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Transcendência e os julgamentos no TST

É constitucional e está propriamente descrito nos artigos 6º, 7º e 8º da Constituição da República, aquela chamada de CIDADÃ porque trouxe esses direitos ao nível máximo jurídico da dignidade humana, e o que é constitucional tem transcendência.

12/11/2019

I – Introdução

 O que é transcendência, requisito exigido pela lei 13.467/17 para a apreciação do recurso de revista no TST?

É preciso buscar  o conceito de transcendência na filosofia pois tem essa palavra origem no latim “trancendere” , que significa ultrapassar, conceituando-se em reflexões no sentido da existência do mundo e da vida humana.

 Esclarece Pedro Menezes, professor de filosofia, em “significados.com.br/transcendência” que,

“O ser humano, na busca por sua imortalidade, procura explicações para a vida que vão além da realidade material em que vive e que consegue compreender com os sentidos.

Sabemos que existe o mundo material porque vivemos nele e o experimentamos com nossos sentidos. Por outro lado, o que é do mundo espiritual e imaterial não pode ser comprovado científica e empiricamente.

A transcendência seria, então, um caminho para a conexão com o divino, a projeção do ser humano para uma dimensão espiritual, onde podem ser encontradas as respostas para as profundas questões humanas”.

Transcender é um verbo transitivo e intransitivo que significa se elevar acima do vulgar, se superar, ir além de ou ultrapassar alguma coisa e está associado ao fato de atravessar algum tipo de limite, seja físico ou simbólico, algo que estaria relacionado mais além do mundo natural.

Certamente que , ao meu ver, não seria a nomenclatura a ser definida como um requisito de recurso especial da Justiça do Trabalho, como se estivéssemos tratando de uma repercussão geral no STF, pois é evidente e decorre de um entendimento que vem desde a Grécia antiga, de que transcender é alcançar, de uma maneira ou de outra, algo que está fora dos limites que impõe o corpo.

Mas a verdade é que , com uma característica que nada tem a ver com seu significado, foi inserida  a transcendência no artigo 896 – A da CLT, mediante lei 13.467/17, sendo o requisito básico para a apreciação do recurso de revista na Justiça do Trabalho.

Passou o legislador a exigir, além das exigências legais já inseridas no texto do referido artigo 896 da CLT, que o recurso de revista tenha transcendência, não efetivamente com o significado de sua origem, mas evidenciando que a matéria em discussão no recurso ultrapasse  os interesses individuais do processo sendo um tema que tenha interesse geral para a sociedade, regulamentando-se seu cabimento por indicadores econômicos, políticos, sociais ou jurídicos.

A transcendência na Justiça do Trabalho teve como seu idealizador o ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho o qual, em seu artigo “O Princípio da Transcendência em Processo Trabalhista (https:www.planalto.gov.br/ccivil-03/revista-29/artigos/artigos/Art-Ives.htm>.Acesso em 2012.2009) assim dispõe:

“De início, recoloca a Justiça do trabalho, como uma Justiça eficiente na defesa do hipossuficiente (terminologia do meu saudoso mestre Cesarino Jr.), isto é, do trabalhador, visto que a grande maioria dos casos será decidida em duas instâncias, com solução rápida das pendências. A morosidade que hoje impera em suas decisões, tem sido mais favorável ao reclamado do que ao reclamante. Com a nova medida, evita-se a excessiva demora dos recursos ao TST nas questões sem transcendência que protege mais os empregadores que os empregados. 

Depois os ministros do TST poderão aprofundar-se nas questões transcendentes, limitando a atuação de seus assessores ao trabalho de pesquisa, e não a tarefas mais relevantes, como hoje ocorre, por absoluta falta  de tempo    e de possibilidade material de um acurado exame de todos os processos por parte de cada ministro pessoalmente. Por melhor que sejam os assessores, os Ministros é que foram guindados a esta posição, por mérito próprio, notável conhecimento e reputação ilibada”.

 Esclarece Ives Gandra, em seu trabalho publicado  em “Direito e Processo do Trabalho” fls 218, que

“O critério de transcendência não se confunde com as sistemáticas da repercussão geral e de recursos repetitivos, quer pela sua natureza, quer pelo seu mecanismo, ainda que constituam institutos que integrem o gênero dos filtros de seleção de processos a serem julgados pelo STF e Tribunais Superiores.

