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Opinião legal - Prisão em 2ª Instância

Se o Congresso Nacional aprovar a execução de sentença a partir da decisão de 2ª. instância em matéria penal, por 6 votos a 5, a Suprema Corte confirmará sua constitucionalidade.

22/11/2019

Consulta 

Consulta-me, a eminente deputada Carla Zambelli, se os artigos 617-A e 637 do PL Anticrime apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública estariam em conflito com a decisão do STF, que, nas ADC 43, 44 e 45, decidiu que apenas, após o esgotamento de todas as possibilidades de recurso (trânsito em julgado), é possível o início do cumprimento da pena.

Resposta

Em face da urgência do pedido, responderei a questão única formulada, em breve opinião legal.

Não pretendo, na presente resposta, firmar juízo de valor sobre as duas correntes, que se digladiaram no referido julgamento, cujo acórdão ainda não foi publicado, tendo a tese vencedora mencionada pela ilustre deputada prevalecido por 6 votos a 5.

Responderei, exclusivamente, a questão à luz do que disseram os preclaros magistrados da última Instância para, a partir de sua opinião, presumir o futuro resultado.

Estão os referidos artigos citados na consulta assim redigidos:

“Art. 617 Ao proferir acórdão condenatório, o tribunal determinará a execução provisória das penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou pecuniárias, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos.

§ 1º O tribunal poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas se houver uma questão constitucional ou legal relevante, cuja resolução por Tribunal Superior possa plausivelmente levar à revisão da condenação

§ 2º Caberá ao relator comunicar o resultado ao juiz competente, sempre que possível de forma eletrônica, com cópia do voto e expressa menção à pena aplicada".

“Art. 637 O recurso extraordinário e o recurso especial interpostos contra acórdão condenatório não terão efeito suspensivo.

§ 1º Excepcionalmente, poderão o STF e o STJ atribuir efeito suspensivo ao recurso extraordinário e ao recurso especial, quando verificado cumulativamente que o recurso:

I. não tem propósito meramente protelatório e

II. levanta uma questão de direito federal ou constitucional relevante, com repercussão geral e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou alteração do regime de cumprimento da pena para o aberto

§ 2º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente no recurso ou através de petição em separado, dirigida diretamente ao Relator do recurso no Tribunal Superior e deverá conter cópias do acórdão impugnado, do recurso e de suas razões, das contrarrazões da parte contrária, de prova de sua tempestividade e das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia."

Por outro lado, o site de comunicação da Suprema Corte noticiou o seguinte, concluído o julgamento das referidas ações declaratórias:

“STF decide que cumprimento da pena deve começar após esgotamento de recursos

A decisão não afasta a possibilidade de prisão antes do trânsito em julgado desde que sejam preenchidos os requisitos do CPP para a prisão preventiva.

Por maioria, o Plenário do STF decidiu que é constitucional a regra do CPP que prevê o esgotamento de todas as possibilidades de recurso (trânsito em julgado da condenação) para o início do cumprimento da pena. Nesta quinta-feira (7), a Corte concluiu o julgamento das ADC 43, 44 e 54, que foram julgadas procedentes.

Votaram a favor desse entendimento os ministros Marco Aurélio (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, presidente do STF. Para a corrente vencedora, o artigo 283 do CPP, segundo o qual “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”, está de acordo com o princípio da presunção de inocência, garantia prevista no artigo 5º, inciso LVII, da CF. Ficaram vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que entendiam que a execução da pena após a condenação em segunda instância não viola o princípio da presunção de inocência.

A decisão não veda a prisão antes do esgotamento dos recursos, mas estabelece a necessidade de que a situação do réu seja individualizada, com a demonstração da existência dos requisitos para a prisão preventiva previstos no artigo 312 do CPP – para a garantia da ordem pública e econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

O julgamento das ADCs foi iniciado em 17/10 com a leitura do relatório do ministro Marco Aurélio e retomado em 23/10, com as manifestações das partes, o voto do relator e os votos dos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Na sessão de 24/10, o julgamento prosseguiu com os votos dos ministros Rosa Weber, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski. Na sessão de hoje, proferiram seus votos a ministra Cármen Lúcia e os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli.

Ministra Cármen Lúcia

A ministra aderiu à divergência aberta na sessão de 23/10 pelo ministro Alexandre de Moraes, ao afirmar que a possibilidade da execução da pena com o encerramento do julgamento nas instâncias ordinárias não atinge o princípio da presunção de inocência. Segundo ela, o inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal deve ser interpretado em harmonia com os demais dispositivos constitucionais que tratam da prisão, como os incisos LIV (devido processo legal) e LXI (prisão em flagrante delito ou por ordem escrita).

A eficácia do direito penal, na compreensão da ministra, se dá em razão da certeza do cumprimento das penas. Sem essa certeza, “o que impera é a crença da impunidade”. A eficácia do sistema criminal, no entanto, deve resguardar “a imprescindibilidade do devido processo legal e a insuperável observância do princípio do contraditório e das garantias da defesa”.

