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A mitigação da taxatividade do rol previsto no art. 1.015, CPC e a jurisprudência do STJ

Cabimento de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas em processos de recuperação judicial e falência em hipóteses não expressamente previstas na lei 11.101/05

28/10/2019

Desde a entrada em vigor do novo CPC/15, muito se discutiu sobre a taxatividade do rol previsto no art. 1.015, para as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento. Ressalvada legislação específica, que tenha expressa previsão de hipóteses de cabimento do recurso, admitia-se a interposição apenas nos casos expressamente indicados pelo dispositivo legal.

Ante a inegável dúvida nos limites para aplicação do dispositivo e a divergência de decisões sobre o tema, a prática forense fez chegar ao STJ hipóteses que, prima facie, não estariam abarcadas pelo dispositivo processual, desafiando então o pronunciamento da Eg. Corte Superior.

Antes que houvesse a afetação para discussão da tese em sede de recurso repetitivo pela Corte Especial, um acórdão de relatoria do E. min. Raul Araújo, definiu a possibilidade de impetração de mandado de segurança em caso de dúvida razoável sobre o cabimento de agravo de instrumento, contra decisão interlocutória que examina competência. Naquela ocasião, restou consignado que o mandado de segurança é ação constitucional voltada para a proteção de direito líquido e certo contra ato abusivo ou ilegal de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (CF, art. 5º, LXIX), não podendo, em regra, ser utilizado como sucedâneo recursal.

Disse o E. Relator na ocasião: “É certo que a doutrina e a jurisprudência majoritárias admitem o manejo do mandado de segurança contra ato judicial, pelo menos em relação às seguintes hipóteses excepcionais: a) decisão judicial teratológica; b) decisão judicial contra a qual não caiba recurso; c) para imprimir efeito suspensivo a recurso desprovido de tal efeito; e d) quando impetrado por terceiro prejudicado por decisão judicial. Importa salientar, todavia, que há dúvida razoável acerca da existência de recurso cabível, considerando que até mesmo no âmbito desta Corte de Justiça há entendimentos divergentes quanto ao cabimento de agravo de instrumento, na vigência do CPC/15, contra decisão interlocutória que examina competência”. (RMS 58.578-SP, Rel. Min. Raul Araújo, por unanimidade, julgado em 18/10/18, DJe 25/10/18). 

Reconheceu-se então a necessidade de definir a natureza do rol do art. 1015 do CPC/15 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos do referido dispositivo do Novo CPC.

Após afetação para o rito dos recursos repetitivos – tema 988, a Corte Especial do STJ firmou tese no sentido de que o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. Na ocasião do julgamento houve ainda modulação dos efeitos da decisão para o fim de que a tese jurídica apenas fosse aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do referido acórdão.

Contudo, mesmo após a fixação da tese, ainda surgiram outras hipóteses que se fez necessária interpretação pelo STJ. Isso porque são inestimáveis as hipóteses de decisões interlocutórias, não abarcada pelos incisos do art. 1.015, que justificam a interposição do agravo de instrumento, garantindo o resultado útil dos processos, bem como o direito objeto do litígio.

Desde então, inúmeros acórdãos sobre o tema vêm servindo de referência para os Tribunais Estatuais e Federais, colocando fim às dúvidas sobre os limites de sua aplicação. Dentre elas, uma hipótese que mereceu destaque foi a definição de critérios para identificação do cabimento do recurso, cuja fórmula pode resolver tantos outros casos similares e ainda não submetidos à análise da Corte.

Nesse caso específico, tratou-se do cabimento de agravo de instrumento decorrente de pronunciamento jurisdicional que admite ou inadmite intervenção de terceiro, e que, em virtude disso, modifica ou não a competência, já que a decisão reunia dois conteúdos que, a despeito de sua conexão, são ontologicamente distintos e suscetíveis de inserção em compartimentos independentes.

Para solução, o primeiro critério que se fixou diz respeito a preponderância da carga decisória ou, em outras palavras, qual dos elementos que compõem o pronunciamento judicial é mais relevante. A partir desse critério, concluiu-se que a intervenção de terceiro exerce relação dinâmica sobre a competência sobretudo porque, na hipótese, somente se pode cogitar de uma alteração de competência do órgão julgador se houver a admissão ou inadmissão do terceiro apto a provocar essa modificação. Daí decorre o segundo critério, calcado na lógica do antecedente-consequente e na ideia das questões prejudiciais, em que se verifica se a primeira matéria – intervenção de terceiro – influencia o modo de se decidir a segunda matéria – competência.

