Desde de 2014, especialmente após o advento da lei anticorrupção, muito tem se tratado sob o tema compliance nas organizações, em termos próprios, os programas de integridade, apesar de já aplicado por grandes grupos empresariais, vem introduzindo modificações internas nos ambientes corporativos, cujos valores de governança (transparência, prestação de contas, equidade e responsabilidade corporativa) ecoam como princípios globais aplicáveis a qualquer empresa ou organização.
Como braço de um bom sistema de governança corporativa, os programas de integridade, tem como propósito contribuir com a conformidade legal e ética, incluindo a efetividade das regras, integrando todo o sistema de controles internos, trazendo maior confiabilidade na gestão.
Em tempos onde a corrupção tomou proporções, os programas de integridade adquirem, gradualmente maior força e relevância, justamente para inibir práticas irregulares, e garantir uma metodologia calçada na ética e no cumprimento das normas legais; identificação de desvios e inconformidades, que reverbera vez ou outra, através do famoso jargão: “jeitinho brasileiro”.
Os condomínios, como qualquer outro núcleo social, trazem suas necessidades e realidades corporativas, e, portanto, também estão sujeitos às práticas irregulares ou ilegais, onde interesses pessoais acabam por se sobrepor ao bem comum.
Com as devidas adequações na comparação de gestão entre uma empresa privada e o condomínio, que apesar de não ser uma pessoa jurídica propriamente dita, possui uma estrutura muito parecida com tal, submetendo-se à uma gestão exercida por um síndico e subsíndico eleitos; conselhos consultivos e conselho fiscal, além de outros conselhos, possíveis de serem criados conforme estatuto, para atenderem as diversas necessidades de uma coletividade condominial, e por consequência, tais figuras de gestão, possuem o papel de contribuir com a administração do patrimônio e interesse comum.
O universo condominial, que vem crescendo exponencialmente, devido ao aumento da demanda habitacional no Brasil, exige um olhar atento quanto às práticas agressivas de mercado, que nem sempre representam o interesse comum, isso porque, não é incomum negociatas com objetivo de obtenção de benefícios/vantagens visando aliciar síndicos e administradoras de condomínios, o que efetivamente prejudica toda a coletividade.
Numa aplicação mais prática sobre o tema, tem-se que os pilares básicos do programa de compliance (prevenção, detecção e resposta), são perfeitamente aplicáveis aos condomínios, sendo ferramenta capaz de contribuir sobremaneira com as diretrizes estatuídas pelo art. 1.348 do Código Cível, que em sua redação, deixa clara necessidade de cumprimento dos princípios da boa governança acima mencionados.
Assim, pela disposição do artigo citado, acredita-se que a implementação de um programa de integridade no âmbito condominial, deva ser vista como uma oportunidade de assegurar um padrão de excelência operacional, diminuir riscos de problemas reputacionais, mitigar passivos legais e promover os valores associativos, e assim, a partir do Código Civil, Estatuto Social, Regimento interno do condomínio e normas correlatas, contribuir objetivamente com a formatação de:
a) Código de Conduta com conceitos claros sobre os princípios valorativos que devem nortear o síndico, toda a diretoria e demais colaboradores e até mesmo à prestadores de serviços,
b) Políticas Internas claras sobre como os conselhos devam agir em cada caso, estabelecendo critérios objetivos quanto a conflito de interesses entre membros de diretoria - limites de alçadas financeiras - segregação de funções nas escalas da administração do condomínio
c) Regras básicas de contratação de produtos e prestadores de serviços, estabelecendo-se a necessidade de cotações, com critérios e exigências técnicas, além de incluir procedimentos “due diligence” na averiguação dos aspectos reputacionais e de cumprimento legal por parte dos contratados, dentre outras medidas passíveis de implementação. Tudo isso, com o propósito de eliminar ou ao menos minorar o reflexo negativo de riscos e prejuízos a médio e longo prazo ao condomínio contratante.
d) Políticas de hospitalidade, estabelecendo regras quanto a recebimento de brindes e presentes, evitando que síndico, qualquer outro representante de diretoria, ou colaboradores do condomínio, estejam suscetíveis a recebimento de benefícios que possam comprometer a lisura das decisões administrativas.
e) Implantação de um canal de comunicação, com regras de direcionamento e tratamento das informações, capazes de garantir a efetividade do programa, possibilitando a todos os envolvidos ou terceiros interessados, o direito a voz, demonstrando a seriedade do programa no endereçamento e tratamento de eventuais irregularidades.
Por tais razões o programa de integridade deve ser criado com base nos riscos e necessidades de cada condomínio, sua elaboração deverá ser feita preferencialmente por um especialista da área, que através de procedimentos específicos, estabelecerá o escopo necessário para construção efetiva do programa, acompanhando sua implementação, posterior validação e ajustes necessários.
Em qualquer setor, promover uma gestão embasada nas regas de compliance, minora drasticamente o grau de exposição e responsabilização em relação a potenciais comportamentos irregulares ou ilegais de todos os envolvidos, contribui com maior transparência e maior segurança nas relações institucionais e contratuais, garantindo o atendimento ao interesse comum, visando economicidade, qualidade e efetividade nas contratações e na gestão, zelando sempre pela boa conduta e confiabilidade da administração.
Como em todo ambiente corporativo, os interesses condominiais, devem ser guiados pelo interesse comum, e por isso o síndico e demais integrantes do corpo diretivo, devem agir de acordo com os comandos legais e normativos, e diante da multidisciplinariedade que engloba o universo condominial, as ferramentas do compliance, podem auxiliar com maior abrangência e segurança não só a figura do sindico como principal ator da relação coletiva, como também, todo o corpo diretivo.
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*Ariádine Grossi é advogada associada do escritório Peixoto & Cintra Advogados, especialista em Direito Processual Civil – Teoria e Prática do Novo CPC, pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso (2016), expert em Direito do Consumidor, Direito Imobiliário e Condominial, Membro da comissão de Direito Imobiliário e Secretária Geral Adjunta da Comissão de Direito Condominial, da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Mato Grosso.
*Marcelo Ambrosio Cintra é advogado e sócio diretor na banca Peixoto & Cintra Advogados Associados, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Judicial do TRT 23ª Região; possui pós graduação em Gestão Pública pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP; pós graduando em Direito Constitucional e Administrativo pela Fundação Escola Superior do Ministério Público - FESMP-MT; é consultor em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas FGVLaw-SP.