Com cerca de cem mil registros de corretores pessoas jurídicas ou físicas e com estimativa de quatro mil novos pedidos de registros por ano, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) deixou de regulamentar a atividade de corretagem de seguros. A extinção da barreira de entrada para a atividade de corretagem de seguros pegou o mercado de surpresa, que imediatamente reagiu contra a medida. Apesar disso, há aqueles que enxerguem oportunidades nesse cenário de muitas novidades a serem exploradas.
A alteração se deu por meio da Medida Provisória 905 (MP 905), publicada em 11 de novembro de 2019, revogando a lei 4.594, de 29 de dezembro de 1964, que regulamentava a profissão de corretor de seguros, bem como dispositivos do decreto-lei 73 de 1966 que incluíam os corretores como integrantes do Sistema Nacional de Seguros Privados.
A MP 905 cria o Programa Verde e Amarelo de estímulo ao emprego e tem como objetivo novo contrato de trabalho para fomentar o mercado formal de trabalho. A medida também revoga registro de outras profissões, entre elas jornalista, químico, publicitário, radialista e arquivista.
Com mais de mil emendas, foi apresentada solicitação de realização de audiência pública sobre o matéria da MP 905 e encaminhada para apreciação da relatora da Comissão Mista da MP 905 em dezembro de 2019. Vale lembrar que a MP 905 precisa ser confirmada no Senado e na Câmara dos Deputados.
A SUSEP, que deixou de regulamentar a categoria de corretor de seguros, defende a maturidade do setor que poderá se autorregular, representando maior eficiência e liberdade nas relações comerciais. Com isso, corretores não estão mais sujeitos à habilitação e recadastramento junto à SUSEP, representando custos menores em um cenário de expressivos cortes.
Fato é que a SUSEP já não tinha condições de fiscalizar o setor com a eficiência necessária, especialmente nas medidas preventivas. O Ibracor, Instituto Brasileiro de Autorregulação do Mercado de Corretagem de Seguros, de Resseguros, de Capitalização e de Previdência Complementar Aberta, já vinha auxiliando a SUSEP, mas estava limitado pela competência do órgão. Há chances que a habilitação dos corretores seja realizada pelo Instituto.
Trata-se de um reclamo antigo do setor, que vê como primordial a autorregulação. No entanto, evidente que o ideal é o processo de autorregulação seja implementado após um período de transição e não extinta a regulamentação da categoria por uma medida executiva, a famosa “canetada”. Um processo dessa monta deverá ter a imperativa participação da sociedade e das categorias do setor para uma agenda de transição.
Sobre a publicação da Medida Provisória, a SUSEP publicou a Carta Circular 04/19, indicando que o aperfeiçoamento técnico será estimulado pelo mercado e será um diferencial para os profissionais. A entidade se comprometeu a buscar, junto às entidades que continuam sob sua supervisão, formas de exigir qualificação técnica mínima para os profissionais.
Permitir que qualquer pessoa exerça a intermediação de seguros pode colocar em risco a qualidade do serviço prestado, especialmente para os segurados, uma vez que, sem a regulamentação, o consumidor encontrará dificuldades em conferir a capacitação do profissional para a oferta do seguro. O corretor tem como função apoiar o segurado na ocorrência de eventual sinistro enquanto vigente o contrato e precisa compreender que sua função é maior que a venda do seguro e por isso, essencial sua qualificação.
Certo que o trabalho do corretor vai além do momento da assinatura do contrato. Hoje, o corretor como consultor de riscos é função indispensável para o mercado segurador. Os corretores que estiverem empenhados em apresentar serviço qualificado aos segurados, especialmente consultivo, não terão maiores preocupações com a desregulamentação, diferente de seus colegas que estão focados somente na venda.
Tratando especificamente do mercado de saúde suplementar, a contratação de seguro saúde requer conhecimentos técnicos muito específicos, diante de um mercado altamente regulamentado e bastante dinâmico. Atualizar-se é mais que fundamental para a prestação de serviço de qualidade para empresas contratantes de seguros saúde.
Para os corretores especializados em seguro saúde, há o desafio adicional de entender tanto da regulamentação do setor como a movimentação do mercado, muito aquecido nos últimos anos. Especificidades como conhecer qual operadora que ofereça a melhor rede para a localização do segurado ou então o desenho de produtos com operadoras distintas não são palpáveis para aqueles profissionais que não estão preparados e familiarizados com o mercado de saúde. O risco para o segurado é grande, caso a orientação não seja a mais adequada.
Vale lembrar que a MP 905 não extingue a profissão do corretor de seguros e as relações contratuais já consolidadas não deverão sofrer qualquer tipo de alteração. O setor terá que se unir e demonstrar que a melhor opção para os segurados é a contratação do corretor com capacitação técnica. E as entidades terão papel primordial para encontrar instrumentos que estimulem tal capacitação, hoje bastante tímida por significante parcela dos profissionais. É preciso que a categoria tenha consciência de sua responsabilidade e não se apoie somente na regulamentação de mercado e na barreira de entrada no exercício da atividade.
Caso a MP 905 seja confirmada, fica a dúvida sobre como será realizada a autorregulação, bem como o futuro fundamento legal da intermediação de seguros pelos corretores e pagamento de comissão de corretagem exclusivamente aos corretores de seguros. Sabe-se que há grandes movimentos para que a MP 905 seja revogada.
Por mais polêmica – e desavisada – que tenha ocorrido, a medida trouxe um momento necessário de reflexão ao setor que não poderia mais ser adiado. O bem do segurado deve ser a prioridade e os corretores deverão cientes quanto aos novos desafios a serem enfrentados pela categoria. Fato é que aqueles que estiverem bem preparados conseguirão enxergar as oportunidades que esses novos pensamentos podem trazer ao mercado.
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*Lidiane Mazzoni é advogada.