Migalhas de Peso

Presentes e hospitalidades na era do compliance

Com o clima de festas temos a distribuição de presentes e brindes como forma de prestigiar as relações comerciais entre empresas ou entre empresa e cliente, sendo esta prática uma das mais tradicionais no mundo corporativo

19/12/2019

Recentemente em um treinamento sobre programas de conformidade, fomos indagados se uma caneta seria considerada um suborno capaz de se enquadrar na lei anticorrupção. A pergunta necessitou de uma devolutiva ao nosso interlocutor, com a seguinte questão: “depende, a caneta seria uma Bic ou uma Mont Blanc”?

Sem demérito a marca Bic ou supervalorização de uma Montblanc, o tema merece atenção.

É sabido que com a chegada do fim do ano, com o clima de festas temos a distribuição de presentes e brindes como forma de prestigiar as relações comerciais entre empresas ou entre empresa e cliente, sendo esta prática uma das mais tradicionais no mundo corporativo. O hábito de agraciar aqueles com que se fazem negócios é algo antigo e desempenhado no mundo inteiro.

Em uma época onde a ética e a cultura organizacional estão em voga, devemos observar como as empresas estabelecem normas ou políticas inerentes à oferta e recebimento de presentes, brindes, ou hospitalidades, especialmente se tais práticas forem direcionadas a agentes públicos ou a terceiros que tenham relação com aqueles.

Pois, com o advento da lei 12.846 de 2013 (Lei anticorrupção), as pessoas jurídicas passaram a ser responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos de seus colaboradores (dirigentes, administradores ou mesmo terceiros prestadores de serviços), que possam induzir a caracterização de práticas contra a administração pública, e em proveito da pessoa jurídica.

A correlação entre a prática de brindes e presentes, em que pese não estar disposta de forma evidente no texto da lei, pode restar caraterizado por atos que, ainda que despretensiosamente, possam induzir a intenção direcionada na obtenção de algum benefício pessoal e em nome da empresa em que o “doador”/ “presenteador” está vinculado, como por exemplo, o ato de presentar o agente público responsável pelo processo de licitação em que a empresa esteja concorrendo; se tal prática estiver canalizada à vantagem indevida, tanto o funcionário quanto a empresa serão responsabilizados, podendo a pessoa jurídica ser penalizada com multa de até 20% do faturamento bruto do ano anterior ao ato cometido (art. 6, inciso I, da lei 12.846/13 – Lei anticorrupção).

Aliás, mesmo não havendo intenção direcionada, merece atenção o fato de que o texto do artigo 5º da mencionada lei deixa margens para interpretações diversas, posto que o simples ato de “prometer ou oferecer” vantagem indevida, já poderá caracterizar o ilícito. Assim, em razão da subjetividade do texto da lei, algumas empresas tem buscado limitar valores para esse propósito, fazendo com que o brinde ou presente seja de caráter meramente simbólico, e em alguns casos é comum até mesmo a proibição total dessa cultura de brindes e presentes, evitando margens a interpretações subjetivas quanto ao valor monetário do presente dado ou recebido.

A prática de politicas de brindes e presentes é uma parte de um todo, que deve estar atrelada ao monitoramento e comunicação eficazes interna e externamente ao ambiente corporativo, de modo trazer a conscientização dos diversos porquês da limitação ou proibição sobre o assunto, tanto aos colaboradores, quanto ao público em geral.

Conhecer os porquês dessa e outras políticas de conformidade possibilita o pertencimento e atuação consciente, seja dos colaboradores seja dos parceiros de negócios ou mesmo dos agentes públicos, gerando uma melhor aplicação (enforcement) das políticas de conformidade.

Desta forma, é importante a reflexão sobre o tema, especialmente para segmentos empresariais com forte relacionamento contratual direto ou indireto, com setores públicos.

Em se tratando de políticas de conformidade, mesmo o óbvio precisa ser dito, escrito e vivenciado. Pense nisso!

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*Marcelo Ambrosio Cintra é advogado, pós-graduado em gestão pública pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP;  pós-graduando em Direito Constitucional e Administrativo pela Fundação Escola Superior do Ministério Público - FESMP-MT; consultor em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas FGVLaw-SP. 

*Guilherme Rodrigues Muller é advogado, membro da Comissão de Estudos Permanentes sobre o compliance da OAB/MT.

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