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Nova Lei de Franquia Empresarial (13.966/19) – Qual a necessidade de dispositivo expresso “permitindo” solução de conflitos por Arbitragem?

O texto legal vigente e válido da Lei de Arbitragem não precisa e não deve ser ratificado a todo instante por diplomas subsequentes, sob pena de, aí sim, dar azo a interpretações absurdas.

30/12/2019

Após o advento da lei 9.307, de 1996 (Lei de Arbitragem), em diversos diplomas legais que vieram, em sua maioria, aprimorar o regime jurídico brasileiro em setores empresariais específicos, cuidou o legislador de inserir dispositivo expresso autorizando as partes contratantes do negócio jurídico em questão a se valerem da arbitragem como método de resolução de conflitos. 

Salvo algumas exceções em que tal inserção mais atrapalha do que ajuda, em razão de inovações que não se coadunam com a espinha dorsal da lei 9.307/96, essas iniciativas do legislador costumam ser aplaudidas como forma de reafirmar a importância e eficácia da solução arbitral.

Se nos anos iniciais de vigência da Lei de Arbitragem esse cuidado do legislador foi bem visto e aplaudido, atualmente já se questiona se realmente há necessidade – e, portanto, se é apropriado, já que a lei não deve conter disposições inúteis – de que uma lei que trate de relações contratuais empresariais contenha dispositivo específico para “permitir” que as partes convencionem a utilização da arbitragem. Afinal, a lei 9.307/96, mormente após a reforma de 2015, é suficientemente clara ao prever todos os casos em que a arbitragem é “permitida”.

Neste apagar de 2019, foi sancionada a lei 13.966, que “dispõe sobre o sistema de franquia empresarial e revoga a lei 8.955, de 15 de dezembro de 1994 (Lei de Franquia)”. E lá está o quase onipresente dispositivo arbitral, o artigo 7º, parágrafo primeiro, da:

“Art. 7º Os contratos de franquia obedecerão às seguintes condições:

...........................................................................................

§ 1º As partes poderão eleger juízo arbitral para solução de controvérsias relacionadas ao contrato de franquia”

Trata-se, tecnicamente, de dispositivo despiciendo, pois apenas repete o que a lei 9.307/96 já permite às partes contratantes de qualquer negócio jurídico empresarial e que atendam aos requisitos previstos em seu artigo 1º. Por que isso ainda acontece?

No caso da nova Lei de Franquia Empresarial, há três possíveis razões que podem ter levado o legislador a prever o que já é previsto desde 1996, ou seja, que as partes podem livremente eleger juízo arbitral para a solução de controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis. Vamos a elas.

A primeira possível razão pode ser encontrada no projeto inicial da lei, apresentado na Câmara dos Deputados em 2012 (PL 4386/12), antes, portanto, de a lei 9.307/96 ser alterada pela lei 13.129, de 26/5/15. Pelo projeto, os órgãos da administração direta, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios também poderiam adotar a franquia empresarial, mediante a realização de licitação.

Como se sabe, em 2012 ainda havia muito debate – malgrado a já clara predominância jurisprudencial à época -- sobre até que ponto as Administrações Direta e Indireta poderiam se submeter ao juízo arbitral.

O PL da Câmara chegou ao Senado Federal em 2015, convertendo-se no PL 219/15. No mesmo ano, portanto, em que foi promulgada a lei 13.129/15, que espancou de vez qualquer dúvida sobre o alcance da convenção de arbitragem legitimamente celebrada por quaisquer órgãos ou entidades da Administração Pública Direta e Indireta.

Talvez os parlamentares de 2015 não tenham se atentado para esse fato e, ainda receosos de que a validade da convenção de arbitragem celebrada pela Administração Pública pudesse ser contestada, mantiveram no projeto a previsão expressa que permite aos contratantes da franquia empresarial se valerem do juízo arbitral.

Com o trâmite no Senado, o projeto sofreu algumas modificações, dentre elas a exclusão dos órgãos da Administração Direta como passíveis de firmar contratos de franquia, mantendo-se as demais entidades da Administração Indireta. E assim foi promulgada a aqui analisada lei 13.966, sancionada pelo Presidente da República em 26/12/19.

O curioso é que, ao sancionar a lei, o Presidente vetou integralmente o artigo que tratava da possibilidade de as entidades da Administração Pública Indireta firmarem contratos de franquia com base nesse diploma. A justificativa do veto é a de que, ao se prever um procedimento licitatório específico para a celebração de contratos de franquia, esse dispositivo da lei 13.966/19 conflitaria com a lei 13.303/16 (Lei das Estatais), que dispõe que todas as empresas estatais realizam procedimentos licitatórios com base naquele marco regulatório.

