É muito provável que ao ler o título deste texto você tenha pensado algo como “pronto, já inventaram mais um número, lá vem o 5.0”. É compreensível, já que nos momentos atuais somos bombardeados por uma quantidade gigantesca de informações, muitas das quais não conseguimos filtrá-las.
No entanto, não se preocupe, porque ao fim desta leitura você entenderá, de forma prática, os conceitos contidos nestes números, os elementos de transição que tanto confundem a mente das pessoas, bem como em quais horizontes você deve focar.
1 - As 4 revoluções industriais e o descompasso do Direito
1.1 - As 4 Revoluções Industriais
O conceito de “Advocacia 4.0” está ligada à 4ª Revolução Industrial, também chamada de “Era Cibernética”, portanto, há um caminho para se chegar a este conceito, a começar da 1ª Revolução Industrial.
Neste ponto é muito importante você entender que o Direito é Ciência Social Aplicada, o que significa que, se o mundo muda, o Direito também será afetado.
Veja então que em meados do século XVIII, guiada principalmente pela invenção da máquina à vapor, ocorreu a 1ª Revolução Industrial, mecanizando a produção anteriormente artesanal.
A 2ª Revolução Industrial, por sua vez, ocorreu em meados do século XIX, com a descoberta e o aproveitamento de novas fontes de energia, como a elétrica (pela água nas usinas hidrelétrica). o petróleo (no motor a combustão) e o urânio (para a energia nuclear). Neste ponto surgiram o Fordismo e o Taylorismo.
A 3ª Revolução Industrial, chamada também de Revolução Informacional, começou em meados do século XX. É marcada pela automação e computação da produção, juntamente com o desenvolvimento da robótica.
Por fim, a 4ª Revolução Industrial, ou a “Era da Cibernética”, não é definida por um conjunto de tecnologias emergentes em si mesmas, mas a transição em direção a novos sistemas que foram construídos sobre a infraestrutura da revolução digital (automação e computação, da 3ª Revolução Industrial). O “mundo 4.0” é marcado por sistemas ciberfísicos, que combinam máquinas com processos digitais, capazes de tomar decisões descentralizadas e de cooperar - entre eles e com humanos - mediante a internet das coisas (IOT).
Portanto, foi neste contexto de “Revolução Industrial 4.0” que são criados e propagados o “Direito 4.0” e a “Advocacia 4.0”. Porém, você verá agora claramente como o mundo jurídico está sempre em descompasso (em atraso!) com todas as mudanças.
1.2 - O Descompasso do Direito
Você pôde acompanhar neste texto quais foram as revoluções industriais e o que marca cada uma delas.Em sequência perceba alguns pontos de desajuste do mundo jurídico com a evolução produtiva da humanidade:
- Veja que antes da 1º Revolução Industrial a produção de bens e serviços era artesanal, padrão de produção que muitos profissionais jurídicos ainda insistem, o que é um grande descompasso com as demais Revoluções Industriais posteriores, sobretudo quando falamos de serviços semelhantes/repetitivos.
- Na 2ª Revolução Industrial, iniciou-se a produção em massa, porém até hoje muitos profissionais jurídicos ainda não perceberam que para as demandas repetitivas da sociedade deve-se usar modelos pré formatados (é onde se controla a qualidade), com atenção à velocidade e volume na produção dos serviços.As Startups jurídicas (Lawtechs) já perceberam isso e estão revolucionando o mercado jurídico. Você já pensou em ser um “Advogado de Startups”?
- A automação é característica marcante da 3ª Revolução Industrial, porém, no mundo jurídico atual está sendo considerada uma grande revolução o implemento de automatização de contratos, de procedimentos e robôs de mensagens (chatbots), por exemplo.
- A internet foi criada no mundo em 1969, iniciada comercialmente no Brasil em 1995 e só em 2014 foi criado o Marco Civil da Internet em nosso país, o que é mais um exemplo de como o direito normalmente não consegue acompanhar o ritmo de mudanças sociais.
Perceba que nesse sempre falado “Direito 4.0” atualmente estão em alta as temáticas de Direito Digital, Proteção de dados, Inteligência Artificial, por exemplo, mas no mundo jurídico ainda engatinhamos lentamente na Transformação Digital na qual o mundo corporativo vem investindo muito dinheiro há muito tempo.
Entender a transformação digital é fundamental para perceber todo o complexo rearranjo que está acontecendo em nossa sociedade, bem como aprender sobre o “Direito 5.0”.
2 - A transformação digital jurídica: novos paradigmas sociais
2.1 - A Transformação Digital
A transformação digital é marcada por três degraus evolutivos.
O primeiro é a digitizaçao, que é transformar dados físicos para dados digitais. O Processo Judicial Eletrônico (PJe) que para muitos foi uma grande revolução, é na verdade um simples primeiro passo nesse caminho.
O segundo é a digitalização, que é tornar digital os processos (no sentido da sequência de atos), aproveitando questões como as decisões guiadas por análises de dados e automação de atividades repetidas, por exemplo.
O terceiro é a própria Transformação Digital, que rearranja na sociedade as profissões - leia aqui o texto sobre as novas profissões jurídicas -, os ferramentais, os modelos de negócio, o comportamento dos consumidores, o significado da concorrência, entre outras questões.
Neste ponto é importante a atenção para os modelos administrativos descentralizados, pelos quais nascem e crescem rapidamente modelos de negócio como Uber, Airbnb e Youtube (o que abordarei de forma mais profunda mais adiante). - Saiba mais sobre transformação digital jurídica.
