Migalhas de Peso

Conceito de fontes do direito tributário e sua importância para o operador do direito

A presença de uma atividade humana (direta ou indireta) é sempre necessária para que o direito nasça, se desenvolva, se execute e, até mesmo, se desfaça.

28/11/2019

Na presente investigação nos propomos a realizar uma introdução na definição do conceito de “fontes do direito tributário” de forma analítica, analisando cada um dos seus termos. Ato seguinte, delinearemos sobre a importância da definição do referido conceito para o operador do direito tributário. Por fim, a partir das premissas iniciais, analisaremos a definição tradicional que entende como fontes do direito “a doutrina, a jurisprudência e lei”.

A definição do termo “fontes do direito” irá variar conforme a definição que se dê para o conceito de “direito”. 

Por ser um conceito vago e ambíguo, o termo “direito” assume diferentes definições entre os diferentes juristas, variando conforme a experiência e a ótica investigativa de cada um. Consequentemente, a definição de “fontes do direito” também assume diferentes definições. 

Eurico Heitor Consciência consegue identificar, regra geral, quatro sentidos distintos para conceituar “fontes do direito”: 1) sentido técnico jurídico, que se refere a maneira como as normas são produzidas; 2) sentido filosófico, que consiste no fundamento da obrigatoriedade das normas e textos normativos; 3) sociológico, que se refere a fatos que determinam o surgimento das normas jurídicas; e 4) sentido político, referente aos órgãos a partir dos quais são construídas as normas e elaborados os textos jurídicos1.  

Na presente empreitada, tomamos como premissa o conceito de “direito” como sendo “sistema de direito positivo”, isto é, um conjunto de normas jurídicas prescritivas de condutas humanas, postas em determinado tempo e espaço, sistematizadas em relações de hierarquia e coordenação, cuja sanção pelo seu descumprimento é institucionalizada pelo próprio aparelho do Estado.  

A partir desse conceito definido, a norma jurídica é tida como a unidade mínima do “sistema de direito positivo”. 

Isto posto, entendemos como “fonte” o "princípio, a origem, a causa2local de onde brota; nasce”3, em fim, o “ponto de nascimento” de algo. 

Sendo assim, o termo “fontes do direito” se refere aos pontos a partir dos quais se surgem as normas jurídicas do sistema de direito positivo. 

Partindo desses pressupostos, entendemos como mais coerente a definição de “fontes do direito” como os atos e eventos que, captados pela linguagem do direito positivo (rectius, previstos nos antecedentes de normas jurídicas já existentes), introduzem, através de outras normas, novas regras jurídicas no sistema jurídico

Expliquemos. 

O “sistema de direito” é um sistema “autorreferente”, isto é, possui normas jurídicas que prescrevem o procedimento para criação de outras normas jurídicas (normas secundárias; normas de produção normativa). Especificamente no direito brasileiro, se prescrevem “agentes competentes” e “procedimentos específicos” para a criação válida de novas normas jurídicas. 

Porém, apesar de ser “autorreferente”, o sistema jurídico não é “autossuficiente”, isto é, ele não é suficiente para, por si próprio, criar normas jurídicas. Noutras palavras, apesar de prescrever as maneiras pelas quais poderão ser criadas novas normas jurídicas, o sistema é incapaz de, per si, fazer nascer as referidas normas. O sistema não se reproduz por mitose, é necessário, sempre, um elemento externo ao próprio sistema. 

Isto porquê o “direito” (numa ótica sociológica) é produto cultural, ou seja, é produto da atividade de uma comunidade humana historicamente definida.  

Assim, a força motora do direito é, sempre, a atividade humana. A presença de uma atividade humana (direta ou indireta) é sempre necessária para que o direito nasça, se desenvolva, se execute e, até mesmo, se desfaça. Daí a já conhecida frase: o direito não cria direito. E, acrescentamos, uma frase corriqueira nos tribunais: “o processo (rectius, o direito) não tem pernas próprias”. 

Portanto, apesar de o “sistema de direito positivo” possuir normas que prescrevem os contornos pelos os quais as novas regras jurídicas serão introduzias no sistema (definindo agentes competentes e procedimentos a serem seguidos), a verdadeira fonte do direito será sempre o ato humano ou evento da natureza (direta ou indiretamente interligado a atos humanos). 