A transcendência é um mecanismo de política judiciária, com natureza mais administrativa que judicial, em juízo de conveniência e oportunidade sobre apreciar, u não, determinada causa. Na transcendência, como juízo de delibação do recurso para o TST, decide-se se, pela sua importância política, jurídica, econômico e social, que trancenda o interesse meramente individual da causa, fazendo com que determinado processo requeira um novo pronunciamento do Tribunal. E, em relação às causas não transcendentes, o tTribunal simplesmente diz que não as irá apreciar, determinando a imediata baixa dos autos à origem.

Ora, no caso de repercussão geral e recursos repetitivos, há seleção de processos representativos da controvérsia, mas em sistemática complexa e lenta, pois além do sobrestamento de todos os demais processos sobre o tema, demora-se a pautar as questões relevantes, em face da incapacidade de uma solução rápida adas questões em plenário...”

Concluindo afirma o ministro Ives Gandra:

Em suma, tendo em vistas os dados estatísticos de 2018, de 322.831 processos recebidos e 253409 processos de resíduo ao final do ano, ao todo no TST, e levando em consideração a qualidade e dimensão das assessorias jurídicas dos ministros do TST, é possível, com o critério de transcendência sendo aplicado , nos termos supra referidos, chegar-se em curto espaço de tempo à colocação em dia do trabalho da Corte, acabando com o resíduo de forma a enfrentar com celeridade e maior qualidade dos processos novos que chegam em quantidade elevada ao TST, dando sinalização clara e segura à comunidade jurídica sobreo conteúdo normativo da legislação trabalhista, uniformizando a jurisprudência dos TRTs e controlando a aplicação dessa jurisprudência pacificada, a bem do jurisdicionado e da harmonização das relações trabalhistas em nosso país. Assim seja!”

A transcedência no art. 896 - A da CLT

A transcendência está regulamentada no artigo 896 – A da Consolidação das Leis do Trabalho, nos seguintes termos:

“Art. 896 A-  O TST, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.

Parágrafo 1º. São indicadores de transcendência entre outros:

I – econômica, o elevado valor da causa ;

II – política, o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do TST ou do STF;

III – social, a posteulação, por reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado;

IV – jurídica, a existência de questão nova me torno da interpretação da legislação trabalhista.

Parágrafo 2º. Poderá o relator, monocraticamente, denegar seguimento ao recurso de revista que não demonstrar transcendência, cabendo agravo desta decisão para o colegiado.

Parágrafo 3º - Em relação ao recurso que o relator considerou não ter transcendência, o recorrente poderá realizar sustentação oral sobre a questão da transcendência , durante cinco minutos, em sessão;

Parágrafo 4º. Mantido o voto do relator quanto à não transcendência do recurso, será lavrado acórdão com fundamentação sucinta, que constituirá decisão irrecorrível no âmbito do tribunal.

Parágrafo 5º. É irrecorrível a decisão monocrática  do relator que, em agravo de instrumento em recurso de revista, considerar ausente a transcendência da matéria.

Parágrafo 6º . O juízo de admissibilidade do recurso de revista exercido pela Presidência dos Tribunais Regionais do Trabalho limita-se à análise dos pressupostos intrínsecos e extrínsecos do apelo, não abrangendo o critério da transcendência das questões nele vinculadas.” 

A constitucionalidade do art 896 - A da CLT

O texto sobre transcendência foi inserido no artigo 896 da CLT, sem regulamentação, pela MP 2226 de 4 de outubro de 2001.

Dizia o referido texto:

 “Art. 2º. O TST regulamentará em seu Regimento interno o procedimento da transcendência do recurso de revista, assegurada a  apreciação da transcendência em sessão pública com direito à sustentação oral e fundamentação de decisão.”

Até a vigência da lei 13.467/17, resolveu o TST não regulamentar o citado dispositivo, não tendo ele aplicação nos recursos de revista, decorrendo de sua redação uma ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de Medida Cautelar 

Essa ação direta de inconstitucionalidade foi interposta em 2001, pelo Conselho da  OAB e recebeu o número 2.527, sendo que agora, em outubro de 2019 foi o processo convertido em eletrônico e está distribuído à ministra Carmen Lúcia, ou seja, tramita faz dezoito anos.

