Aqueles que me conhecem sabem que timidez é uma característica que passa longe do meu espírito. E que muitas vezes não me limito a dar bom dia a cavalo, sou o próprio - para lembrar uma expressão que empreguei no texto Magistratura ajoelhada, de julho de 2009. Eita! Lá se vão dez anos desta vida breve, como diria o sábio espanhol Sêneca.
Apesar disso - e por isso mesmo! -, tenho me recolhido à minha insignificância, dada também a incapacidade de entender e sobretudo aceitar estes tempos de modernidade líquida, de cegueira moral e perda da sensibilidade (Zygmunt Bauman), de extremismos, enfim, nos quais importa - talvez não tão diferente de antes - mais o parecer que tem e que é do que efetivamente ter e ser; tempos em que amizade, gratidão, lealdade, respeito, consideração e honradez não resistem a poucos goles de álcool, a um "joinha" - falsamente dado ou recebido -, muito menos à oferta de um naco de poder ou um punhado de dinheiro.
Isso sem contar com o fato de que, nos dias que correm, aqueles que, como eu, não se prestam a - querer - enxergar apenas virtudes ou defeitos em certas pessoas e instituições são alcunhados de "isentões" e até ofendidos em ajuntamentos de seres de luz, únicos detentores de razão e bons propósitos.
Tenho optado, enfim, por tentar praticar os ensinamentos do filósofo Plutarco, para quem não se deve censurar a natureza por ter dado aos homens uma só boca e dois ouvidos (ver sobre a tagarelice). Tentei fazê-lo inclusive em relação aos textos que vez por outra publicava. Mas estes mesmos tempos líquidos me fizeram retornar. Não sem hesitar. Não sem um lamento profundo.
Semanas atrás, aprovou-se no Maranhão a elevação de alíquotas previdenciárias dos servidores públicos. Por razões óbvias, não desconheço que não é dado a nenhum ente federativo deixar de seguir os comandos da Constituição Federal, venha de que matiz político-ideológico vier o pacote de maldades. Logo, forçoso reconhecer que de fato não há como fugir da chamada nova Previdência, salvo, é claro, aqueles que, não raro, legislam em causa própria.
Ocorre que minha indignação é de outra ordem.
Ouvi e li muitas figuras ilustres a dizer que não havia escolha, que apenas se obedeceram às mudanças impostas no Planalto Central e que o Estado sofreria restrições diversas se assim não agisse. Nada a estranhar, até porque, ressalvadas aqui as sempre honrosas exceções, quem aluga a consciência não escolhe a hora de pensar.
Costumo dizer que não posso impedir que as pessoas me reputem estúpido, pois isso está na sua esfera do pensar. Mas não aceito calado quando agem conforme esse entendimento.
Daí porque não posso deixar de perguntar: como alguém se sujeita a obedecer com tanta pressa a uma norma que sempre reputou imoral, ilegal e que emagrece as contas dos servidores? Havia de fato urgência a justificar uma tramitação tão célere e sem que houvesse o tão cobrado - dos outros - diálogo com os interessados/atingidos?
Decerto que não! Basta que se vejam, com olhos abertos para a verdadeira verdade, os desdobramentos em nível nacional e até mesmo em outros estados, tanto de um extremo político-ideológico quanto de outro.
Nas buscas que fiz sobre o assunto, só encontrei uma voz, digo, uma pena a se insurgir. E, pasme quem me deu a honra de ler até aqui, de um advogado. Sim, um advogado, a quem ainda não tive a honra de conhecer pessoalmente: Dr. Abdon Marinho.
Em mais um corajoso texto, sua excelência consignou que "não se ouviu nenhum protesto. Nem mesmo dos 'valentes' representantes das categorias". E foi exatamente depois daquelas linhas que abandonei a hesitação e decidi dar azo à inquietude.
Não só adiro ao arguto escritor como acrescento ter chegado ao meu conhecimento que foi vedada - ou, para usar de um eufemismo, limitada - a entrada de representantes de classes no plenário da dita Casa do Povo. A democracia é mesmo linda! Mas depende do ângulo do sujeito que a divisa, pois não.
Como dizia minha saudosa avó, quem muito se abaixa. Deploro, muitíssimo, o silêncio dos bons.
Com todas as vênias e ressalvadas, por óbvio, as não poucas exceções, repita-se, penso que a soma de cegueira seletiva, ética flácida, coragens de conveniência, covardias abjetas, partidarismos, extremismos juvenis e vaidades vãs é que tem levado muitas de nossas autoridades públicas, inclusive as que sequer podem ter partido (nos vários sentidos da expressão), ao fundo do poço da falta de ética e de moral, da subserviência e da ausência de vergonha na cara.
Como o absurdo sempre dá crias, muitas ainda se jactam ao dizer que ecoam a tal voz rouca das ruas e alcançam com o rigor - quase sempre seletivo - de seus trajes formais os inimigos escolhidos sabe-se lá por quem - ou melhor, sabe-se aqui bem por quem. Pimenta nos olhos dos outros é refresco, não é mesmo? Para piorar, ainda vai piorar e muito!
Cá do meu canto, não consigo enxergar distinção entre aqueles que, de modo acrítico e pusilânime, se curvam frente a canhões e baionetas, e neles depositam suas esperanças, daqueles que se postam de joelhos diante da foice e do martelo; tampouco entre aqueles que taurina e cegamente buscam um pano rubro e os que se disfarçam em colorida plumagem e até na paleta de cores do arco-íris e do pavilhão nacional. Que dizer então dos que, ávidos por parecer o que não são e ocultar o que têm, gastam suas horas (Ah, de novo o mestre Sêneca) a tentar escamotear seus incontáveis e indizíveis segredos sob o manto negro das vestes talares esvoaçantes... E por aí vai.. E vice-versa.
Isso não me faz "isentão". Antes, o oposto.
Nem de longe a inteligência alheia me faz burro!
Sabe Deus o porvir!
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*Mário Márcio de Almeida Sousa é juiz de direito em São Luís do Maranhão.