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A proteção do trade dress no ambiente digital

O presente trabalho tem por objetivo analisar aplicação e forma de proteção alcançada pelo instituto do trade dress, pouco conhecido do público em geral, mas que vem recebendo gradualmente maior atenção da doutrina e servindo de base para decisões judiciais envolvendo a prática de concorrência desleal.

24/10/2019

A utilização de celulares, tablets e computadores para a aquisição dos mais diversos produtos e contratação de todos os tipos de serviços é uma realidade incontestável em nossa sociedade e com tendências à contínua expansão. Dados de uma pesquisa recente1 apontam para um aumento de 40% (quarenta por cento) no e-commerce brasileiro nos últimos dois anos, com a perspectiva de que, até o final de 2020, metade das compras realizadas no país sejam feitas por meio do comércio eletrônico, potencialmente transformando o comércio virtual na primeira opção dos consumidores.         

Nessa perspectiva, o presente trabalho tem por objetivo analisar aplicação e forma de proteção alcançada pelo instituto do trade dress, pouco conhecido do público em geral, mas que vem recebendo gradualmente maior atenção da doutrina e servindo de base para decisões judiciais envolvendo a prática de concorrência desleal.  Mais especificamente, o trabalho busca relacionar a aplicação da proteção do trade dress aos sites da internet no Brasil.

O instituto do trade dress tem origem no direito norte-americano e está relacionado ao conjunto de características que identificam de forma específica determinado produto ou serviço, “é a soma de elementos visuais e sensitivos que traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva, vinculando-se à sua identidade visual, de apresentação do bem no mercado consumidor”, não se confundindo diretamente com patente, desenho industrial ou marca, muito embora os diversos elementos que o constituem possam ser, individualmente, passíveis de registro.2

O trade dress, em nosso país, foi livremente traduzido como conjunto-imagem, haja vista estar relacionado com uma ideia global de aparência transmitida ao consumidor, aquela passível de identificar com certa facilidade, via elementos de percepção visual e sensorial, determinado produto ou serviço. Como exemplo do conceito, Otavio Tinoco Soares menciona as redes de lanchonetes McDonalds (“a)a mesma aplicação de cores nas fachadas, laterais e no teto; b) as casas possuíam, praticamente, o mesmo formato; c) o balcão principal, as prateleiras, as mesas e cadeiras continham as mesmas características particulares; d) o “totem” que ostentava a sua marca adotava sempre a mesma fisionomia.”),3 Wendy’s e Burger King, tornando, assim, mais palpável o conceito.

Nosso sistema legal, entretanto, não prevê o registro desse conjunto-imagem como forma de assegurar direito ao uso exclusivo ou mesmo de prevenir ou impedir sua replicação por terceiros que objetivem auferir vantagem indevida mediante confusão do consumidor que, pelas características gerais externadas pelo produto ou serviço, acaba sendo levado a crer tratar-se do mesmo item.

Sendo relevante e fundada a preocupação, outros meios de proteção, entretanto, estão à disposição do titular do trade dress para, querendo, coibir tal prática. Diferentemente dos casos em que possível o registro ou arquivamento, a proteção dos direitos do titular do conjunto-imagem se dá sempre a posteriori, quando verificada efetivamente a ocorrência de apropriação indevida do conjunto de características por concorrente, causando, ainda que potencialmente, a confusão do público.

Essa proteção se dá, então, pela vedação que o sistema legal brasileiro confere às práticas de concorrência desleal, expressas nos artigos 195, III, e 209, ambos da lei 9.279/96. Cabe ressaltar, por oportuno, que a proteção a ser buscada em relação à utilização indevida do conjunto-imagem de produto ou serviço deve respeitar três requisitos, quais sejam existência de replicação da imagem total ou aparência geral de um produto inerentemente distintivo e não funcional.4 Vale dizer, a utilização de características já amplamente utilizadas por determinado nicho de mercado para certo produto ou serviço não constitui violação ao trade dress, assim como a falta de oposição pelo detentor primário do conjunto de características afasta a alegação de concorrência desleal, uma vez que ausente a anterioridade e a novidade.

Feitas tais considerações, parece-nos que a proteção do conjunto-imagem é perfeitamente aplicável aos sites da internet, principalmente àqueles voltados ao comércio de produtos e serviços. Conforme referido anteriormente, a compra de produtos e contratação de serviços tende, de maneira sólida, a ser realizada cada vez mais pelo meio digital e, em pouco tempo, deve superar inclusive as transações feitas em meio físico.

Nesse sentido, o estabelecimento, a loja ou a empresa se transferem, em nível de percepção do usuário, para sites na internet e aplicativos de smartphones que, por seu turno, utilizam um conjunto de elementos visuais e até mesmo sonoros para a captação e retenção do cliente. Dentre os elementos aqui referidos estão o conjunto de cores, fontes das letras, diagramação, disposição dos campos, utilização de imagens e fotografias semelhantes, apelo emocional, semelhança de nome de domínio e marcas e etc.

A hipótese aqui aventada é aquela em que envolvida uma possibilidade de confusão a partir do look and feel5 de determinado website ou aplicativo, que pode gerar tanto a percepção de que se trata do mesmo produto ou serviço ofertado pelo concorrente já estabelecido na rede mundial de computadores, como também a possibilidade de confusão em relação àqueles que, existindo ainda somente no meio físico, têm seu conjunto de características replicado no meio digital, causando a impressão no consumidor de tratar-se do mesmo produto ou serviço.

Não resta dúvida, portanto, de que a vedação à concorrência desleal por uso indevido do conjunto-imagem (trade dress) de produtos e serviços tem aplicação também no ambiente digital, seja em sites da internet ou aplicativos de smartphones ou tablets, desde que verificada, como já referido anteriormente, a replicação indevida da imagem total ou aparência geral de um produto ou serviço inerentemente distintivo e não funcional.

Por fim, avaliando a jurisprudência nacional até aqui existente, em que aventada a prática da concorrência desleal por utilização indevida de conjunto-imagem, verifica-se que o STJ tem posicionamento firme em relação à necessidade de apresentação cabal da suficiência distintiva em relação ao bem tutelado, bem como da realização de perícia técnica para a apuração do conflito com a propriedade industrial de outra titularidade.

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*Thomaz Cinel é advogado da banca Robert Juenemann Advocacia, especialista em direito empresarial pela FGV e em processo civil pela PUC/RS.

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