Em suma, ao fim e ao cabo, se porventura a inserção do artigo 7º, parágrafo primeiro da Nova Lei de Franquia Empresarial, que prevê a possibilidade da arbitragem, deu-se por conta da previsão de que contratos de franquia seriam firmados também pela Administração Pública, essa razão, que já não se justificava desde o início, simplesmente deixou de existir no texto sancionado em decorrência do veto presidencial.

A segunda possível razão para o legislador ter inserido a despicienda previsão de “permissão arbitral” na Nova Lei de Franquia Empresarial adviria do entendimento de que o contrato de franquia representaria uma relação de consumo, sujeito, portanto, às normas do Código de Defesa do Consumidor, dentre elas o artigo 51, VII, que prevê a nulidade de cláusula contratual relativa ao fornecimento de produtos e serviços “que determinem a utilização compulsória de arbitragem”.

Assim, poderia o legislador ter entendido que a inserção do artigo 7º, parágrafo primeiro da Lei 13.966/2019 seria oportuna para afastar o risco de se entender que o contrato de franquia envolve relações de consumo, com consequente nulidade de eventual inclusão da previsão de arbitragem na Circular de Oferta de Franquia e no subsequente contrato de franquia, à luz da mencionada norma do CDC.

Tal possível razão para inserção do artigo 7º, parágrafo primeiro na recente lei de franquia, porém, não se sustenta. Há tempos que a jurisprudência firmou o entendimento de que, “no contrato de franquia, não há uma relação de consumo tutelada pelo CDC, mas de fomento econômico, com o intuito de estimular as atividades empresariais do franqueado” (REsp  1.602.076-SP, rel. ministra Nancy Andrighi, j. 15/9/16).

Não bastasse, a parte final do artigo 1º da própria lei 13.966/19 tratou expressamente da questão, ao dispor que o sistema de franquia empresarial “[não caracteriza] relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados”. Desse modo, definitivamente não foi para afastar a incidência do regime do CDC que o legislador de 2019 fez inserir o óbvio dispositivo segundo o qual “as partes poderão eleger juízo arbitral para solução de controvérsias relacionadas ao contrato de franquia”.

Finalmente, a terceira possível razão para o legislador ter inserido tal dispositivo adviria do quanto disposto no artigo 4º, parágrafo 2º da lei de Arbitragem, que condiciona sobremaneira a exequibilidade da cláusula compromissória nos contratos de adesão. E mesmo não sendo um contrato que trata de relações de consumo (seara em que os contratos de adesão são mais frequentes), há o entendimento, inclusive do STJ no mesmo julgado referido acima, de que “o contrato de franquia ou franchising é inegavelmente um contrato de adesão”.

De fato, historicamente criou-se a percepção da prevalência da posição do franqueador sobre o franqueado, sob os pontos de vista técnico (expertise do franqueador acerca do produto e de seu mercado e deficiência na transmissão de informações e na prestação de assistência ao franqueado) e econômico (em geral, bem estruturado detentor da marca, como franqueador, e pequenos empreendedores com limitados recursos, como franqueados).

Esse desequilíbrio, por mais que efetivamente ocorra na prática (e que deve ser sensivelmente minimizado em face das novas disposições legais acerca dos direitos e obrigações de franqueador e franqueado), com todo o respeito à jurisprudência ora prevalecente, não faz do contrato de franquia um contrato de adesão per se, tampouco de hipossuficiência na relação jurídica, que, a nosso ver, deve ser provada caso a caso. 

Sem prejuízo, ainda que se admita que o contrato de franquia tem a natureza de um contrato de adesão, ainda assim a inserção do dispositivo pelo qual “as partes poderão eleger juízo arbitral para solução de controvérsias relacionadas ao contrato de franquia” nada, absolutamente nada acrescenta ao que já dispõe a lei 9.307/96, inclusive o seu artigo 4º, parágrafo 2º, a saber:

“§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula”.

Como já adiantado, em nossa modesta opinião o contrato de franquia não se caracteriza naturalmente como um contrato de adesão, devendo a análise ser feita caso a caso. Consequentemente, como regra, a cláusula compromissória convencionada nos contratos de franquia prescinde das formalidades exigidas no artigo 4º, parágrafo 2º da lei 9.307/96. Com as novas e detalhadas regras trazidas pela recém-sancionada lei 13.966/19, acreditamos que o entendimento anterior de que o contrato de franquia é essencialmente de adesão deverá se modificar.