Ministro Gilmar Mendes

Em voto pela constitucionalidade do artigo 283 do CPP, o ministro Gilmar Mendes afirmou que, após a decisão do STF, em 2016, que passou a autorizar a execução da pena antes do trânsito em julgado, os tribunais passaram a entender que o procedimento seria automático e obrigatório. Segundo o ministro, a decretação automática da prisão sem que haja a devida especificação e individualização do caso concreto é uma distorção do que foi julgado pelo STF.

Para Mendes, a execução antecipada da pena sem a demonstração dos requisitos para a prisão viola o princípio constitucional da não culpabilidade. Ele salientou que, nos últimos anos, o Congresso Nacional aprovou alterações no CPP com o objetivo de adequar seu texto aos princípios da Constituição de 1988, entre eles o da presunção de inocência.

Ministro Celso de Mello

Ao acompanhar o relator, o ministro afirmou que nenhum juiz do STF discorda da necessidade de repudiar e reprimir todas as modalidades de crime praticadas por agentes públicos e empresários delinquentes. Por isso, considera infundada a interpretação de que a defesa do princípio da presunção de inocência pode obstruir as atividades investigatórias e persecutórias do Estado. Segundo ele, a repressão a crimes não pode desrespeitar e transgredir a ordem jurídica e os direitos e garantias fundamentais dos investigados. O decano destacou ainda que a Constituição não pode se submeter à vontade dos poderes constituídos nem o Poder Judiciário embasar suas decisões no clamor público.

O ministro ressaltou que sua posição em favor do trânsito em julgado da sentença condenatória é a mesma há 30 anos, desde que passou a integrar o STF. Ressaltou ainda que a exigência do trânsito em julgado não impede a decretação da prisão cautelar em suas diversas modalidades.

Leia a íntegra do voto do ministro Celso de Mello.

Ministro Dias Toffoli

Último a votar, o presidente do STF explicou que o julgamento diz respeito a uma análise abstrata da constitucionalidade do artigo 283 do CPP, sem relação direta com nenhum caso concreto. Para Toffoli, a prisão com fundamento unicamente em condenação penal só pode ser decretada após esgotadas todas as possibilidades de recurso. Esse entendimento, explicou, decorre da opção expressa do legislador e se mostra compatível com o princípio constitucional da presunção de inocência. Segundo ele, o Parlamento tem autonomia para alterar esse dispositivo e definir o momento da prisão. (grifos nossos)

Para o ministro, a única exceção é a sentença proferida pelo Tribunal do Júri, que, de acordo com a Constituição, é soberano em suas decisões. Toffoli ressaltou ainda que a exigência do trânsito em julgado não levará à impunidade, pois o sistema judicial tem mecanismos para coibir abusos nos recursos com a finalidade única de obter a prescrição da pena”.

Desta forma, o STF, por seis votos a cinco, ao decidir que não poderia haver prisão, em execução de sentença, senão após o trânsito em julgado, privilegiando o disposto no artigo 5º, inciso LVII,  da lei Suprema, teve, no pronunciamento do ministro Toffoli - que reiterou seus posicionamentos anteriores a favor da tese vencedora -, o voto de desempate. Está o referido dispositivo constitucional assim redigido:

“Art. 5º .....

inciso LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; ....”.

A meu ver, a justificação de S. Exa. levou tranquilidade ao Poder Legislativo Federal, na medida em que declarou que o referido inciso do Artigo 5º não é uma cláusula pétrea, visto que o CPP, em seu artigo 283, permite prisões independentemente de a decisão judicial ser de qualquer Instância. Tem, o artigo 283, a seguinte dicção atual:

“Art283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

Em sua fundamentação, fez questão de realçar que são inúmeras as prisões sem trânsito em julgado permitidas, como preventiva, provisória, cautelar, civil e até mesmo administrativa, sem intervenção do Judiciário, como é o caso daquelas de membros das Forças Armadas.

A sinalização do ministro Toffoli - em julgamento que foi acompanhado pela esmagadora maioria da população brasileira -, deve ser mantida nestes 2 próximos anos, pois que até a aposentadoria do ministro Celso de Mello, prevista para fins de 2020, a composição do Pretório Excelso, será a mesma. Minha convicção de que, dificilmente, qualquer dos ministro alterará sua posição, decorre do fato de que as referidas ações de controle concentrado vinham sendo amplamente discutidas em Universidades, congressos, livros e artigos de juristas, levando cada ministro a um cuidadoso exame dos fundamentos de sua interpretação. Eu mesmo coordenei livro intitulado “A importância do Direito de Defesa para a Democracia e a Cidadania”, com Marcos da Costa, tendo a colaboração dos seguintes autores:  Marcos da Costa, Cláudio Lamachia, José Bernardo Cabral, Antonio Claudio Mariz de Oliveira, René Dotti, Luiz Flávio Borges D’Urso, Arnoldo Wald, Américo Masset Lacombe, Alberto Toron, Samantha Meyer-Pflug Marques, Ruy Altenfelder, Regina Beatriz Tavares da Silva, Tales Castelo Branco, Kiyoshi Harada, Dirceo Torrecilhas, Marilene Talarico Martins Rodrigues, Lenio Streck, Angela Vidal da Silva Martins, Ana Regina Campos de Sica, Maurício Prazak, Leonardo Garbin, Pierpaolo Bottini, Marco Aurélio Florêncio Filho, Juliana Abrusio, Cristiano Maronna, Elias Assad, Carmen Sílvia Valio, Fernanda Marinela, Tatiany Ramalho, Fábio Simantob, Roberta Amorim Dutra, Ricardo Breier, Ricardo Luiz de Toledo Santos Filho e eu mesmo, em que o tema foi amplamente debatido.