No ponto, conclui-se que a intervenção de terceiro é o antecedente que leva ao exame da competência, induzindo a um determinado resultado – se deferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no art. 109, I, da CF, haverá alteração da competência para a Justiça Federal. Se indeferido o ingresso do terceiro sujeito à competência prevista no referido artigo, haverá manutenção da competência na Justiça Estadual.

Disse a E. Relatora na ocasião, min. Nancy Andrighi: “É também relevante examinar o foco da irresignação da parte agravante em suas razões recursais para que se conclua pela incidência do art. 1.015, IX, do CPC/15, ou seja, se a impugnação se dirige precipuamente para a questão da intervenção de terceiro ou para a questão da competência. Por qualquer ângulo que se examine a controvérsia, conclui-se que a decisão que versa sobre a admissão ou inadmissão de terceiro é recorrível de imediato por agravo de instrumento fundado no art. 1.015, IX, do CPC/15, ainda que da intervenção resulte modificação ou não da competência, que, nesse contexto, é uma decorrência lógica, evidente e automática do exame da questão principal”. (REsp 1.797.991-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/6/19, DJe 21/6/19).

Outro debate importante se deu no julgamento do REsp 1.752.049/PR, quando restou definido que o conceito de "decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória" previsto no art. 1.015, I, do CPC/15, abrange as decisões que examinam a presença ou não dos pressupostos que justificam o deferimento, indeferimento, revogação ou alteração da tutela provisória e, também, as decisões que dizem respeito ao prazo e ao modo de cumprimento da tutela, a adequação, suficiência, proporcionalidade ou razoabilidade da técnica de efetivação da tutela provisória e, ainda, a necessidade ou dispensa de garantias para a concessão, revogação ou alteração da tutela provisória.

Isso porque o art. 1.015, I, do CPC/15 ("decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória") deve ser lido e interpretado como uma cláusula de cabimento de amplo espectro, de modo a permitir a recorribilidade imediata das decisões interlocutórias que digam respeito não apenas ao núcleo essencial da tutela provisória, mas também que se refiram aos aspectos acessórios que estão umbilicalmente vinculados a ela, porque, em todas essas situações, há urgência que justifique o imediato reexame da questão em 2º grau de jurisdição.

Isso não significa dizer, todavia, que absolutamente toda e qualquer questão relacionada ao cumprimento, operacionalização ou implementação fática da tutela provisória se enquadre no conceito de decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória e, consequentemente, possa ser impugnada de imediato pelo agravo de instrumento.

Como exemplo, E. Relatora citou a necessidade de recolhimento de taxas, despesas ou custas para a implementação da medida deferida, afirmando que “tais providências não se relacionam, direta e nem mesmo indiretamente, com a tutela provisória objeto da decisão interlocutória impugnável, mas sim, com a execução, operacionalização e implementação fática da providência que já foi requerida e obtida, descabendo discutir, em âmbito de tutela provisória, a questão relacionada ao fato de a parte beneficiária da tutela arcar com as despesas e, ao final, ser ressarcida pelo vencido, inclusive como decorrência lógica da necessidade de plena reintegração que permeia a tutela jurisdicional efetiva”. (REsp 1.752.049-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 12/3/19, DJe 15/3/19).

O que temos de novidade? No último informativo de jurisprudência divulgado pela STJ – 0656 de 11 de outubro de 2019, há registro de que a Segunda Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com os REsp 1.707.066/MT e 1.717.213/MT a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: definir se é cabível agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas em processos de recuperação judicial e falência em hipóteses não expressamente previstas na lei 11.101/05.

Questões afetas à recuperação judicial tem sido objeto de reiterados pronunciamos pelo Superior Tribunal de Justiça, contudo, cumpre destacar que sobre o tema específico afetado, já existe precedente da lavra do E. Min. Luis Felipe Salomão pelo cabimento de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias em processo falimentar e recuperacional, ainda que não haja previsão específica de recurso na lei 11.101/05.

Naquela ocasião, a C. 4ª turma, à unanimidade, confirmou que a Lei de Recuperação Judicial e Falência - LREF estabeleceu, em seu art. 189, que, no que couber, haverá aplicação supletiva da lei adjetiva geral, incidindo tão somente de forma subsidiária e desde que se constate evidente compatibilidade com a natureza e o espírito do procedimento especial.

