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STJ autoriza a realização de inventário extrajudicial mesmo quando o falecido deixou testamento

Embora para alguns o duplo procedimento não pareça muito vantajoso, importante lembrar que a Ação de Registro de Testamento também é necessária previamente à Ação judicial de Inventário.

6/11/2019

Só quem passou por um processo judicial de inventário para saber a dor de cabeça e o desgaste emocional familiar que estão envolvidos durante o procedimento, que normalmente se arrasta por anos até o seu encerramento definitivo.

O estresse do inventário judicial se revela ainda no engessamento patrimonial durante todo o trâmite da ação, uma vez que não é possível vender qualquer bem ou fazer qualquer alteração no patrimônio sem a autorização do juiz. E quando o processo dura mais de cinco, dez ou até mesmo quinze anos, a sensação é de que os herdeiros acabarão morrendo antes de finalmente conseguir receber a herança a que tinham direito.

Mas para evitar todo o trâmite judicial, a lei 11.441/07 veio a autorizar a realização de inventários extrajudiciais, por meio de escritura pública em qualquer cartório de notas do país, de livre escolha dos herdeiros, independentemente do domicílio das partes.

Para a realização do inventário judicial, a lei supracitada prevê a necessidade de observar os seguintes requisitos: (i) todos os herdeiros devem ser maiores de idade e capazes; (ii) deve haver consenso entre os herdeiros quanto à partilha dos bens; (iii) o falecido não pode ter deixado testamento; e (iv) a escritura deve contar com a participação de um advogado. 

Ao completar cerca de oito anos desde a novidade introduzida pela lei 11.441/07, o novo CPC, promulgado em março de 2015, veio novamente a reiterar os mesmos requisitos para o inventário extrajudicial, através do artigo 610.   

A grande vantagem do inventário extrajudicial é que, reunindo toda a documentação necessária, a escritura pública é lavrada em questão de dias e apenas com ela é possível transferir toda a propriedade dos bens aos herdeiros, sem passar pelas mãos de qualquer juiz.

No entanto, não preenchendo um dos requisitos mencionados, infelizmente o inventário deverá ser feito judicialmente e volta-se à morosidade do Judiciário. Porém, recentemente, veio-se a relativizar um dos requisitos do inventário extrajudicial, tal seja, a existência de testamento deixado pelo falecido.

A autorização para realização de inventário extrajudicial mesmo com a existência de testamento deixado pelo falecido iniciou por meio de provimentos das Corregedorias de Justiças dos Estados, sendo que no Paraná ela foi prevista no Ofício-circular 155/18.

Referido ofício prevê o cabimento da realização de inventário extrajudicial quando houver expressa autorização neste sentido pelo juízo sucessório competente, na ação de registro de restamento, ou quando o testamento for revogado ou caduco ou, ainda, quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento.

Mas, recentemente, em 15/10/19, a questão ganhou força após o julgamento do REsp 1.808.767/RJ pela 4ª turma do STJ, quando decidiu que o inventário pode ser feito na via extrajudicial mesmo quando houver testamento, desde que este seja registrado previa e judicialmente.

O STJ reformou a decisão anteriormente proferida pelo TJ/RJ, que havia aplicado a exata previsão do artigo 610 do novo CPC, entendendo pela impossibilidade de seguir com o inventário em cartório por existir testamento deixado pelo falecido.

O TJ/RJ seguiu o viés do formalismo legal, aplicando a exata previsão da lei. Entretanto, como enfatizou o relator do REsp, ministro Luis Felipe Salomão, a admissão do inventário extrajudicial reduz as formalidades e as burocracias, conferindo celeridade à resolução do caso e ao Judiciário.

Ainda que se questione a legitimidade do Poder Judiciário para criar entendimentos em expresso confronto às leis, usurpando a função do Poder Legislativo, é inegável que o julgamento do STJ veio a contribuir para a solução mais célere e efetiva aos interesses dos herdeiros, bem como a desafogar o Judiciário, que está abarrotado de processos. E este é o viés contemporâneo às necessidades da sociedade, que não suporta mais a morosidade do Judiciário brasileiro.

Como salientou o relator, ministro Luis Felipe Salomão:

“Ora, o processo deve ser um meio e não um entrave à realização do direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em se proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, se socorram da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça.”

Cumpre destacar, no entanto, que a decisão não isenta os herdeiros de todo o procedimento judicial. Mesmo optando pela realização no inventário extrajudicial, existindo testamento primeiramente será necessário ajuizar a Ação de Abertura, Registro e Cumprimento do Testamento.

Esta é uma medida de segurança jurídica, uma vez que a ação judicial tem por finalidade a verificação do preenchimento dos requisitos necessários à validade do testamento, bem como o cumprimento das disposições de última vontade do testador.

Assim, uma vez expedido o termo de registro do testamento pelo Juiz, então os herdeiros poderão seguir com o inventário extrajudicial. Trata-se, portanto, de um duplo procedimento, composto primeiramente pela etapa da Ação de Registro de Testamento, na via judicial, e pela segunda etapa da Escritura Pública de Inventário, na via extrajudicial.

Embora para alguns o duplo procedimento não pareça muito vantajoso, importante lembrar que a Ação de Registro de Testamento também é necessária previamente à ação judicial de inventário. Portanto, de todo modo, o registro será necessário em qualquer das modalidades de inventário, seja judicial ou extrajudicial.

Além disso, o duplo procedimento não chega a ser um entrave à celeridade da resolução da sucessão, posto que a Ação de Registro de Testamento é, em regra, bastante célere, permitindo o prosseguimento do inventário extrajudicial sem muitas complicações.

Certamente um grande passe foi dado, mas espera-se que venham outros pela frente, tal como a autorização para proceder com inventário extrajudicial quando há interesse de menores ou incapazes, mediante a participação do Ministério Público na realização da escritura pública para zelar pelos interesses destes, o que já vem sendo discutido e proposto pelos juristas.

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*Camille Wilsek Andrigo é sócia e head do dpt. de Gestão Patrimonial, Família e Sucessões da BGM - Braz Gama Monteiro. 

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