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Desfiliação partidária e seus riscos

O resultado de tais ações é imprevisível, pois há argumentos fortes e plausíveis para ambos os lados.

1/11/2019

A mídia tem noticiado conflitos internos partidários e a movimentação de parlamentares insatisfeitos que expressam sua vontade de migrar para outros partidos. O tema, aparentemente simples, deve ser tratado pelos interessados, políticos e dirigentes partidários com certa cautela.

Isso porque, nossa CF prevê em seu art. 17, §1º, a regra da fidelidade partidária. Essa norma constitucional surgiu com o objetivo de preservar e fortalecer, por mais lúdico que seja no atual cenário, a ideologia partidária, os fundamentos e ideais que levaram a união de um determinado grupo de pessoas a criar uma agremiação política.

Nessa concepção, o ato de filiação partidária implica, em tese, na aceitação por parte do filiado da cartilha que norteia as ideias e ações a serem abraçadas e defendidas pelos parlamentares durante o mandato.

Deve-se reconhecer, entretanto, que ao longo do caminho a regra constitucional fora utilizada com excessos por parte dos players do jogo político partidário. Ante a ausência de previsão legal, os abusos forçaram, inicialmente, o STF e o TSE a fixarem parâmetros de exceções e, posteriormente, o próprio legislador inseriu no ordenamento jurídico situações que permitem a desfiliação partidária sem a perda do mandato eletivo, denominadas como justa causa.

As lista de exceções está expressamente prevista na lei dos Partidos e na CF, e somente permite a migração de sigla nas seguintes hipóteses: mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; grave discriminação política pessoal; a janela partidária – que ocorre nos trinta dias anteriores ao fim do prazo de filiação partidária, desde que o parlamentar esteja no último ano de seu mandato, e a desfiliação de partido político que não tenha superado a cláusula de barreira, ou seja, atingido os requisitos mínimos para acesso ao fundo partidário e tempo de rádio e televisão, trazida pela EC 97/17.

Em que pese a aparente simplicidade da literalidade do texto legal, os conceitos constantes das regras são abertos e, muitas vezes, situações aparentemente enquadráveis em uma das hipóteses, no caso concreto, não se aplicam.

O tema é complexo e para melhor compreensão, analisarei alguns casos concretos mais rumorosos. Recentemente, duas agremiações manifestaram a intenção de expulsar seus filiados. O primeiro refere-se ao deputado Federal Aécio Neves (PSDB/MG), que responde processo de expulsão perante seu partido. O segundo e mais recente diz respeito à deputada Federal Tábata Amaral (PDT/SP), que, contrariando orientação partidária, se posicionou favorável à PEC da Reforma da Previdência.

Nestes dois casos, a expulsão do filiado teria como consequência a perda do mandato?

A resposta é negativa! Não raras vezes, lemos e ouvimos afirmações no sentido de que, ao ser expulso, o parlamentar pode vir a perder o respectivo mandato. Com efeito, a infidelidade partidária neste caso deve ser entendida como a migração do parlamentar para outro partido sem que haja justa motivação para tanto.

O ato infiel, portanto, é exteriorizado pela vontade do próprio mandatário e não do partido, sendo a expulsão entendida como uma vontade da grei de não mais ter em seus quadros determinado filiado, e não o contrário.

Outro caso que tem dominado os noticiários refere-se à possível divisão interna do PSL, partido pelo qual se elegeu o atual presidente da República.

Acompanhamos nos últimos dias o processo de destituição do deputado Federal eleito por Goiás, delegado Waldir (PSL/GO), da condição de líder do partido na Câmara, e mais recentemente, da deputada Federal, Joice Hasselmann (PSL/SP), da liderança do Governo.

Nestas duas situações hipotéticas, estaria configurada a justa causa?

A resposta não é fácil e revela a linha tênue da decisão a ser tomada. Conforme mencionado anteriormente, a grave discriminação política pessoal configura justa causa.

O TSE perfilhou entendimento pelo qual a grave discriminação restará caracterizada em duas situações. A primeira, seria a existência de fatos concretos que revelam o isolamento do parlamentar do convívio da agremiação, e a segunda, o desprestígio ou perseguição. Este último, aparentemente se enquadraria na hipótese ora analisada.

A seu turno, podemos fazer a seguinte reflexão: a maioria do partido não teria direito de destituir o líder da agremiação no Legislativo em casos de discordância de sua atuação, ou mesmo o líder do Governo?

Verifica-se que a tarefa no sentido de comprovar a justa causa não é fácil, pois existem fundamentos jurídicos sólidos favoráveis, tanto ao partido, quanto ao parlamentar.

Por fim, podemos citar os deputados Federais que foram punidos por seus partidos em razão da votação da reforma da Previdência. Conforme amplamente noticiado, as agremiações orientaram a votação de seus parlamentares quando da apreciação da mencionada PEC.

Ocorre que, pelos mais variados motivos, vários mandatários não seguiram essas orientações, o que ensejou em sanção interna por parte da grei, como por exemplo, suspensão das atividades parlamentares em comissões da Casa.

Insatisfeitos, quatro parlamentares ingressam com ações eleitorais perante o TSE pleiteando o reconhecimento da justa causa para desfiliação partidária sem a perda do mandato. Nestes casos, seria possível esse reconhecimento?

Mais uma vez a resposta não é simples. Primeiro, o partido político tem o direito de orientar sua bancada, segundo, as punições internas estão expressamente previstas nos estatutos partidários; terceiro, vários foram os deputados federais punidos.

Por outro lado, nestas hipóteses, poderíamos considerar que houve desprestígio, perseguição ou isolamento?

O PDT por exemplo, desde o processo eleitoral de 2018 apresentou posições claras em relação a alguns temas, dentre eles a reforma da Previdência. Os parlamentares se filiaram na agremiação e concorreram ao pleito conhecendo as posições do partido, e de certa forma as ratificaram.

O resultado de tais ações é imprevisível, pois há argumentos fortes e plausíveis para ambos os lados.

O tema tem considerável complexidade e deve ser tratado com cuidado, pois o que está em jogo, ao fim e ao cabo, é o voto popular direcionado a determinado mandatário ou Partido, maior exercício de cidadania previsto na CF de 1988.

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*Cleone Meirelles é advogado, membro da Comissão de Direito Político e Eleitoral da OAB-GO, especialista em Direito Público, atua em Direito Eleitoral, Administrativo e Tributário.

 

 

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