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Créditos de ICMS nas aquisições de mercadorias para uso e consumo, energia elétrica e comunicação - inconstitucionalidade da lei complementar 171/19

O aproveitamento de créditos de ICMS sobre essas operações restou adiado para 1º de janeiro de 2033, furtivamente frustrando uma legítima expectativa de direito dos contribuintes de verem reduzidos seus débitos do imposto em decorrência dessa possibilidade.

15/1/2020

No apagar das luzes de 2019, ocorreu a publicação oficial da lei complementar 171, que alterou pela sétima vez a lei complementar 87/96 (Lei Kandir), e prorrogou novamente o prazo para aproveitamento de créditos de ICMS nas aquisições de materiais de uso e consumo, além de energia elétrica e serviços de comunicação nas hipóteses previamente vedadas pela citada norma.

Com esta alteração, o aproveitamento de créditos de ICMS sobre essas operações restou adiado para 1º de janeiro de 2033, furtivamente frustrando uma legítima expectativa de direito dos contribuintes de verem reduzidos seus débitos do imposto em decorrência dessa possibilidade.

Em que pese o exposto, lembremo-nos que em matéria de Direito Tributário devem ser observadas uma série de princípios e regras, que visam não somente disciplinar a atividade arrecadatória estatal, mas, principalmente, garantir direitos fundamentais dos contribuintes frente à supremacia de força dos entes federados, de modo a evitar imposições unilaterais por parte do Estado.

Assim, dentre as diversas normas e princípios aplicáveis nas relações jurídico tributárias, é de suma importância para a questão aqui discutida ter em mente o princípio da anterioridade, o qual divide-se nas denominadas anterioridade geral e nonagesimal, consagradas pelos arts. 150, III, alíneas b e c da Constituição Federal, e que, regra geral, devem ser aplicadas cumulativamente.

Tais princípios certificam um direito individual fundamental dos contribuintes inerente à previsibilidade das imposições tributárias às quais estes restarão submetidos, homenageando à denominada "não surpresa", a qual consiste na definição prévia de um prazo razoável para que estes tomem conhecimento das modificações na legislação tributária que institui ou aumenta os tributos, e assim, assegura um prazo mínimo e sensato para que eles se adaptem às alterações.

Nessa toada, nos termos de nossa Carta Magna, a anterioridade geral preconiza ser vedada a cobrança de tributos "no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou", enquanto que a nonagesimal impede que estes sejam cobrados "antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou".

Diante dessa considerações, evidente que a lei complementar 171/19, publicada em 30 dezembro de 2019, somente poderia implicar na majoração de tributos após o esgotamento de ambos os prazos acima descritos, e jamais imediatamente após a sua promulgação como disposto no seu artigo segundo, isso, sob pena de configurar flagrante inconstitucionalidade insanável.

Por oportuno, lembremo-nos que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmada no âmbito do RE 564.225 AgR, estabelece que o princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, não pode ser mitigado quando se trate de aumento, mesmo que indireto, de tributos de qualquer espécie.

Na mesma linha do entendimento acima, tanto o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por ocasião do julgamento da Apelação Cível 1040715-44.2019.8.26.0053, quanto o Tribunal Regional Federal da Terceira Região, nos autos da Apelação Cível 5002174-82.2018.4.03.6130, já reforçaram essa obrigatoriedade de observância do princípio da anterioridade nos casos em que a legislação buscou, sem aviso, limitar a legítima expectativa de aproveitamento de créditos fiscais.

A título elucidativo, nas palavras proferidas pelo Ilustríssimo desembargador Federal Antonio Carlos Cedenho "reduzido o percentual de crédito a ser compensado, houve aumento, ainda que indireto, da carga tributária, onerando o contribuinte repentinamente, razão pela qual o princípio da anterioridade é aplicável ao caso justamente a fim de evitar o elemento surpresa".

Sendo assim, entendemos haver bons argumentos de defesa para questionar judicialmente a vedação ao aproveitamento de créditos de ICMS nas operações de aquisição de mercadorias para uso e consumo, além de energia elétrica e serviços de comunicação, havendo uma oportunidade de significativa redução da carga tributária a depender da representatividade dessas transações.

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*Pedro Paulo Viana Rossa é advogado do Rocca, Stahl, Zveibil e Marquesi Advogados.

*Antonio Brandão Lima é advogado do Rocca, Stahl, Zveibil e Marquesi Advogados.

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