Na verdade teve uma liminar negada parcialmente quanto à tese da transcendência, mas com quatro ministros que a suspendiam, discutindo-se que a matéria, em princípio era de ser regulamentada por norma legal, conforme legislação que rege a competência constitucional que rege o TST, sendo que a relatora, Carmem Lúcia, não votou sobre a liminar na época porque o relator anterior já tinha votado, inclusive em favor da suspensão requerida. 

A MP em questão determina, expressamente, que o rito em que se dará o exame e a forma em que se concretizará o fundamento definidor de cada critério deve ser elaborado pelo Regimento Interno do TST, sendo que este (RITST/17) limitou-se, na atual redação, a tratar da transcendência em poucos artigos, sem propriamente expressar uma regulamentação, conforme abaixo exponho:

Artigo 161 – parágrafo 5º, IV – ausência de sustentação oral nos Agravos interpostos que deneguem seguimento ao recurso de revista que não demonstrar transcendência.

Artigo 246 – incidência das normas apenas dos recursos de revista interpostos das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais publicadas a partir de 11/11/17.

Artigo 247 – A aplicação do artigo 896 – A da CLT, que trata da transcendência do recurso de revista, observará o disposto neste Regimento, devendo o TST, no recurso de revista, examinar previamente de ofício, se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.  Expressa em seguida sobre os indicadores, admite a decisão monocrática do relator, esclarece que é a mesma irrecorrível em agravo de instrumento e cita a exigência da organização de banco de dados a respeito dos quais houver sido reconhecida a transcendência.

Ou seja, o Regimento Interno nada regulamentou além de dizer que a transcendência deve ser apreciada de ofício, o que demonstra não precisar ser fundamento do recurso de revista e que existirá um banco de dados sobre as teses, o que até o momento não foi elaborado e que em muito poderia orientar os jurisdicionados, como se vê do artigo 249 do Regimento:

Artigo 249 – organização de banco de dados em que constarão os temas em que houver sido reconhecida a transcendência.

Sobre os indicadores da transcedência

I – Econômica - Elevado valor da causa

Parece-me um indicador de complexa aplicação na Justiça do Trabalho, na qual se trata de direito social em que o elevado valor da causa é de uma subjetividade flagrante tendo em vista as peculiaridades dos interesses econômicos de cada trabalhador discutidas no processo.

Certamente que para um empregado que recebe salário mínimo uma reclamação na qual se discute , por exemplo, cinco salários mínimos, para ele é de elevado valor enquanto que, para o empregador pode ser valor ínfimo, impossível de ser entendido como requisito essencial como indicador de transcendência.

Como bem afirma Lima Teixeira Filho, citado por Silvania Pinheiro Coelho José , in “O Rito da Transcendência da Causa no Recurso de revista ( Novos Rumos do direito do Trabalho na Atualidade” fls 171)

 “a Transcendência é noção metajurídica, com notável subjetividade, ainda mais porque tem a ver com reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica“ 

Mas qual o limite pecuniário para considerar-se transcendente um processo que tem como partes, em princípio, de interesses econômicos totalmente antagônicos sendo o empregado a parte fraca do contrato , ou seja, não há nada mais subjetivo para admitir-se a apreciação de um recurso de revista por transcendência econômica entre eles.

Como esclarece Silvana Coelho José, em trabalho já citado,

“Uma condenação milionária pode representar o acolhimento da transcendência, mas também pode não ser arbitrária se o valor da causa, embora de grande monta, esteja proporcional à lesão ao bem da vida em litígio e não justificar a atuação do judiciário para tal fim, em respeito a princípios outros, como a coisa julgada e o devido processo legal.”

Como diz Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado, in “A Reforma Trabalhista do Brasil com os Comentários à lei 13.467/17 Ltr 2-17 fls 367):

 “Por essa razão, o fato de o valor não ser substancial para a empresa não significa que o recurso de revista do reclamante não tenha transcendência econômica, atraindo , de plano, a denegação de seu seguimento. É que, sob a perspectiva do trabalhador recorrente, torna-se possível estimar que o valor exposto tenha efetiva importância econômica, isto é, seja elevado e tenha transcendência.” 

Vê-se, assim, que é complexo o tema de ser a revista conhecida ou não em razão de seu valor econômico, ainda mais que pode não ser conhecida por despacho monocrático de um relator sobre aquela tese, havendo a possibilidade de vinte e seis outros Ministros pensarem de forma diferenciada, não cabendo embargos por divergência no que concerne ao subjetivismo do indicador aplicado.

II – Política – Desrespeito da instância recorrida à jurusprudência sumulada do TST ou do STF.

