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Da ação de sonegados por iniciativa do credor

Na prática, os bens sonegados devem ser restituídos ao espólio, a fim de se promover a sobrepartilha, excluindo os componentes da sobrepartilha, caso não reste comprovada a boa-fé.

9/12/2019

1.  Há pouco tempo me deparei com um caso em que o devedor havia recebido bens em um inventário extrajudicial, no entanto, grande parte dos bens do espólio, de direito do devedor, foram doados em vida pelo de cujus aos demais herdeiros, causando a diminuição patrimonial do devedor. Ou seja, o adiantamento de legítima foi sonegado.

2.  Em muitos casos como esse o credor se depara com a ausência ou insuficiência de bens do devedor que, das formas mais criativas, desvia ou compromete seus bens de modo a assegurar o não cumprimento de suas obrigações contratuais.

3.  Buscando reparar a diminuição patrimonial do devedor, a pouco enfrentada ação de sonegados parece o instrumento processual mais adequado à defesa dos interesses do credor.

4.  O interesse jurídico e patrimonial nos bens que deveriam fazer parte do acervo patrimonial do devedor é o que legitima a propositura da demanda pelo credor. Salvo melhor juízo, não se tem notícia do enfrentamento do tema pelos tribunais, mas, segundo entendimento do STJ, todo beneficiário dos bens do inventário é parte legítima para postular em ação de sonegados, estando equiparado ao credor do espólio.

5.  Esse entendimento reflete a redação do artigo 1.994, do Código Civil:

Art. 1.994 - A pena de sonegados só se pode requerer e impor em ação movida pelos herdeiros ou pelos credores da herança.

6.  O artigo, apesar da redação dar margem à interpretação, legitima exclusivamente o herdeiro como credor da herança, não havendo previsão que legitime o credor do herdeiro a demandar ação de sonegados de modo a combater a sua ardilosa diminuição patrimonial.

7.  Partindo do pressuposto lógico, evidente que o credor possui legitimidade e interesse jurídico no ajuizamento da demanda, principalmente pelo fato de a sonegação diminuir a expectativa de recebimento do seu crédito.

8.  Suponhamos que um imóvel foi doado em vida pelo de cujus para um de seus herdeiros, em adiantamento de legítima. Conforme redação do artigo 544 do Código Civil, a doação entre ascendentes e descendentes, importa em adiantamento do que lhes caberia por herança.

Art. 544 - A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro importa em adiantamento do que lhes cabe por herança.

9.  Segundo Silvio de Salvo Venosa: “Toda doação feita em vida pelo autor da herança a um de seus filhos presume-se como adiantamento de herança. Nossa lei impõe aos descendentes sucessíveis o dever de colacionar”1.

10.  Desse modo, com fundamento no artigo 2.002 do Código Civil, os descentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.

Art. 2.002 - Os descendentes que concorrem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam sob pena de sonegação.

11.  Sonegar é ocultar bens que deveriam ser levados à colação. No entender de Carlos Maximiliano, “sonegado é tudo aquilo que deveria entrar em partilha, porém foi ciente e conscientemente omitido na descrição de bens pelo inventariante, não restituído pelo mesmo ou por sucessor universal, ou doado a herdeiro e não trazido à colação pelo beneficiado com liberdade2.

12.  A sonegação de bens no inventário constitui infração civil que pode ser praticada tanto pelo inventariante, quanto pelos herdeiros.

13.  Da combinação dos artigos 1.992 e 1.993 do Código Civil resulta que arguidos de sonegação podem ser:

(I) o herdeiro que sonega bens da herança, não os descrevendo, quando em seu poder;

(II) o herdeiro que não denuncia a existência de bens do acervo, que, com ciência sua, se encontrem em poder de outrem;

(III) o herdeiro que deixa de conferir no inventário bens sujeitos à colação;

(IV) o inventariante que não inclui ou omite, nas declarações prestadas, efeitos pertencentes ao espólio.

14.  Assim, para o cabimento da ação de sonegação não é preciso que o sonegador negue a restituição dos bens, bastando que não os descreva, estando em seu poder, ou mesmo no de outrem, mas com sua ciência, como no caso dos autos.

15.  O pressuposto subjetivo é a existência de dolo. Ou seja, em princípio, não oculta, não sonega, quem não descreve no inventário determinado bem por esquecimento ou omissão decorrente de erro ou ignorância.

16.  Porém, no caso, os inventariantes declaram, peremptoriamente, após as últimas declarações no Item VIII, alínea ‘e’ do instrumento, inexistirem outros bens a inventariar, faz presumir haver malícia e, por conseguinte, a sonegação. Inclusive, o STJ entende ser uma das condições da ação:

Ementa: Direito Civil. Ação de sonegados. Últimas declarações. Inventariante. Declaração de não haver outros bens a inventariar. Inexistência. Condição da ação. Interesse processual. Falta de necessidade. Arts. 1784, CC/1916, 1996, CC/2002, e 994, CPC. Doutrina. Recurso desacolhido. I - A ação de sonegados deve ser intentada após as últimas declarações prestadas no inventário, no sentido de não haver mais bens a inventariar. II - Sem haver a declaração, no inventário, de não haver outros bens a inventariar, falta à ação de sonegados uma das condições, o interesse processual, em face da desnecessidade de utilização do procedimento. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 265.859/SP/ Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira/ Julgado em 20.03.2003/ Publicado no DJ em 07.04.2003, p. 290) (grifo nosso)

17.  O ato de sonegação existe in re ipsa, no próprio ato de sonegação, de presunção vencível.

18.  As penas tem caráter civil e consistem para o herdeiro na perda do direito sobre o bem sonegado (art. 1.992 do CC), que será devolvido ao monte e partilhado aos outros herdeiros como se o sonegador nunca tivesse existido.

19.  Quando o sonegador for inventariante e meeiro, como no caso, perderá também o direito ao bem sonegado, como se infere da combinação dos arts. 1.992 e 1.993 do CC.

20.  O ministro Ruy Rosado, no paradigma abaixo, já manifestou entendimento que quando não restar comprovado o dolo não será aplicada a pena de sonegado, mas apenas a SOBREPARTILHA.

Ementa: Sonegados. Sobrepartilha. Interpelação do herdeiro. Prova do dolo. - A ação de sonegados não tem como pressuposto a previa interpelação do herdeiro, nos autos do inventario. Se houver a arguição, a omissão ou a negativa do herdeiro caracterizara o dolo, admitida prova em contrário. - Inexistindo arguição nos autos do inventário, a prova do dolo deverá ser apurada durante a instrução. - Admitido o desvio de bens, mas negado o dolo, não e aplicável a pena de sonegados, mas os bens devem ser sobrepartilhados. Ação parcialmente procedente. - Recurso conhecido e provido em parte. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 163.195/SP/ Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 12.05.1998/ Publicado no DJ em 29.06.1998, p. 217). (grifo nosso)

21.  Evidente que a doação sonegada por parte dos que tinham conhecimento importará na diminuição da parte a que de direito do herdeiro/devedor, o que legitima o credor a propor a ação de sonegados.

22.  Podemos concluir que, na prática, os bens sonegados devem ser restituídos ao espólio, a fim de se promover a sobrepartilha, excluindo os componentes da sobrepartilha, caso não reste comprovada a boa-fé. 

______________

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

2 Direito das sucessões, v. III. 1543, p. 400.

______________

 

*Tulio Schlechta Portella é advogado.

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