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Recuperação judicial da Aelbra (caso Ulbra)

A decisão proferida recentemente pelo TJ/RS, que admitiu o deferimento do processamento da recuperação judicial da mantenedora AELBRA, representa importante precedente, seja pela adequada interpretação do ordenamento jurídico, bem como em razão dos relevantes efeitos na preservação da atividade econômica e da salvaguarda dos interesses de dezenas de milhares de alunos e dos quase 4 mil trabalhadores.

16/12/2019

Em 13/12/19, a 6ª Câmara do TJ/RS proveu apelo para deferir o processamento da recuperação judicial da AELBRA, mantenedora das instituições de ensino, da qual se destaca a ULBRA. Trata-se de relevante precedente em matéria recuperacional, em linha semelhante à recente decisão do STJ (REsp 1.800.032 / MT), sobre recuperação judicial de produtor rural, reafirmando entendimento de que, para fins de comprovação do exercício regular, nos termos do art. 48, caput, da Lei de Recuperação de Empresas e Falência (LREF), não será considerada a data do registro como empresário, sendo necessária apenas a comprovação do efetivo exercício regular da atividade, ainda que não empresária,  por período superior a dois anos.  

O pedido de recuperação judicial foi distribuído em 6/5/19, com indicação de passivo sujeito ao procedimento recuperatório no montante de R$ 2.428.684.827,40, perante o juízo da 4ª Vara Cível do Foro da Comarca de Canoas, RS, o qual julgou extinto o feito por ausência de preenchimento dos pressupostos subjetivos para legitimar o devedor para o procedimento. De acordo com a sentença, apesar da AELBRA ter comprovado ser sociedade empresária e, portanto, poder socorrer-se do Instituto da Recuperação Judicial, nos termos do art. 1º da lei 11.101/05, não cumpriu com todos os requisitos do art. 48 da LREF, principalmente por não exercer atividade “empresária”, registrada como Sociedade Anônima, há mais de dois anos.

Não obstante o entendimento do juízo de primeiro grau, os desembargadores da 6ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grade do Sul, Niwton Carpes Da Silva (Relator), Luís Augusto Coelho Braga (Presidente) e Ney Wiedemann Neto votaram pelo provimento do apelo da sociedade mantenedora, registrada a divergência dos desembargadores Eliziana da Silveira Perez e Jorge Luiz Lopes do Canto. Assim, o processamento do pedido de recuperação judicial da AELBRA foi deferido, tendo sido reconhecido o cumprimento dos requisitos do art. 48 da LREF, em especial, a comprovação do exercício da atividade por prazo superior aos dois anos.

Os pontos que envolvem maior controvérsia sobre o pedido de recuperação judicial da AELBRA centram-se: a) Na aplicação das regras e, consequentemente, na utilização do Instituto da Recuperação Judicial, que de acordo com o art. 1º da LREF, é aplicável apenas aos empresários individuais e às sociedades empresárias; b) No cumprimento do prazo de 2 anos de exercício de atividade regular, previsto no caput do art. 48 da LREF.

No que se refere ao primeiro ponto, necessário ressaltar que desde sua constituição, no início dos anos 70, até meses antes do ajuizamento do pedido de Recuperação Judicial a AELBRA possuía registro e exercia sua atividade sob a forma de Associação Civil (AELBRA - Associação Educacional Luterana do Brasil), tendo sido promovida a transformação para AELBRA Educação Superior - Graduação e Pós-Graduação S.A., Sociedade Anônima de capital fechado. Assim, muito embora tenha sido constituída como associação, restou demonstrado que antes do ajuizamento do pedido de Recuperação Judicial registrou alteração perante a Junta Comercial como Sociedade Anônima. Nesse sentido, demonstrado o registro como sociedade empresária (arts. 967 e 983 do Código Civil), plenamente aplicável os Institutos disciplinados pela Lei de Recuperação de Empresas, nos termos do art. 1º do referido diploma legal.

Com relação à comprovação do exercício regular, observa-se que o caput do art. 48 da lei 11.101/05 prevê que “poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos”. Não se pode extrair de tal redação menção a contagem do prazo a partir do registro da atividade como empresária, apenas da comprovação da regularidade da atividade exercida. A exigência de exercício da atividade por tal lapso temporal mínimo justifica-se apenas para evitar eventual oportunismo de atividades recém-criadas que, com reserva mental, contraiam um endividamento expressivo visando valer-se de forma indevida dos benefícios da Recuperação Judicial. Ainda, imprescindível que a interpretação da norma considere os princípios basilares e o objetivo principal do Instituto de Recuperação Judicial, qual seja a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo a preservação da empresa, sua função social e estímulo à atividade econômica, nos termos do art. 47 da LREF.

No caso da AELBRA, restou demonstrado o exercício regular da atividade desde sua constituição no ano de 1970, através da promoção da educação em dezenas instituições de ensino, as quais possuem grande impacto e repercussão social, espalhadas por várias cidades e em 6 Estados do país. Portanto, ainda que o registro da transformação para Sociedade Anônima tenha ocorrido há poucos meses, para fins do cumprimento do prazo previsto no art. 48, caput, da LREF, basta a comprovação do exercício de atividade regular pelo período mínimo de dois anos.

A discussão vertida no caso da ULBRA, que se assemelha à controvérsia da legitimidade da Recuperação Judicial de Produtores Rurais, perdeu espaço na doutrina mais especializada. Embora sejam técnicos os fundamentos lançados por ambos os lados do debate, existe um argumento sobre o qual não se localiza contraponto razoável. Os credores que batalham pelo não deferimento do processamento da recuperação judicial normalmente alegam que contrataram com agente econômico submetido ao regime não-empresarial, de forma que buscam a manutenção deste alegado Direito. No entanto, o insucesso da atividade empresarial levaria à falência do empresário, sendo que os mesmos credores, por coerência, sustentam a submissão ao regime de insolvência. A impossibilidade de existir, ao mesmo tempo, dois regimes concursais torna inadmissível a posição oposta pelos credores.

Em suma, a decisão proferida recentemente pelo TJ/RS, que admitiu o deferimento do processamento da recuperação judicial da mantenedora AELBRA, representa importante precedente, seja pela adequada interpretação do ordenamento jurídico, bem como em razão dos relevantes efeitos na preservação da atividade econômica e da salvaguarda dos interesses de dezenas de milhares de alunos e dos quase  4 mil trabalhadores, além de representar um impactante avanço, evitando distanciar indevidamente o modelo recuperacional brasileiro, um dos mais restritivos do mundo para acessar procedimentos recuperatórios, ao de países mais abertos como Alemanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália, Portugal, dentre outros, que admitem de forma mais ampla a legitimação de devedores para acessar institutos de recuperação judicial e falência.

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*André Fernandes Estevez é doutor em Direito pela USP. Professor Adjunto de Direito Empresarial na PUCRS. Sócio do escritório Estevez Advogados 

*Diego Fernandes Estevez é mestre em Direito pela PUCRS. Sócio do escritório Estevez Advogados.

 

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