Não entendo ser esse um indicador político porque as jurisprudências dos Tribunais, especialmente as sumuladas, decorrem de decisões judiciais que nada têm a ver com a política uma vez que se trata de julgamento de questões de direito, tanto no TST quanto no STF, inexistindo, em tese, interesses políticos nessas decisões.

No projeto da lei 13.467  entendia-se como transcendência política o desrespeito notório a princípio federativo ou à harmonia dos Poderes constituídos.

Mas certamente que se um TRT enfrenta tese e julga contra questões já sumuladas pelo TST ou pelo STF, estará efetivamente, no mínimo alterando a unificação da jurisprudência do país realizada pelas Cortes que a unificam, quer de forma constitucional, quer de forma legal, não havendo como o TST não considerar a matéria como transcendente.

III – Social, a postulação, por reclamante-recorrente de Direito Social constitucionalmente assegurado.

Ora, aí parece haver uma inconstitucionalidade flagrante, especialmente no sentido de que todos são iguais perante a lei.

Então só o reclamante tem direito social constitucionalmente assegurado?

Nessa hipótese, então, cabe recurso de revista de todos os processos em que os reclamantes são recorrentes porque todo o direito reclamado por um empregado decorre de uma norma social disposta na lei ou na Constituição e nos princípios consagrados nacional e internacionalmente .

Mas o empregador recorrente não tem direito social, ou seja, no trabalho, na saúde, na educação, conforme dispõe o caput do artigo 7º da Constituição, não existe direito para uma das partes da relação de trabalho? Diria mesmo que os direitos sociais do trabalhador tem seus limites regulamentados na legislação, e quando ultrapassa ele tais limites, surge o direito do empregador de garantir essas limitações, direitos que são sociais porque o direito do trabalho aprecia a relação existente entre a partes e não só o interesse de uma das partes.

Como esclarece Bruno Freire e Silva em Recurso de Revista, trabalho que escreveu para o Curso de Direito Processual do Trabalho, fls 279/296, Ltr 2019,

Nesse diapasão, importante registrar que o Projeto de lei 3.267, de 2000, definia a transcendência social como a “existência de situação extraordinária de discriminação, de comprometimento do mercado de trabalho ou de perturbação notável à harmonia entre capital e trabalho”

IV – JURÍDICA. A EXISTÊNCIA DE QUESTÃO NOVA EM TORNO DA INTERPRETAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.

Indicador jurídico, ao meu ver, seria aquela decisão claramente contrária ao direito que poderá, inclusive, estar inclusa entre as questões novas em torno da interpretação da legislação.

O fato é que interpretar a lei é uma das funções do magistrado e nem sempre de sua interpretação pode se considerar uma questão transcendente, ou relevante  somente porque interpretou ele a norma mediante certa inovação, o que é comum no intérprete.

Da inconstitucionalidade do parágrafo 5º do artigo 896 – a sobre a irrecorribilidade da decisão monocrática.

Devo, de início, deixar claro minha posição contrária a esse novo filtro recursal que, no meu entender, limita ainda mais o que já está limitado, que é a apreciação do recurso de revista por um colegiado para unificar a jurisprudência sobre lei federal em todo o Brasil, a qual está sendo transformada em jurisprudência estadual, conforme decisões que transitam em julgado com as teses dos Tribunais Regionais sobre matérias relevantes e constitucionais porque não conhecidas as revistas ou porque só cabíveis embargos por divergência jurisprudencial no TST.

E essa posição também é defendida por Manoel Antônio Teixeira Filho, citado por Bruno Freire e Silva no trabalho acima  registrado, quando afirma in “O Processo do Trabalho e a Reforma Trabalhista” , Ltr 2017 p. 223:

Ora, não desconhecemos que o sistema norte americano PELO Judiciary Act de 1891 e de 1925, dotou a Suprema Corte do Poder discricionário de realizar uma seleção prévia dos casos que merecem ser julgados. Pretender-se, todavia, com base nesse sistema forâneio, instituir-se no Brasil, um instrumento de controle prévio dos recursos de revista a serem apreciados pelo TST é algo, data venioa, inaceitável.

