No Direito atual brasileiro, a fidelidade é uma obrigação do casamento (art. 1.566, I, Código Civil). Já na união estável, o legislador, tentando ser mais “moderno” suprimiu a expressa menção a esta obrigação.
Por sua vez, no campo do Direito Penal brasileiro, importante mencionar que o adultério não é mais considerado crime desde 2005.
Porém, além do direito que rege as relações entre os casais, muito mais relevante que ele, há o contrato invisível, mudo e sentimental existente em todas as relações amorosas.
As pessoas se escolhem e começam, por vontade própria, a se relacionar afetuosa e sexualmente (não necessariamente com os dois aspectos sempre unidos, embora seja bem conveniente que isto fique claro e expresso entre os dois), e com o tempo, vão moldando este contrato, de forma orgânica.
As cláusulas são revistas frequentemente. Entre estas cláusulas há uma bem comum: a fidelidade. O Direito materializa expressamente esta cláusula nas relações de casamento. Nas uniões estáveis, não.
Embora ela tenha sido vilipendiada, especialmente pelos homens, no passado, em razão da resiliência feminina, hoje, a cláusula da fidelidade merece especial atenção.
A mulher, sendo reconhecida como igual ao homem (art. 5º, I, Constituição Federal) - não por ter se tornado, pois já o era, como bem relata Platão na obra A República - galgou com o tempo uma libertação financeira e, junto dela, a libertação sexual.
As angústias de Madame Bovary foram ouvidas pela humanidade. Flaubert, seu autor, do sexo masculino, talvez tenha sido o precursor do movimento feminista no mundo. Foi ele que teve coragem de colocar no papel as dores que ele via nas mulheres da época. E foi julgado por isso.
Assim, hoje o que vale para um, vale para o outro também.
Dizer que homem tem mais desejo sexual que a mulher e, por isso, teria uma carta branca para a infidelidade, tornou-se um argumento jurássico. Mesmo porque, em muitos casos ele não é nada verdadeiro. Há mulheres que possuem mais desejo. Simples assim.
Neste ambiente de igualdade, o assunto merece ainda mais atenção, pois coloca em risco a base da sociedade: a família (cf. art. 226, Constituição Federal).
Antigamente, a família estava protegida. O homem, em diversos casos, fazia o que queria e a mulher cuidava da família. Nada que o homem fizesse era motivo para o divórcio. A mulher sem acesso a dinheiro, estudo ou trabalho, não tinha opção a não ser aguentar. Muitas famílias foram mantidas desta forma.
Hoje as coisas mudaram.
Todos sabem de pelo menos um caso de adultério envolvendo conhecidos, nos dias atuais. A novidade, de um tempo para cá, é que se noticia a existência de mulheres que têm poder, dinheiro e atitude, e que também estas se envolvem em casos de adultério.
A outra novidade são os celulares. Todo mundo hoje carrega uma câmera (potente e com zoom) no bolso. Por isso, o que agora os olhos veem, a câmera pode registrar, e, em segundos a imagem pode estar na tela de milhares de pessoas, que sentem. Todos sabem de pelo menos um caso em que “fulano” ou “beltrano” descobriram um ou outro em uma relação de adultério devido informações obtidas nos celulares.
Assim, se a pessoa não for um agente da CIA ou da KGB, especializado em todos os cuidados de espião/espiã internacional, precisa saber que uma hora ou outra será descoberta. E o que estará em jogo será a base da sociedade: a família.
A família se sustenta em quatro amores: Eros, Philia, Storgè e Ágape. Eros é o amor romântico, sexual. Philia, a amizade. Storgè o amor à própria família. E Ágape é o amor ao Sagrado, a Deus.
A infidelidade é fruto, normalmente, de Eros. Mas dando atenção a ele, o ser humano pode frustrar os outros três amores da família. É arriscado.
Antigamente, a infidelidade não colocava em risco a família.
Hoje coloca! Por isso merece melhor atenção.
Nos casos de adultério, à margem dos picantes detalhes dos casos concretos, não podemos deixar de nos manifestar e sensibilizar pela tristeza das famílias que protagonizam esta dor.
Pior ainda é quando há crianças que fazem parte destas famílias. Crianças que possuem celulares e, por consequência, eventual acesso às informações sobre as novelas protagonizadas por seus pais.
Enfim, Eros dá prazer e é bom, sem dúvida. O desejo de violação à regra também tem suas atrações pelo lado não virtuoso humano.
Mas, criança é bem Sagrado! E elas precisam ser protegidas, conforme bem determina nossa Carta Magna, em seu artigo 227.
Não adianta dar bom estudo, saúde, viagens, bons presentes, e não dar o que elas mais querem e precisam: um lar harmônico, no qual possam se desenvolver de forma sadia e digna, nos termos do que prevê o artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).
Fácil? Ninguém disse que é. Em todas as tradições religiosas os sacerdotes, rabinos, padres e pastores já avisam os nubentes de antemão.
Lógico que ninguém deve ser infeliz pela felicidade da família.
Mas também, se cada um buscar somente a sua própria felicidade não há família que sobreviva. Não haverá filho cuidando de pai idoso. Não haverá cônjuge cuidando do outro quando estiver doente. Soube de um pai que tinha 13 filhos. Ficou no hospital por 90 dias internado. Quem ficou com ele os 90 dias, sem descanso, foi a esposa, pois cada filho ou filha tinha a sua esposa ou marido e filhos para cuidar.
Evidente que o divórcio foi uma conquista. E é um ótimo ingrediente à família. Ninguém é mais obrigado a ficar com ninguém. Ninguém é mais obrigado a permanecer em relações abusivas. Por isso, cada um deve cuidar da felicidade do outro para que continuem querendo estar juntos e façam a família toda feliz. E, se em um determinado momento a situação for realmente insustentável, que se separem, mas que continuem sendo bons pais e boas mães para seus filhos construindo uma relação, no mínimo, respeitosa.
No escritório tive um caso bem complicado, com muitos processos e muita briga. Depois de um tempo, os nervos já acalmados, um dos três filhos do casal estava com um problema na escola. Foi um motivo para os pais conversarem com civilidade, e ao final da conversa por telefone, a mãe manda um beijo para o ex-marido. A filha, de lágrimas nos olhos, após ser testemunha sentimental de anos de litígio, pergunta aliviada: “Mãe, você mandou um beijo para o papai?!”.
Dito isso, importante saber que o divórcio termina o casamento (Eros), mas não põe fim necessariamente à amizade (Philia) nem muito menos à família (Storgè) e menos ainda, a Ágape que representa o nosso amor e responsabilidade pela própria humanidade.
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