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O tema da supressão de garantias na recuperação judicial é marcado por incertezas

Em razão da obrigação legal do STJ em tornar a jurisprudência estável, íntegra e coerente com todo o microssistema de direito das insolvências, espera-se que a segunda seção da referida Corte, no julgamento “afetado” do REsp 1.797.924/MT, solucione a controvérsia da supressão de garantia de modo a equacionar os princípios entre credores e devedores na recuperação judicial, e não sufragar seus direitos e garantias.

22/11/2019

A questão envolvendo a supressão das garantias de credores na recuperação judicial foi “afetada” à segunda seção do STJ por meio do julgamento 1.797.924/MT de relatoria da ministra Nancy Andrighi.

A discussão gira em torno de saber se a previsão de liberação de todas as garantias fidejussórias e reais, no plano de recuperação judicial, devidamente aprovado pela assembleia geral de credores, poderia ser restringida pelo juiz, quando de sua homologação, apenas aos credores que expressamente consentiram com tal disposição.

O parágrafo primeiro do artigo 50 da lei de recuperação judicial e falências é expresso em dizer que, na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia somente será admitida caso haja expressa autorização de seu titular.

Contudo, o STJ, no julgamento do REsp 1.700.487/MT, no diálogo entre o princípio da preservação das garantias x o princípio da preservação da empresa, ponderou que todos os credores devem se sujeitar à cláusula do plano que prevê a exoneração das garantias, com intuito de “viabilizar a sua consecução”, mesmo que estes não tenham anuído neste sentido.

Segundo a corte superior, no voto vencedor proferido pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, se os credores reunidos em assembleia, consideraram necessário para a consecução do plano de recuperação judicial suprimir as garantias reais dadas, não há como submeter à minoria, os sacrifícios suportados pela maioria.

Isto porque, a novação e eventual “extinção das obrigações”, só estaria condicionada ao cumprimento efetivo do plano de recuperação judicial homologado, de modo que não implementada a condição, o credor terá reconstituído todos os seus direitos e garantias contratados originalmente (art. 61, §2º, da lei  11.101/05).

Divergindo deste entendimento, há o voto proferido pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que chegou a afirmar o seguinte: “O cenário de incerteza quanto ao recebimento do crédito em decorrência do enfraquecimento das garantias é desastroso para a economia do país, pois gera o encarecimento e a retração da concessão de crédito, o aumento do spread bancário, a redução da circulação de riqueza, provoca a desconfiança dos aplicadores de capitais, nacionais e estrangeiros, além de ser nitidamente conflitante com o espírito da lei  11.101/05”.

O tema está longe de ser controverso e novo perante o STJ. Em setembro de 2016, no julgamento do REsp 1.532.943, em acórdão também relatado pelo min. Marco Aurélio Bellizze, a terceira turma entendeu pela possibilidade de sufragar a garantia reais dos credores, caso haja aprovação da maioria pela assembleia1.

Para se dar conta do tamanho da controvérsia, não apenas os ministros do STJ divergem sobre a matéria, mas as cortes estaduais também apresentam posições díspares da corte superior.

No julgamento do AI 2076299-23.2019.8.26.0000, o TJ/SP ponderou da seguinte maneira: “(...) deliberação majoritária sobre a afetação das garantias pela recuperação que é contra legem e não pode ser objeto do plano, somente podendo ser tal solução alcançada mediante concordância específica do credor interessado (súmula  61 do TJSP). (...) demais, o entendimento consignado no  REsp 1.700.487-MT, citado pelos agravantes, não é unânime na terceira turma do STJ, e ainda não teve seu julgamento encerrado, tratando-se, outrossim, de entendimento inda isolado, proferido em recurso não submetido ao rito de julgamento dos recursos repetitivos, não indicando sequer modificação da jurisprudência sedimentada acerca da matéria já sumulada pelo próprio STJ2.

Em consonância com a discussão engendrada no Poder Judiciário brasileiro, é importante mencionar sobre o novo projeto de lei da recuperação judicial, que recentemente ganhou uma nova proposta de texto substitutivo no senado federal3.

Pelo referido texto substitutivo, os credores também poderão apresentar um plano de recuperação judicial ao devedor, desde que haja a: “isenção das garantias pessoais prestadas pelos sócios em relação aos créditos a serem novados”.

Comentando a referida alteração, os autores Márcio Calil e Antônio Aires, em artigo recente para o Valor, apontaram que tal mudança possui como consequência prática a “elevação do custo do capital e retração da oferta de crédito, na medida em que será descumprido o que foi contratado (crédito com garantia pessoal de sócio4.

Nesta mesma linha de raciocínio, entendemos que o diálogo entre o princípio da preservação da empresa e o princípio da preservação das garantias, conforme asseverado pelo próprio STJ, não pode sufragar por completo todas e quaisquer garantais prestadas pelos credores, mesmo sem expressa anuência destes.

Agindo de tal maneira, certamente, o Poder Judiciário brasileiro não harmonizará os dois princípios, mas somente afastará um em subserviência ao outro, o que contraria os ditames da lei de recuperação judicial.

Este cenário marcado de incertezas, só tende a aumentar a insegurança jurídica, porquanto a concessão de crédito depende expectativa real de seu recebimento.

Assim, em razão da obrigação legal do STJ em tornar a jurisprudência estável, íntegra e coerente com todo o microssistema de direito das insolvências, espera-se que a segunda seção da referida Corte, no julgamento “afetado” do REsp 1.797.924/MT, solucione a controvérsia da supressão de garantia de modo a equacionar os princípios entre credores e devedores na recuperação judicial, e não sufragar seus direitos e garantias.

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1 Naquela ocasião, grandes nomes do Direito, como o Prof. Cássio Cavalli em artigo intitulado “O fim das garantias na recuperação judicial”, manifestaram fortes críticas ao pensionamento do STJ. Para ver mais sobre o tema: CAVALLI, Cássio.  É também curioso notar, que na ocasião do REsp 1.532.943, julgado em 13.09.16, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva divergiu de sua posição constante no REsp 1.700.487/MT, julgado em 26.04.19.

2 TJ-SP - AI: 20762992320198260000 SP 2076299-23.2019.8.26.0000, Relator: Vicentini Barroso, Data de Julgamento: 09/08/19, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/08/19.

4ASSIMPÇÃO, Márcio C. e AIRES, Antônio. In: A importância do aval na garantia do crédito. clique aqui. Acesso em 11 de novembro de 2019.

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*Vitor Gomes Rodrigues de Mello é advogado e especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito.

 

 

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