No que se refere à definição do regime jurídico do agravo de instrumento diante do microssistema da lei 11.101/05, é sabido que ao contrário do CPC de 1973, que possibilitava a interposição do agravo de instrumento contra toda e qualquer interlocutória, o novo diploma processual definiu que tal recurso só se mostra cabível contra as decisões expressamente apontadas pelo legislador.

Contudo, o rol taxativo do art. 1.015 do CPC de 2015, por si só, não afasta a incidência das hipóteses previstas na LREF, pois o próprio inciso XIII estabelece o cabimento do agravo de instrumento nos "outros casos expressamente referidos em lei". No entanto, há determinadas decisões judiciais tomadas no curso da recuperação judicial e da falência que, apesar de não haver previsão de impugnação pela lei de regência nem enquadramento no rol taxativo do NCPC, ainda assim, serão passíveis de irresignação por intermédio do agravo.

Afirmou o E. Relator, Min. Salomão: “Apesar da taxatividade, o STJ vem reconhecendo a possibilidade de interpretação extensiva ou analógica das hipóteses dispostas no rol do agravo de instrumento. Deveras, nas interlocutórias sem previsão específica de recurso incidirá o parágrafo único do art. 1.015 do CPC/15, justamente porque, em razão das características próprias do processo falimentar e recuperacional, haverá tipificação com a ratio do dispositivo - qual seja, falta de interesse/utilidade de revisão da decisão apenas no momento do julgamento da apelação -, permitindo a impugnação imediata dos provimentos judiciais. Realmente, não parece haver lógica em se aguardar a sentença no processo de recuperação judicial, somente prolatada depois do cumprimento de todas as obrigações previstas no plano de recuperação judicial aprovado (LREF, art. 63), momento em que já teria havido, por outro lado, todas as definições a respeito do deferimento e processamento da recuperação, dos critérios da assembleia de credores, das habilitações, da homologação do plano, entre outras medidas que restariam implementadas de maneira irremediável no momento da apelação. Assim, há clara incompatibilidade do novo regime de preclusão previsto no novel diploma processual com o sistema recursal da recuperação judicial, haja vista que a incidência do regime de impugnação diferida das interlocutórias, apenas em apelação, tornaria sem utilidade o recurso, pois seu cabimento ocorreria apenas quando do exaurimento do procedimento. Inclusive, essa foi a conclusão adotada pela 1ª Jornada de Direito Processual Civil do CJF, nos termos do Enunciado n. 69, segundo o qual "a hipótese do art. 1.015, parágrafo único, do CPC abrange os processos concursais, de falência e recuperação".”. (REsp 1.722.866-MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 25/09/18, DJe 19/10/18).

Como bem salientou o Relator naquela ocasião, o procedimento da Recuperação Judicial é peculiar, cujo somatório de atos processuais e decisões tem o único objetivo final de viabilizar a reestruturação da empresa, com a continuidade de sua atividade principal, mas, principalmente, de cumprimento do plano de recuperação aprovado pelos credores para seu soerguimento.

A lei 11.101/05 prevê a interposição de agravo de instrumento em hipóteses específicas – art. 17: impugnação de crédito; art. 59, § 2º: decisão que conceder a recuperação judicial; decisão que decreta falência: art. 100. Contudo, trata-se de procedimento dinâmico, cuja urgência no pronunciamento judicial justificam a interposição do recurso em hipóteses não previstas, que não poderão aguardar apelação sob pena de inutilidade do resultado útil do processo, na mesma linha do que já foi afirmado por esta Corte Superior no julgamento do tema 988.

Isso porque, a sentença no processo de recuperação judicial só é prolatada após o total cumprimento do plano aprovado, o que pode levar muitos anos a depender da empresa. Não reconhecer a possibilidade de interposição do recurso de agravo de instrumento nesse caso, é o mesmo que negar vigência ao objetivo final do processo de recuperação judicial, bem como tornar inviável o andamento célere e seguro de todas suas etapas.

Importante destacar que o precedente citado é anterior à tese afetada pela Corte Especial e será agora submetida à C. 2ª Seção, onde restará definido os limites da incidência do dispositivo processual civil em harmonia com a Lei de Recuperação Judicial e Falências.

___________

*Joana D’arc Amaral Bortone é sócia do escritório Trindade & Reis Advogados Associados.

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