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Mudança de regras para pagamento dos precatórios complementares no TJ/SP penaliza credores

Sensato seria ao menos, que se criasse uma ordem cronológica paralela e específica para o pagamento dos precatórios complementares, reservando, para essa finalidade, um percentual da verba mensal destinada à satisfação dos precatórios em geral, minimizando, de algum modo, o prejuízo de quem não teve satisfeito o seu crédito com a anterioridade determinada pela lei.

11/11/2019

A angústia dos credores de Precatórios do Poder Público parece não ter fim. Não bastassem as diversas moratórias constitucionais instituídas a partir da Constituição Federal de 1988, surge a EC 99/17, permitindo que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que estivessem em mora na data de 25 de março de 2015, quitassem seus débitos até 31 de dezembro de 2024, subvertendo, assim, a modulação temporal da decisão do Supremo Tribunal Federal - STF, em relação à declaração parcial de inconstitucionalidade da EC 62/09 nas ADIns 4425 e 4357, que determinou o pagamento dos Precatórios desses entes públicos até o ano de 2020.

Agora, aproxima-se uma nova moratória, já aprovada pelo Plenário da Câmara (PEC 95/19 de autoria do Senador José Serra), com o objetivo de estender aquele prazo para 31 de dezembro de 2028.

Ainda que tenha sido aprovado o substitutivo de autoria do Senador Antonio Anastasia, que restringiu a prorrogação da moratória aos precatórios expedidos em favor de pessoas jurídicas, ou seja, não atingindo as pessoas físicas, denota-se o descaso com os cidadãos que, muitas vezes, foram privados de sua única fonte de renda, como é o caso daqueles que possuíam fundo de comércio no imóvel expropriado.

Em paralelo a esses acontecimentos, o STF tem afastado a incidência de juros moratórios e compensatórios nessas dívidas públicas, inclusive relativizando a coisa julgada nos casos em que havia sido assegurado aos credores o recebimento desses juros, com a aplicação retroativa dos novos entendimentos firmados pela Corte, tais como o da Repercussão Geral reconhecida no julgamento do RE n° 590.751/SP, e o da Súmula Vinculante 17, que afastou a incidência de juros de mora entre a data de expedição do Precatório e a data do término do prazo constitucionalmente estabelecido para seu pagamento.

Em meio a esse cenário de insegurança jurídica para os credores de precatórios, outro obstáculo surge, agora, no estado de São Paulo, desta vez por determinação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

Como se sabe, os precatórios devem respeitar uma ordem cronológica de pagamento, na qual estão inseridos os créditos preferenciais, com prioridade de atendimento (Ex: créditos de natureza alimentar).

Na atual sistemática, quem gere os pagamentos é a Diretoria de Execuções de Precatórios e Cálculos do TJ/SP (DEPRE), que processa o precatório, após o peticionamento eletrônico pelo advogado do jurisdicionado e deferimento pelo juízo da execução, ganhando um número único, na correspondente ordem cronológica. Porém, nem sempre foi assim.

Antigamente, feita a requisição, com a atribuição também de um número na ordem cronológica, o próprio ente devedor, em atendimento, realizava o depósito em conta vinculada aos autos do juízo da execução (e não em conta gerida pela DEPRE). Ocorre que, muitas vezes, esse depósito era feito a menor, em decorrência da utilização de critérios de cálculos equivocados por parte do Poder Público, ou, até mesmo, pela falta total de atualização do valor requisitado.

Esse fato gerava nova discussão que percorria TODAS as instâncias do Judiciário, levando ANOS, quando não, décadas, para ser dirimida, até que, finalmente, restava pacificada com o trânsito em julgado da decisão proferida no juízo da execução.

Óbvio que, nesse meio tempo, a fila dos precatórios andava, e aquele credor, cuja requisição havia sido atendida de forma apenas parcial, tinha o direito de manter seu lugar na ordem cronológica que lhe foi assegurada, expedindo-se, assim, o chamado PRECATÓRIO COMPLEMENTAR para imediato pagamento da diferença devida pelo Poder Público, como de direito e justiça.

Afinal, vige ainda o preceito insculpido no art. 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal, impondo que o pagamento da indenização por desapropriação seja feito de forma justa e prévia.

Agora, imagine a injustiça que atingirá o credor, que aguardou décadas entre o início do processo de desapropriação e a chegada de sua vez na fila dos precatórios, tendo que voltar ao início da fila para receber a diferença de indenização que lhe tenha sido paga a menor?

Pois é exatamente isso o que decidiu o CNJ no Pedido de Providências 0003340-15.209.2.00.0000, ao determinar que o TJ/SP posicione o precatório COMPLEMENTAR, seja de pessoa física, seja de pessoa jurídica, na ordem cronológica, como um NOVO precatório, sem nenhuma vinculação à data de apresentação do precatório primitivo, pago de forma apenas parcial.

Trata-se, ao que parece, de medida equivocada, visto que penaliza o credor de boa-fé e privilegia o devedor de má-fé.

Ainda que se observe a atual sistemática de pagamento, em que os depósitos feitos pelo devedor público são administrados pela Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo que, através da DEPRE, realiza o depósito em conta judicial vinculada à ordem de pagamento, não é incomum que esse próprio órgão (DEPRE), ao elaborar o cálculo de atualização, deixe, também, de observar eventuais acordos anteriormente formalizados nos autos da execução, parâmetros de decisões transitadas em julgado e, até mesmo, faça uso de critérios de cálculos equivocados, a despeito de informar ao juízo da execução que o débito exequendo está sendo pago de forma “integral”.

Portanto, ao contrário do que acaba de decidir o CNJ, a proibição de expedição de precatório complementar vinculado à data de apresentação do precatório primitivo, não se harmoniza com o postulado constitucional que assegura ao credor o pagamento PRÉVIO e JUSTO da indenização que lhe for devida.

Há que se permitir, ao beneficiário do crédito, o direito de obter, de imediato, com respeito à ordem orçamentária do precatório pago de forma incompleta ou incorreta, a complementação do pagamento, sem sujeitar-se a nova “via crucis” para receber o que, com anterioridade, já lhe era devido.

Se o credor já aguardou, anos a fio, sua vez na ordem cronológica que lhe foi assegurada, e se o pagamento, por equívoco, por mero capricho, ou até mesmo má-fé da entidade devedora, foi efetuado de modo incompleto, não tem cabimento, e depõe contra todos os princípios de direito e de justiça, colocá-lo numa NOVA e infindável lista de pagamento, ou, mais, especificamente, “no final da fila” para receber a complementação de seu crédito que, à luz da Constituição Federal, tinha de ser pago de forma “prévia e justa”.

Abre-se, com certeza, perigoso precedente em detrimento, mais uma vez, da parte fragilizada (o credor), permitindo-se à entidade devedora, para fazer “andar a fila”, depositar um valor qualquer, jogando para cima do credor a responsabilidade de comprovar a existência de diferenças a pagar, e, além de tudo, entrar de novo na fila de pagamento.

Sensato seria ao menos, que se criasse uma ordem cronológica paralela e específica para o pagamento dos precatórios complementares, reservando, para essa finalidade, um percentual da verba mensal destinada à satisfação dos precatórios em geral, minimizando, de algum modo, o prejuízo de quem não teve satisfeito o seu crédito com a anterioridade determinada pela lei.

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*José Nelson Lopes e Rodrigo Marcos Antonio Rodrigues são advogados atuantes no escritório Lopes & Lopes – Advogados Associados.

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