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A “História sem fim” da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins e a instrução normativa da Receita Federal do Brasil (IN) 1.911/19 – “O recolhido” x “O destacado”

Tratamos aqui, novamente, da “história sem fim” da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, cuja decisão do Supremo Tribunal Federal por maioria no julgamento do RE 574.706, em que o Tribunal afastou o ICMS da composição da base de cálculo das ditas contribuições federais.

24/10/2019

É impressionante a insistência do Fisco Federal em tentar vincular entendimento manifestamente ilegal em norma de caráter impositivo e sancionador relacionada com processo judicial ainda em curso, mas cuja tese já foi fixada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral.

Tratamos aqui, novamente, da “história sem fim” da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, cuja decisão do Supremo Tribunal Federal por maioria no julgamento do RE 574.706, em que o Tribunal afastou o ICMS da composição da base de cálculo das ditas contribuições federais. Nesse julgamento, foi fixada a seguinte tese: “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”.

Nesse mesmo processo a Fazenda Nacional opôs os denominados embargos de declaração, sendo que uma das questões apontadas pela PGFN é exatamente a forma de exclusão desse ICMS, ou seja, o valor destacado ou o valor efetivamente recolhido do indigitado tributo para apurar o montante que foi indevidamente inserido na base de cálculo dos outros demais tributos federais e apurar o crédito.

Em passado recente a mesma Receita Federal do Brasil tentou fixar um procedimento a ser seguido por toda administração fazendária federal com a finalidade de buscar cumprir as decisões judiciais transitadas em julgado que trataram do tema, e trouxe a famigerada Solução de Consulta Interna COSIT nº 13, de 18 de outubro de 2018, cujo objetivo manifestamente ilegal, reitere-se, era definir o cálculo do montante do ICMS a excluir da base de cálculo do PIS e da Cofins, nos casos de decisões judiciais transitadas em julgado que não disponham sobre a forma desse cálculo.

Em suma, estabeleceu a Solução de Consulta em questão1 que o saldo a recolher do ICMS, resultante da sua apuração não-cumulativa, é que poderia ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins e não o valor do imposto destacado na nota fiscal. Além disso, o ICMS a excluir deve ser proporcional à receita bruta tributada pelo PIS/Cofins.

Estranhamente, antes de qualquer finalização do julgamento dos embargos de declaração, para a RFB, somente o imposto efetivamente recolhido poderia ser decotado da base de cálculo do PIS e da Cofins.

Além de grave equívoco e evidente ilegalidade, o mesmo tema foi suscitado nos embargos de declaração da PGFN, os quais pensamos que não prosperaram, eis que a decisão do STF está fixada na exclusão do ICMS destacado nas notas fiscais.

A ousadia da RFB em trazer esse teratológico posicionamento, que até mesmo a PGFN tem dúvidas, beira a tipificação de excesso de exação e imoralidade administrativa.

Como se isso não bastasse, a mesma RFB, em sua sanha arrecadatória e desenfreada, indo além do que o homem médio poderia imaginar, publica uma instrução normativa 1911, de 15 de outubro de 2019, que a pretexto de revogar mais de 50 outras instruções normativas, busca, mais uma vez, e agora com caráter sancionador, regulamentar novamente os procedimentos para os contribuintes que possuem trânsito em julgado de processos de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.

No mesmo sentido da SC COSIT 13, a nova IN 1911/19, determina que o montante a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins é o ICMS mensal a ser recolhido, nos termos do seu artigo 27, parágrafo único, inciso I, veja-se:

“DAS EXCLUSÕES DA BASE DE CÁLCULO

Seção I
Das Exclusões Gerais

25.Art. 27. (Z024_181) Para fins de determinação da base de cálculo a que se refere o art. 26 podem ser excluídos os valores referentes a (Decreto-lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, art. 12, com redação dada pela Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014, art. 2º; Lei nº 9.718, de 1998, art. 3º, caput, com redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014, art. 42, e § 2º, com redação dada pela Lei nº 13.043, de 13 de novembro de 2014, art. 15; Lei nº 10.637, de 2002, art. 1º, § 3º, com redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014, art. 16; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 1º, § 3º, com redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014, art. 17; e art. 15, inciso I, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 21):

(...)

