Migalhas de Peso

A falência da arrecadação e a MP 899 de 17/10/19

A aplicação da nova MP depende ainda de regulamentação por parte do Ministério da Economia e da PGFN, mas suas intenções são saudáveis.

18/10/2019

O fim do drama fiscal brasileiro passa pela costura dos dois lados de nosso curto cobertor orçamentário. A ponta das despesas é abordada pelo Governo “no atacado”, sobretudo por meio de uma urgente reforma previdenciária. Na ponta das receitas, enquanto na escala macro a (qual?) reforma tributária patina, acelerando em ponto morto, medidas de “varejo” têm sido adotadas em paralelo, tal como tem acontecido em outros dos chamados “ministérios técnicos” – destaques para Justiça e Infraestrutura – apesar das intrigas palacianas.

Uma dessas iniciativas foi delineada pela MP 899/19, publicada em 17/10/19. Seu texto regulamenta o art. 171 do Código Tributário Nacional (CTN), que possibilita a transação em matéria tributária. A viabilização de acordos entre fisco e pagadores de impostos não é uma demanda inovadora: é propagada há tempos pelos setores especializados, mas nunca contou com vontade institucional suficiente. Um Ministério da Economia de DNA liberal parece enfim disposto a atribuir efetividade – normativa e prática – à previsão do art. 171 do CTN.

A MP 899 prevê três modalidades de transação: (1) individual ou por adesão, quanto a débitos já inscritos em dívida ativa, (2) por adesão, para os demais débitos em contencioso administrativo ou judicial, e, (3) também por adesão, para o contencioso envolvendo débitos de baixo valor. O texto se cerca de algumas cautelas: proíbe, por exemplo, a concessão de reduções, via transação, de valores de tributo (principal) ou de multas qualificadas (casos de fraude, sonegação, etc.). A intenção da MP é atribuir eficiência à máquina de arrecadação da massa de créditos da União Federal, notoriamente falha e morosa por uma série de razões.

Há quem jogue contra. Dois são os argumentos mais comuns historicamente levantados contra a transação em matéria fiscal: de um lado, a indisponibilidade do dinheiro público, e, de outro lado, a possibilidade de multiplicação de situações concretas de injustiça. No primeiro caso, alega-se que o Governo não poderia simplesmente desistir da recuperação de créditos que devem ser revertidos em prol da população; na segunda hipótese, o que se diz é que, sobretudo em transações “individuais” (contribuinte por contribuinte), é possível que um deles obtenha condições mais favoráveis que o outro.

São perspectivas tão válidas quanto seus contrapontos. O essencial, contudo, é que a realidade do País faz com que os riscos valham a pena. A atual estrutura de cobrança, rígida, implacável e igual para todos, se mostrou distópica: o que produziu foi frouxidão, demora e vantagem comparativa para os devedores que têm condição de arcar com defesas muitas vezes protelatórias.

É preciso flexibilizar o sistema, podendo-se falar mesmo na urgência de uma “reforma arrecadatória” cujo pontapé inicial seja justamente a MP 899.

A aplicação da nova MP depende ainda de regulamentação por parte do Ministério da Economia e da PGFN, mas suas intenções são saudáveis. Fala-se em um potencial de recuperação de créditos da ordem de 1 a 2 trilhões de reais. Que seja metade ou menos. O fundamental é que o plano funcione na prática e que proporcione uma modernização duradoura e produtiva do sistema de arrecadação nacional, se possível a ponto de ser copiada por Estados e Municípios. No cenário atual, não fazer nada é insistir no erro.

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*Matheus Curioni é advogado associado do CSMV Advogados, atuante em Direito Tributário nas áreas de consultoria e contencioso.

 

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