E nesse entendimento sigo José Augusto Rodrigues Pinto

Também citado por Bruno Freire e Silva:

“Transcendente é qualificativo do mundo elevado, sublime, a ponto de ser metafísico, levando o direito a bordejar a ciência do supersensível, o que já nos levou a pensar na transcendência como a relevância elevada ao cubo ou à 4ª potência. Por aí se imagine a carga de subjetivismo que se está entregando aos magistrados incumbidos de declará-la totalmente incompatível com a imperiosa exigência de objetividade da Justiça nas declarações de convencimento dos juízes.”

Pois imaginem que para um colegiado, decidindo em último grau questões sociais que interessam a toda uma população, concede-se um poder discricionário, decorrente de quatro indicadores um pouco abstratos, de entender subjetivamente se o seu direito é transcendente ou não, como se admitir que esse mesmo poder seja concedido, individualmente para cada um dos vinte e sete ministros do TST, sem recurso para a turma ou colegiado em que atuam?

Ou seja, a unificação da jurisprudência em todo o país de determinado tema poderá ser decidida por um ministro em um colegiado de vinte e sete, sem qualquer recurso, nem mesmo constitucional porque a questão decorre de pressuposto recursal matéria que não está afeta à repercussão geral no STF. 

Pois o artigo 896 A, parágrafo 5º da CLT expressa que:

 “É irrecorrível a decisão monocrática do relator que, em agravo de instrumento em recurso de revista, considerar ausente a transcendência da matéria”

Ora, com todas as vênias, inconstitucional é esse parágrafo porque em um Tribunal, que prima pelo colegiado a decisão monocrática não pode ser por lei decisão final, especialmente quando se trata de pressuposto que, na verdade, aprecia o mérito, porque a transcendência é o próprio mérito do recurso.

Como já esclareceu em voto que tive a oportunidade de ouvir no ag ms 1000354-22.2-19.5.00.0000, julgamento que está sendo processado no órgão especial do TST,  demonstrou o brilhante ministro Cláudio Brandão que um ministro, monocraticamente, não pode sobrepor sua vontade à coletividade do órgão que pertence, levantando a instauração de Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade do parágrafo 5º do artigo 896 A da CLT..

Se os Tribunais são colegiados , de acordo com a Constituição, norma que dispõe sobre decisão monocrática sem recurso, inexistente nem mesmo no STF, é no meu entender, norma inconstitucional.

Outras matérias que merecem ser esclarecidas no que concerne à transcedência.

Evidentemente que não se pode pretender equiparar o recurso de revista trabalhista com o extraordinário e, muito menos, a repercussão geral com a transcendência. É que no extraordinário em princípio recorre-se de uma tese a qual terá ou não repercussão geral enquanto que na Justiça do Trabalho, e , em consequência, no recurso de revista, normalmente o que se discute são diversos direitos do trabalhador no mesmo recurso, o que agora, com a transcendência se exige que cada tese que abrange um dos direitos reclamados tenha indicador de que a matéria é transcendente.

Mas vejamos, por exemplo, se em um recurso de revista, no qual existam quatro temas a Turma do TST considere um só transcendente.

Este tema transcendente será julgado pela Turma mas os outros não baixarão para execução definitiva porque o tema transcendente poderá levar o processo a embargos , recurso extraordinário, agravo para o STF ou agravo interno, o que evidencia que não haverá celeridade processual quanto aos temas debatidos na revista e que não tenham transcendência, um dos fundamentos dessa inovação.

E se dentre esses temas que não forem considerados como transcendentes houver algum que, com relação à matéria, já há  repercussão geral no STF, o processo será remetido para a Corte Suprema em decorrência de recurso extraordinário, mesmo sem transcendência?

Quem vai unificar a jurisprudência da Corte Trabalhista em matéria de transcendência quando , por exemplo, a 5ª Turma considerar determinado recurso transcendente e a 2ª Turma, sobre o mesma tese, considerar que não existe transcendência? Não existindo embargos sobre transcendência como se fará a unificação da jurisprudência?

Muitos julgamentos sem fundamentação ampliando a inconstitucionalidade da transcendência.

A obrigatoriedade de fundamentação com relação à transcendência é essencial, constitucional e legal, como o é em todas as decisões judiciais.

O artigo 93, IX da CF exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que suscintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas”.

Consoante o citado artigo, a CLT, em seu artigo 489, parágrafo primeiro explicita seis indicações para que se considere fundamentada a decisão.

Especialmente, se há negativa de transcendência, monocrática, e ainda mais sem recurso, nem mesmo embargos de declaração, necessário que o Relator esclareça, até para fins de unificação de jurisprudência, quais os fundamentos pelos quais entende inexistir a referida transferência.