2.2 - Os novos paradigmas sociais: linguagem dos rastros e descentralização
A sociedade atual é marcada por uma quantidade gigantesca de produção de informações/dados. Atualmente, criamos 2,5 quintilhões de bytes de dados todos os dias e essa quantidade tende a aumentar, sobretudo com a evolução da computação quântica.
O que ocorreu foi que, sobretudo a partir da 3ª Revolução Industrial, com a chegada do digital, começou um movimento de descentralização das mídias, com aumento crescente dos dados. O fluxo das informações passou a ocorrer de forma muito mais rápida, partindo de várias fontes.
Nesse contexto, saímos de um contexto de escassez de informações, para um de abundância. Perceba então que essa revolução da mídia, ou da forma como as informações são transmitidas, causa grandes mudanças por toda a sociedade, que é o que chamamos de transformação digital.
Esta mudança no padrão da transmissão das informações causa, inclusive, muitos conflitos internos nas pessoas, em uma verdadeira “crise dos filtros”, abrindo espaço inclusive para a criação e propagação das fake news. Isso porque, na fase pré-digital, o filtro externo era grande, determinado pela centralização das informações, sendo então o filtro individual pequeno (as informações já vinham filtradas das mídias tradicionais). Porém, no mundo digital, de abundância e descentralização das informações, o filtro externo é pequeno (já que as informações vêm de toda parte), sendo necessário então às pessoas desenvolverem novos e maiores filtros para entender as informações e a própria sociedade.
É justamente neste contexto que o contexto social está mudando profundamente - e o Direito também.
Veja então que a descentralização da mídia gerou uma nova linguagem, relacionada ao um novo modelo de administração.
O modelo de administração pré-digital é baseado na Gestão, que é ligada à linguagem oral e escrita e ao controle concentrado de qualidade de produtos e serviços. Por sua vez, o modelo de administração digital é descentralizado, chamado de Curadoria, marcado pela linguagem dos rastros, com um controle de qualidade difuso, ou seja pelos próprios usuários (exemplo das “estrelas” de avaliação do Uber e do Mercado Livre).
Portanto, perceba que estamos em um contexto do surgimento de uma nova sociedade marcada pela descentralização, abundância de informações e reformulações dos filtros de entendimento do mundo, com elevado desenvolvimento tecnológico e rearranjos diversos.
Porém, ocorre que temos uma coexistência de paradigmas pré-digitais (analógicos) - que marcam, inclusive, todo o pensamento tradicional jurídico -, com paradigmas de uma sociedade digital, exponencial e guiada por dados. Acrescenta-se a esse caldeirão o fato de que estamos no momento de uma redefinição de filtros pessoais, já que temos mais liberdade para seguir caminhos diversos e até mesmo definir qual é o seu conceito particular de felicidade.
Para aumentar ainda mais a complexidade da questão, não podemos analisar com paradigmas pré-digitais os elementos próprios do crescente contexto digital. O resultado de tudo isso é um ser humano perdido diante do seu futuro pessoal e profissional neste cenário de acelerado incremento tecnológico. É neste ponto que precisamos entender a Sociedade 5.0.
3 - O Direito de uma sociedade 5.0
Percebe-se uma grande inquietude das pessoa e até mesmo uma sensação de desesperança quanto a seus futuro profissionais a médio e longo prazo.
Há muito o medo de que a automação levada às últimas consequências possa gerar o desemprego tecnológico. No mundo jurídico esse medo se parece ainda maior.
A ‘Sociedade 5.0’ é um conceito adotado pelo governo japonês, pensando em uma forma da sociedade lidar com a tecnologia tendo como foco o desenvolvimento e bem estar humano, ou seja, não somente gerar eficiência em procedimentos produtivos, mas propiciar maior felicidade e liberdade ao ser humano.
Na sociedade até agora, geralmente é dada prioridade aos sistemas sociais, econômicos e organizacionais, resultando em brechas nos produtos e serviços que os indivíduos recebem, justamente pela falta do foco total no ser humano.
Por outro lado, a Sociedade 5.0 alcança uma convergência avançada entre o ciberespaço e o espaço físico, permitindo que a Inteligência Artificial baseada em big data e robôs executem ou suportem o trabalho e os ajustes que os humanos fizeram até agora. Isso libera os seres humanos do trabalho e das tarefas cotidianas pesados em que não são particularmente bons e, através da criação de novo valor, permite o fornecimento exato dos produtos e serviços necessários às pessoas, otimizando assim todo o sistema social e organizacional.
É justamente nesse contexto que cada vez mais os profissionais jurídicos precisam focar suas atenções em desenvolver suas habilidades humanas, as Soft Skills, que são consideradas pelo Fórum Econômico Mundial como determinantes para o sucesso profissional.
Portanto, o Direito 5.0 tem como foco total o ser humano com as suas necessidades e habilidades próprias, em um contexto de paradigmas próprios de um mundo digital, relacionados à resolução de problemas, geração de valor, descentralização, diversidade, sustentabilidade e desenvolvimento harmônico, dentre outros.
Assim, perceba então que a mentalidade jurídica tradicional (centralizadora, hierárquica, vertical, guiada pela escassez, formalista, arrogante, padronizada, conservadora...), que marcou o paradigma jurídico da sociedade analógica (pré-digital) está muito distante da Sociedade 5.0 em formação. Desta forma, perpetuar em sua vida profissional estes antigos paradigmas significa se distanciar do Direito 5.0, o que pode gerar grandes dificuldades em ser (ou se manter como) um profissional jurídico de destaque.
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