De qualquer modo, a simples previsão de que “as partes poderão eleger juízo arbitral para solução de controvérsias relacionadas ao contrato de franquia” passa ao largo da discussão acima e não tem o condão, como eventualmente pode ter pensado o legislador, de firmar o entendimento de que contrato de franquia não é de adesão. Nem mesmo de impedir que eventualmente se exija, no caso concreto, os requisitos do artigo 4º, parágrafo segundo da Lei de Arbitragem para que a cláusula compromissória tenha eficácia.

Ou seja, também essa possível terceira razão não serve como justificativa para o artigo “arbitral” da Nova Lei de Franquia Empresarial, que se limita a permitir o que a lei 9.307/96 já há muito permite.

Em suma, o artigo 7º, parágrafo primeiro da lei 13.966/19 é desnecessário porque:

(a) se era para garantir que as entidades da Administração Pública pudessem convencionar cláusulas compromissórias em seus contratos de franquia, não haveria necessidade porque há muito tempo, e notadamente após a reforma da Lei de Arbitragem em 2015, estão bem claros e definidos todos os casos e matérias que podem ser objeto de convenção de arbitragem pela Administração Pública; ademais, o dispositivo que permitia às entidades da Administração Pública firmarem contratos de franquia foi vetado pela Presidência da República;

(b) se era para garantir que os contratos de franquia não estão sujeitos às normas do Código de Defesa do Consumidor, o que poderia levar à nulidade das cláusula compromissórias, não haveria necessidade porque há muito a jurisprudência assentou a inaplicabilidade do CDC aos contratos de franquia; ademais, a parte final do artigo 1º da própria lei 13.966/2019 expressamente dispõe que o sistema de franquia empresarial não caracteriza relação de consumo; e

(c) se era para garantir que os contratos de franquia não devem ser considerados contratos de adesão, não haveria necessidade nem utilidade, uma vez que não é a permissão de que as partes contratantes convencionem arbitragem que irá alterar o entendimento da jurisprudência de que os contratos de franquia são contratos de adesão; o que deverá alterar esse entendimento é a esperada melhor e mais segura negociação e contratação das franquias empresariais sob a égide da Nova Lei de Franquia Empresarial, que haverão de diminuir sensivelmente o descompasso que atualmente se nota entre as posições de franqueador e franqueado; ademais, continua possível que, no caso concreto, conclua-se que a eficácia da cláusula compromissória inserida no contrato de franquia esteja sujeita às condições previstas no artigo 4º, parágrafo segundo da lei 9.307/96, e a simples previsão na Nova Lei de Franquia Empresarial da “permissão de arbitrar” não afasta essa possibilidade in casu.

Restaria, como já abordado acima, a intenção do legislador de sempre prestigiar o instituto da arbitragem, intenção essa que se costumava muito apreciar até recentemente. E que naturalmente se reconhece e compreende.

Mas agora que as bases da arbitragem se encontram consolidadas em nosso ordenamento jurídico, deve-se refletir se a inserção legislativa de simples permissão de que as partes contratantes do negócio jurídico empresarial em questão convencionem arbitragem em seus contratos é realmente benéfica ao desenvolvimento do instituto.

Inserir desnecessariamente (como visto acima no caso da Nova Lei de Franquia Empresarial) em leis ordinárias disposição expressa de que as partes signatárias de um contrato de natureza empresarial podem se valer da arbitragem para a resolução dos conflitos dele decorrentes ou a ele relacionadas, repetindo, portanto, o que já está na lei 9.307/96, pode se tornar prejudicial ao próprio instituto da arbitragem. O texto legal vigente e válido da Lei de Arbitragem não precisa e não deve ser ratificado a todo instante por diplomas subsequentes, sob pena de, aí sim, dar azo a interpretações absurdas como a de que, em se tratando de contratos típicos, a arbitragem só seria permitida se o respectivo normativo legal assim o permitisse. 

Não há, na lei 9.307/96, distinção entre contratos típicos e atípicos para fins de caracterização das respectivas matérias como passíveis de resolução por arbitragem. Daí porque, não obstante, claro, seja sempre motivo de satisfação constatar que a solução arbitral está constantemente presente na discussão e condução do processo legislativo, não é assim tão alvissareiro, como à primeira vista pode parecer, a inclusão de dispositivos desnecessários como o artigo 7º, parágrafo primeiro, na Nova Lei de Franquia Empresarial.

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Colaborou com o texto João Pedro Simini Ramos Pereira.

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*Gilberto Giusti é advogado em São Paulo.

 

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