de 1994; Art. 7º, inciso I, “b”, 1 e 2 do decreto 6.306/07 e art. 7º, § 4º da instrução normativa 907/09.

9 Art. 7º, inciso VI §15 do decreto 6.306/07; Art. 1º do decreto 6.339, de 2008; decreto 7.458, de 2011; decreto 7.487, de 2011; decreto 7.632, de 2011; decreto 7.726/12; decreto 8.392/15 e art. 7º, § 4º da instrução normativa 907/09.

10 365 x 0,0041 = 1,4965 cujo o arredondamento representa 1,5 %, conforme determina §§ 1º a 3º do art. 7º do decreto 6.306/07.

11 Art. 2, inciso I da lei 5.143, de 1966; art. 64, inciso I da lei no 5.172, de 1966; art. 2º, inciso II da lei no 8.894, de 1994; art. 7º, inciso I, alínea b do decreto 6.306/07 e art. 7º, § 1º, inciso III da instrução normativa 907/09.

12 O valor líquido da operação é o valor do mútuo conversível, subtraído o valor do IOF devido pelo mutuário.

13 Art. 5º, inciso III, do decreto 6.306/07 e art. 7º, § 5º da instrução normativa 907/09.

14 Art. 70, inciso II, alínea "b" lei 11.196, de 2005.

15 Art. 5º, § 3º e art. 61 da lei 9.430, de 1996; art. 47 do decreto 6.306/07.

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*Eduardo F. de Souza Weyll é advogado, sócio no escritório SMGA Advogados.

*Isadora Monteiro Menezes é advogada do escritório SMGA Advogados.

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