Parágrafo único. Para fins de cumprimento das decisões judiciais transitadas em julgado que versem sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, devem ser observados os seguintes procedimentos:

I - O montante a ser excluído da base de cálculo mensal das contribuições é o valor mensal do ICMS a recolher;”

Além disso traz outros tantos procedimentos a serem adotados pelo contribuinte nos mesmos moldes que já haviam sido perpetrados pela SC COSIT 13, sob pena de aplicação de multa.

É evidente que a intenção, agora, é trazer num instrumento normativo a possibilidade de abertura de fiscalização e autuação dos contribuintes que estejam apurando em desacordo com a indigitada norma infralegal, a qual reputamos como manifestação ilegal e inconstitucional, eis que limita um direito do contribuinte que não tem previsão em lei. A norma tem um só fim, vale dizer, intimidar o cidadão contribuinte e arrecadar de forma ilegal.

Mais uma vez, repisando tudo o que já foi escrito, é elementar que o termo “exclusão” constante dos diversos votos do acórdão do STF foi empregado com a finalidade de desconsiderar o ICMS na apuração do PIS e da Cofins. A RFB faz uma ilação e infere que o STF, ao usar a palavra “exclusão”, pretendeu discutir parcelas do ICMS passíveis de exclusão. Todavia, é de clareza solar que a decisão do STF foi no sentido de que o ICMS não compõe a base de cálculo das contribuições federais em exame, ou seja, o ICMS como um todo não compõe a base de cálculo.

Relativamente ao questionamento administrativo e/ou judicial da indigitada IN 1911/19 entendemos pela sua viabilidade, diante de seu caráter de norma impositiva com aplicação de sanção.

Em havendo decisão transitada em julga e esta nada dispondo sobre a forma da exclusão, nesses casos, dada a interpretação ilegal feita pela IN quanto ao precedente do STF, restará violado o direito de excluir todo o montante do ICMS da base de cálculo, respaldado pelo STF, o que configura ameaça ao direito líquido e certo de assim apurar o PIS e a Cofins. Tal ameaça autoriza a impetração de mandado de segurança preventivo, que pressupõe uma situação atual e concreta de risco da violação ao direito líquido e certo. A IN formaliza a atualidade e concretude da ameaça, havendo a possibilidade, também, do referido instrumento processual conter pedido subsidiário de suspensão dos efeitos da indigitada Instrução Normativa até o julgamento dos aclaratórios.

Impressionante a capacidade do fisco federal em buscar artifícios para tentar arrecadar a todo custo, ainda que passando por cima de princípios e normas constitucionais. A inclusão de tal dispositivo, na referida IN 1911/19, mais uma vez corrobora que o administrador, nos dias atuais, pouco dá importância para a boa-fé nas relações entre público e privado, deixa de cumprir com as decisões judiciais, afasta a moralidade em prol da sua vontade e constrói sua própria realidade!

O que vemos é a sobreposição da vontade do administrador sobre o particular e não mais a vontade do público sobre o privado.

A RFB está caminhando por estradas tortuosas que beiram a total ausência de disciplina, aqui vale a menção à Georges Burdeau2, depois de ter mostrado como toda sociedade humana é necessariamente uma sociedade política, segue o seu raciocínio para demonstrar que o todo PODER precisa de uma disciplina. Se não houvesse essa disciplinação rigorosa do poder, seria impossível a coexistência social e então, chega ao conceito de Constituição como o estatuto do poder. Estatuto esse que está sendo reiteradamente violado pela RFB.

____________________________

1 Complementada pela Nota de Esclarecimento da RFB publicada em 06/11/2018: Clique aqui

2 BURDEAU, Georges. Méthode de la science politique. Paris: Dalloz, 1959, p. 178.

____________________________

*Caio Cesar Braga Ruotolo é advogado coordenador jurídico do Departamento Jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Foi membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/SP 17/18, Membro efetivo do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomercio. Especializado em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional. Experiência consultiva e contenciosa nas áreas de direito tributário, empresarial, aeronáutico e crimes contra ordem tributária.

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