Mas, frisa-se, nem todo “ato humano ou evento” pode ser considerada como “fonte de normas jurídicas”. 

Como dito, o sistema de direito prescreve os contornos (agente e procedimento) que possibilitam a identificação/separação dos atos possíveis de produzir uma nova regra jurídica, e, portanto, ele próprio irá eleger os “atos e eventos” que terão aptidão para, através de outras normas (denominados “veículos introdutores”), introduzir novas regras no sistema de direito positivo. 

Daí que, na classificação supra exposta dEurico Heitor Consciêncianos coadunamos com a definição de “fontes do direito’ no sentido “sociológico, que se refere a fatos que determinam o surgimento das normas jurídicas”. 

Saber identificar a “fonte da norma jurídica” é importante para qualquer “ramo” do direito, inclusive tributário. Pois, uma vez que o próprio sistema define os contornos pelos os quais determinados “atos e eventos” serviram de “fontes de normas jurídicas”, é possível ao operador do direito controlar se houve (ou não) uma correta introdução das normas ao sistema de direito. 

Como exposto, o ordenamento jurídico sempre prescreve “agente competente” e ‘procedimento específico” para a introdução de normas jurídicas no sistema. Sendo assim, o operador do direito poderá averiguar, através da norma jurídica N¹ (veículo introdutor) que introduziu a norma jurídica N² (norma introduzida) no sistema, se de fato foram observadas as normas de produção normativa (normas secundárias) N³. 

Especificamente no “ramo do direito tributário” o estudo da “teoria das fontes” assume um papel de ainda maior relevo. Visto que um dos princípios magnos deste ramo é a “estrita legalidade”, o desenvolvimento do estudo das “fontes do direito” possibilita uma análise mais profunda da legalidade das relações tributárias; das relações entre o Estado-fisco e o contribuinte, especialmente os atos de lançamento tributário (criação de normas jurídicas tributárias em sentido estrito).

Assim, por exemplo, podemos dizer que a atividade realizada por uma autoridade fiscal no lançamento de um tributo é, por excelência, uma fonte do direito. 

Isto porque se trata de uma atividade humana externa ao sistema, realizada por uma pessoa que é dotada pelo próprio sistema de uma “competência jurídica” específica para, através de um conjunto de atos e eventos (um “procedimento específico”) prescritos pelo próprio sistema, introduzir novas normas jurídicas individuais e concretas (Norma N¹, relação jurídica tributária) através de uma outra norma jurídica introdutora de normas (Norma N², concreta e geral) denominada “lançamento tributário”.

Da mesma forma, quando o próprio contribuinte realiza tal procedimento, também sua atividade pode ser considerada como “fonte do direito tributário”. Haja vista que o próprio sistema, ao prescrever o “lançamento por homologação”, também define como tal.

Isto posto, passamos a enfrentar uma última questão: Os costumes, a doutrina, os princípios de direito, a jurisprudência e o fato jurídico tributário são fontes do direito?

A depender da ótica utilizada, do conceito de “direito” que se tome como premissa, todos esses conceitos podem, sim, ser considerados como “fontes do direito”. 

É opinião majoritária na doutrina no sentido de que “os costumes, a doutrina, os princípios do direito e a jurisprudência” (e até mesmo a lei) sejam verdadeiras fontes do direito.  

Ao que nos parece, tal entendimento parte de uma ótica de “fontes do direito” em um sentido filosófico, i. e., que toma como base a existência de um fundamento da obrigatoriedade das normas e textos normativos. 

Contudo, partindo do conceito de “direito” como sendo um “conjunto de normas jurídicas prescritivas de condutas humanas, postas em determinado tempo e espaço, sistematizadas em relações de hierarquia e coordenação” este não nos parece ser o entendimento mais adequado. 

Primeiro porque “direito não cria direito”. Assim, tendo em vista que os “princípios do direito” também são normas jurídicas, não é possível afirmar que os princípios sejam fontes do direito. Normas não dão origem a outras normas. Os princípios podem ser “fundamento de validade” das normas jurídicas, mas nunca serão fontes do direto; e tais conceitos não se confundem. 

