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O decreto 10.044/19 e a interação entre a defesa comercial e a defesa da concorrência

O referido decreto tem por objetivo promover o aumento da produtividade da economia brasileira e da competividade internacional do país.

23/10/2019

No dia 4 de outubro de 2019 foi publicado o decreto 10.044, que dispõe sobre a Câmara de Comércio Exterior (Camex), a qual tem por objetivo formular, implementar e coordenar políticas relativas ao comércio exterior de bens e serviços, aos investimentos estrangeiros diretos, aos investimentos brasileiros no exterior e ao financiamento às exportações.

Em consonância com a agenda do atual governo, o referido decreto tem por objetivo promover o aumento da produtividade da economia brasileira e da competividade internacional do país. 

Dentre as novidades introduzidas pelo referido decreto está a possibilidade de participação de autoridades e dirigentes de órgãos e de entidades da administração pública federal nas reuniões do Comitê Executivo de Gestão da Camex, sem direito a voto, dentre elas os representantes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que passam a integrar o referido Comitê como convidados, em caráter permanente.

A novidade introduzida pelo decreto 10.044/19 tem por intuito promover maior interação entre a defesa comercial e a defesa da concorrência, a fim de resguardar o interesse público na ordem econômica brasileira. 

Como se sabe, a defesa comercial e a defesa da concorrência são áreas que atuam na regulação do ambiente econômico, mas com políticas e medidas distintas. 

O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, regulado pela lei 12.529/11, atua de 3 (três) principais formas: preventiva, repressiva e educativa. A atuação preventiva consiste na análise dos atos de concentração, enquanto a repressiva consiste na análise de condutas que tenham potencial lesivo à concorrência, tal como a formação de cartel, venda casada, entre outros. A atuação educativa, por sua vez, consiste em políticas de promoção da concorrência, em apoio a órgãos do governo.

Já a defesa comercial tem como um dos seus principais instrumentos a medida antidumping, que tem por finalidade a proteção da indústria doméstica contra a prática desleal de comércio. Ocorre, contudo, que as práticas de comércio envolvidas nas medidas antidumping nem sempre são “desleais” no sentido econômico do termo.

Um estudo do Departamento de Estudos Econômicos (DEE)1 do CADE concluiu, por exemplo, que a aplicação de medidas antidumping poderia resultar em menor produtividade da indústria local e aumento do poder de mercado das empresas beneficiadas pela imposição das medidas, o que, por consequência, poderia acarretar uma diminuição da concorrência. 

Neste tocante, cumpre ressaltar que a lei 12.529/11 já previa, dentre as funções da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) – que junto com o CADE compõe o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência -, a elaboração de estudos de avaliação da situação concorrencial de setores específicos da atividade econômica nacional, de ofício ou mediante solicitação do CADE, da Camex ou do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor. Também já constituía competência da SEAE a manifestação a respeito de eventual impacto concorrencial de medidas nos casos envolvendo atividades de alteração tarifária, acesso a mercados e defesa comercial.

Há algum tempo, contudo, diante de casos relevantes envolvendo o interesse público e nos quais houve suspensão ou alteração de medidas antidumping em razão dos efeitos concorrenciais, vem sendo discutido um efetivo mecanismo de cooperação entre o CADE e a Camex, o qual foi finalmente implementado pelo decreto 10.044/19. 

O decreto 10.044/19, ao estabelecer a participação dos representantes do CADE no Comitê Executivo de Gestão da Camex, possibilitará maior interação entre a defesa comercial e a defesa da concorrência, permitindo uma análise mais ampla do mercado que leve também em consideração os efeitos gerados sob o aspecto concorrencial, a fim de resguardar, acima de tudo, o interesse público na ordem econômica brasileira.

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1 CADE. “Antidumping e Concorrência no Brasil: Uma avaliação empírica”, documento de trabalho 001/17, departamento de estudos econômicos do conselho administrativo de defesa econômica, 2017.

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*Michelle Sobreira Ricciardi Rosa é sócia do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados.

 

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