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Desobrigação de emissão de CAT para acidentes de trajeto

Novas regras para incidentes ocorridos entre a residência do empregado e o seu trabalho

26/12/2019

Após a edição da MP 905/19, publicada em 12/11/19, conhecida como Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, o Governo Federal revogou expressamente o artigo da lei previdenciária que equiparava o acidente de trajeto a acidente de trabalho (art. 21, IV, alínea “d”, da lei 8.213/91), tendo esta revogação efeito imediato. Dessa forma, não existe mais qualquer disposição legal que obrigue a emissão da Comunicação de Acidente de Trajeto (CAT) para os incidentes ocorridos entre a residência do empregado e o seu trabalho e vice-versa.

O entendimento até então consolidado pela Justiça do Trabalho, com base justamente na citada alínea revogada, era que o incidente ocorrido “no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela”, conhecido como “acidente de trajeto”, era equiparado ao acidente do trabalho, fazendo jus o trabalhador à estabilidade acidentária de 01 (um) ano e recolhimentos fundiários caso ele permanecesse afastado das suas atividades por período superior a 15 dias (súmula 378 do TST).

Cumpre ressaltar que a questão em debate sempre gerou uma grande discussão, já que os empregadores não possuíam qualquer controle das situações ocorridas fora das suas dependências e, neste sentido, não poderiam ser responsabilizados ou penalizados por infortúnios para os quais não possuíam qualquer ingerência.

Lembramos que o primeiro indicativo quanto a esta modificação, já havia sido iniciado com a Reforma Trabalhista (lei 13.467/17), quando o legislador dispôs expressamente que o tempo de deslocamento da residência até o trabalho não é considerado como tempo à disposição do empregador e, por conseguinte, não é computado na jornada de trabalho do empregado (artigo 58, §2° da CLT).

Inclusive, com base nesta relevante alteração legislativa, surgiram considerações de que o artigo 58 da CLT, além de gerar efeitos na jornada de trabalho do trabalhador, teria revogado tacitamente a alínea “d”, do inciso IV, do artigo 21 da Lei Previdenciária.

Adicionalmente, e no mesmo ano de 2017, o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) alterou a metodologia do cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), retirando o acidente de trajeto deste cômputo desde o exercício de 2018, conforme dispõe a resolução 1.329/17 e, tais infortúnios não mais interferem na alíquota da contribuição aos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT).

Entretanto, as decisões judiciais proferidas após a vigência da lei 13.467/17 entendem que a modificação do artigo 58, § 2°, da CLT somente gerou reflexos quanto à jornada de trabalho, não revogando assim a alínea “d”, do inciso IV, do artigo 21 da lei 8.213/91.

Aliás, um recente julgado do Tribunal regional do Trabalho de Minas Gerais, entendeu “que não houve revogação expressa do art. 21 da lei 8.213. Logo o acidente comprovado quando a autora retornava de seu intervalo a caminho da empresa caracteriza-se como acidente do trabalho, com suas repercussões para fins de estabilidade. A alteração do § 2º do art. 58/CLT se refere apenas às horas in itinere. (...)” (TRT da 3.ª Região: 0011043-36.2018.5.03.0149).

Não obstante, agora com a revogação expressa da alínea “d”, inciso IV, do artigo 21 da lei previdenciária, somada à atual redação do artigo 58 da CLT, bem como o quanto disposto na Resolução Administrativa do Conselho Nacional de Previdência Nacional, haverá fortes elementos jurídicos para defender que o acidente de trajeto (residência e o local de trabalho e vice versa) não será mais considerado como acidente de trabalho e, por conseguinte, a jurisprudência sobre o tema possivelmente retratará tal alteração legislativa.

Caso isto se confirme, os efeitos práticos é que as empresas deixarão de recolher o FGTS a partir do 15° dia do afastamento, bem como os empregados não terão mais direito a estabilidade acidentária de 01 (um) ano, fazendo jus apenas ao recebimento do auxílio previdenciário comum enquanto durar a incapacidade para o trabalho.

Neste aspecto, após a publicação da MP, o Ministério da Economia, por meio da sua Secretaria Especial de Previdência e Trabalho já expediu Ofício-Circular 1649/2019/ME aos peritos médicos, relatando esta alteração legislativa, não podendo assim as empresas sofrerem qualquer tipo de punição caso não emitam a CAT decorrente de acidente de trajeto. 

De toda sorte, não é demais lembrar que a MP 905/19, não obstante já possuir eficácia de lei, necessita de aprovação em até 120 dias pelo Congresso Nacional, cuja tarefa não será fácil, tendo em vista esta já ter sido alvo de inúmeras críticas e alegações de inconstitucionalidades, inclusive pelo Ministério Público do Trabalho e por alguns membros da Justiça do Trabalho, podendo neste aspecto sofrer importantes alterações ou até, caso não aprovada, perder sua eficácia.

Portanto, a definição legislativa da matéria ocorrerá até março do próximo ano e, caso promulgada da forma que se encontra, ofertará uma maior segurança jurídica para as empresas quanto ao tema.

___________

*Luiz Alberto Macedo Meirelles de Azevedo é coordenador da área trabalhista do escritório De Vivo, Castro, Cunha e Whitaker Advogados, especialista em Direito Sindical do Trabalho, com docência para o ensino superior pela Escola Superior de Advocacia de São Paulo e extensão em Direto Empresarial do Trabalho pela Fundação Getúlio Vargas. Membro da OAB/SP.

 

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