Apesar de o sistema ser “autorreferente” (i. e., possuir normas jurídicas que prescrevem a respeito da produção normativa), o sistema não é “autossuficiente” na sua criação; não se reproduz por mitose ou bipartição. Noutras palavras, o sistema necessita de um elemento externo para sua reprodução, e, como produto cultural e sistema nomoempírico que é, tal elemento só pode ser um ato ou evento direta ou indiretamente relacionada a uma conduta humana. 

Sendo assim, a partir dessas premissas, também descartamos a possibilidade de que a “jurisprudência” ou o “fato jurídico” sejam fontes do direito, pois, apesar de serem atos indiretamente relacionada com uma atividade humana, são elementos internos ao sistema, e não externos. E, como dito, o “direito não cria direito”, norma não cria norma. 

Os costumes, por sua vez, são atividades humanas externas do sistema de direito positivo, e, assim sendo, possuem aptidão para ser fontes do direito, isto é, atos e eventos a partir dos quais a linguagem do sistema poderá captar e introduzir, através de outras normas, novas regras jurídicas no sistema de direito positivo

Porém, os costumes somente poderão ser considerados como “fontes” se o próprio sistema assim dispuser. Pois, como dito, o sistema é “autorreferente”, e, assim sendo, ele próprio prescreve os contornos de identificação das fontes (“agente competente” e ‘procedimento específico”) de suas normas.

Conclusão

Partindo da premissa de que o conceito de “direito” pode ser definido como um conjunto de normas jurídicas prescritivas de condutas humanas, postas em determinado tempo e espaço, sistematizadas em relações de hierarquia e coordenação, cuja sanção pelo seu descumprimento é institucionalizada pelo próprio aparelho do Estado, definimos “fontes do direito tributário” como sendo os pontos a partir dos quais se surgem as normas jurídicas tributárias que, através de outras normas jurídicas, serão introduzidas no sistema de direito positivo.

Partindo da premissa que o “direito” (numa ótica sociológica) é produto cultural, ou seja, é produto da atividade de uma comunidade humana historicamente definida entendemos que sua força motora do direito é, sempre, a atividade humana. A presença de uma atividade humana (direta ou indireta) é sempre necessária para que o direito nasça, se desenvolva, se execute e, até mesmo, se desfaça.

Contudo, nem todo “ato humano ou evento” pode ser considerado como “fonte de normas jurídicas”. O próprio sistema de direito prescreve os contornos (agente e procedimento) que possibilitam a identificação/separação dos atos possíveis de produzir uma nova regra jurídica, e, portanto, ele próprio irá eleger os “atos e eventos” que terão aptidão para, através de outras normas (denominados “veículos introdutores”), introduzir novas regras no sistema de direito positivo.

Portanto, “fontes do direito tributário” é conceito que se refere a “atos e eventos” elegidos pelo próprio legislador como pontos de nascimento de normas jurídicas tributárias, desde que captadas pela linguagem jurídica e introduzidas no sistema mediante os parâmetros definidos pelas “regras de produção normativa” desse mesmo sistema, que sempre prescrevem um “agente competente” (pessoa que é dotada pelo próprio sistema de uma “competência jurídica” específica) e um “procedimento a ser seguido” (conjunto de atos e eventos prescritos pelo próprio sistema).

___________

1 - CONSCIÊNCIA, Eurico Heitor. Breve introdução ao estudo do direito. Coimbra: Almedina, 1997, vol. 2, p. 7-8.

2 - Fonte: Clique aqui.

3 - Fonte: Clique aqui.

__________

*Igor Gustavo Silva Nelo é advogado e pós-graduando em direito tributário pelo Ibet - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Regulação do uso de IA no Judiciário: O que vem pela frente?

10/12/2024

Devido processo legal na execução trabalhista: Possíveis desdobramentos do Tema 1232 da repercussão geral do STF

9/12/2024

Cláusula break-up fee: Definição, natureza jurídica e sua aplicação nas operações societárias

9/12/2024

O que os advogados podem ganhar ao antecipar o valor de condenação do cliente?

10/12/2024

Insegurança jurídica pela relativização da coisa julgada

10/12/2024