No TST, porém, em inúmeros casos, e às vezes repetidamente em decisões monocráticas repetidas, têm relatores solucionado a questão sem qualquer fundamentação que revele o que é ser transcendente e, apenas como exemplo cito duas decisões nos AI RR 1618-61.2012.5.06.003, e AIRR 20366-89.2017.5.04.0402.

Não foram eles conhecidos por falta de transcendência. E ao despachar considerando a inexistência da transcendência, usou-se de despacho padronizado para os dois processos, sendo matérias diferentes alegadas nos mesmos, entre partes diferentes, estando assim  expresso o parágrafo relativo à transcendência:

 ”...Verifica-se que os temas impugnados não oferecem transcendência em relação aos reflexos gerais de natureza política ou jurídica, seja por não haver contrariedade à súmula do TST, seja por não constituir questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista, mas, sim, matérias pacificadas pela jurisprudência do TST...”

No AIRR 1.415-62.2015.5.09.0019 o ilustre Relator, embora afirme que a causa não versa sobre questão nova, nem de direito social nem contra súmula do TST, não havendo também comprometimento financeiro, não trata individualmente dos temas expostos no recurso, que são  horas extras- enquadramento no artigo 61, I da CLT, sobreaviso  e remuneração variável.

Qual desses temas não tem transcendência? Nenhum? E se um tiver transcendência os outros serão também analisados?

Conclusão

1. A transcendência não está regulamentada, nem no regimento interno do TST, nem nos indicadores que são por demais subjetivos para a relevância da matéria.

2. Trata-se de direito ainda discutido sobre sua constitucionalidade em ADIN ainda não julgada pelo STF.

3. Há no artigo 896 A da CLT inconstitucionalidade flagrante em seu parágrafo 5º quando cabe ao relator em decisão monocrática no agravo de instrumento julgar a existência ou não de transcendência, sem recurso, nem mesmo declaratórios

4. Decisões sobre transcendência estão sendo apresentadas sem a devida fundamentação, o que viola o artigo 93 da CF.

5. Entende o ministro Ives Gandra, como evidenciado na Introdução deste trabalho, sobre a transcendência que “é ínsito ao critério uma certa carga de subjetividade, especialmente pelo caráter administrativo e discricionário do sistema.” Com todas as vênias do ilustre e brilhante ministro, não me parece ínsito aplicar-se ao recurso de revista, que tem como objetivo unificar a jurisprudência do país, um caráter administrativo e discricionário, além de subjetivo com relação às teses principais em julgamento.

6. Certamente, como diz o ministro Ives Gandra, a carga processual compromete a prestação jurisdicional como um todo mas não será restringindo o trabalho de um Tribunal que tem como função unificar a jurisprudência nacional de todo um país, limitar-se a decidir sobre o que entender , até de ofício, que seja relevante ou não para ser decidido.

7. Os assessores dos ministros e os próprios Ministros, ao se fixarem mais no tema transcendência não deixarão de ter de apreciar os demais temas do recurso para verificar se são ou não transcendentes, no que não vejo economia processual sobre este aspecto.

Finalmente, entendo que a função primordial do TST é a de decidir sobre os recursos de revista e consequentes embargos, além das matérias dispostas na Seção de Dissídios Coletivos e SDI II, coletivamente,  sobre os processos a elas afetos com o objetivo de unificar a jurisprudência de todas as questões sociais existentes entre empregados e empregadores , não cabendo limitar os julgamentos, que são constitucionais, mediante procedimentos legais que restrinjam os direitos sociais das partes.

Vejo na reforma da lei 13.467/17 aspectos que realmente reduzem os processos na Justiça do Trabalho, mas que não entendo que sejam decorrentes do vértice da pirâmide processual e sim da base, como, por exemplo, o empregado pagar honorários e custas  o que evita as ações temerárias, e outras medidas que retiram do mundo jurídico processos que não deveriam nele ter ingresso.

Mas o direito social , ao meu ver, é constitucional e está propriamente descrito nos artigos 6º, 7º e 8º da Constituição da República, aquela chamada de CIDADÃ porque trouxe esses direitos ao nível máximo jurídico da dignidade humana, e o que é constitucional tem transcendência.

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*José Alberto Couto Maciel é sócio fundador da banca Advocacia Maciel. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

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