Ora, no momento em que o julgamento -o mais acompanhado da história do Brasil-  realizou-se, cada um dos supremos julgadores trouxe sua refletida e definitiva opinião sobre a matéria, razão pela qual a possibilidade de alteração de seu posicionamento é praticamente nenhuma.

Nada obstante, o apaixonado debate entre doutrinadores e juízes a respeito do tema, quero lembrar dois aspectos que me parecem de particular relevância.

O primeiro deles é que as duas teses jurídicas em questão são consistentes.

A primeira, de que o trânsito em julgado implica a presunção de inocência até que esse evento ocorra, tem seus seguidores, à luz de um argumento, além de outros, de fácil compreensão até por não operadores do direito. Como alguém inocente, enquanto não transita em julgado uma decisão condenatória, pode cumprir a execução de pena, nesta condição? Como um inocente pode ser preso, como culpado, sendo ainda inocente?

A tese contrária também se justifica, à luz de três fundamentos, entre outros, igualmente de fácil compreensão para leigos, ou seja: 1) a possibilidade de recorrer-se a quatro instâncias (1ª., 2ª., STJ e STF)  leva muitos processos à prescrição da pena pela lentidão da justiça; 2) nas duas primeiras instâncias é que se discute toda a matéria fática; 3) os tribunais superiores (STJ e STF) só reexaminam questões jurídicas e não mais matéria de fato, salvo fatos novos, relacionada aos processos, com o que o reexame não impediria a aplicação da pena pela última instância em que toda a matéria fática pode e deve ser reexaminada.

À evidência, nas duas correntes há inúmeros outros componentes que eu poderia abordar, mas para efeitos desta breve opinião legal e de sua compreensão, principalmente, para pessoas não formadas em direito, apresentei aqueles de maior facilidade na compreensão.

Hart, em seu famoso livro “The concept of Law” em 1961 (Ed.  Clarendon) declara que “direito é aquilo que a Suprema Corte diz que é”, pois, a segurança jurídica só se obtém pela certeza da decisão judicial na aplicação da lei. E, no controle concentrado (ações diretas, declaratórias, de descumprimento de preceito fundamental ou repercussão geral) a decisão tem efeito impositivo sobre as Instâncias inferiores e sobre a administração pública em geral.

Compreende-se, pois, que, em face da harmonia e independência de Poderes, estabelecidas no artigo 2º da Carta da República, a segurança é proposta pelo Legislativo e, nos casos expressos previstos na lei suprema, pelo Executivo, mas a certeza é determinada pelo Judiciário.

Ora, nesta linha, o último voto do ministro Toffoli abriu indiscutível espaço para a presunção de legalidade de eventual explicitação legislativa, ao declarar, por 6 votos a 5 que o “trânsito em julgado” não é cláusula pétrea, para efeitos de prisão de condenados em 2ª instância.

Quando das conversas com os amigos e constituintes Bernardo Cabral, Ulisses Guimarães e Roberto Campos, assim como com os ministros Moreira Alves, Sydney Sanches e Francisco Rezek da Máxima Corte, à época da Constituinte –na oportunidade, escrevi pequeno livro para 66 constituintes intitulado “Roteiro para uma Constituição”, veiculado pela Editora Forense- defendia a tese de que os Tribunais Superiores deveriam ter a função de dar estabilidade às instituições, cabendo às instâncias inferiores fazer justiça. É o que ocorre com a Suprema Corte dos Estados Unidos e com os Tribunais Constitucionais dos regimes parlamentares europeus.

Creio que o Pretório Excelso ganharia em relevância perante a nação e deixaria de ser objeto de manifestações populares, em que o debate ideológico se faz presente, se sua competência fosse semelhante àquela da maioria dos países em que a democracia não sofreu ruptura depois da 2ª. Guerra, ou seja, exclusivamente constitucional. Foi o que propugnei, naquele opúsculo de 1987.

Pessoalmente, entendo, ao concluir esta breve opinião legal, que se o Congresso Nacional aprovar a execução de sentença a partir da decisão de 2ª. instância em matéria penal, por 6 votos a 5, a Suprema Corte confirmará sua constitucionalidade.

É minha opinião, salvo melhor juízo.

_________

*Ives Gandra da Silva Martinsda Advocacia Gandra Martins, é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UNIFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região; presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio SP e fundador e presidente honorário do Centro de Extensão Universitária (CEU)/Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS). 

 

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