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Novo regime jurídico dos fundos de investimento

Com as disposições da nova lei, deixa de vigorar o regime de responsabilidade solidária entre os agentes fiduciários, sendo que os prestadores de serviço passam a responder, de forma individualizada, pelos prejuízos causados pelos seus atos, quando procederem com dolo ou má-fé.

9/10/2019

No dia 20 de setembro de 2019, o presidente da República sancionou a lei 13.874/19 (lei da liberdade econômica), que trouxe importantes inovações relacionadas à temática dos fundos de investimento, com a inclusão dos artigos 1.368-C ao 1.368-F no CC (lei 10.406/02).

Dentre as principais alterações, podemos destacar:

(i) PREVISÃO EXPRESSA DO REGIME JURÍDICO ESPECIAL APLICÁVEL AOS FUNDOS DE INVESTIMENTO E REGISTRO (UNICAMENTE) PERANTE A COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Anteriormente à lei da liberdade econômica, os fundos de investimento seguiam o regime geral de condomínio civil previsto no CC.

Com as novas disposições inseridas no CC pela lei da liberdade econômica, consolidou-se a natureza de condomínio especial dos fundos de investimento. Desse modo, foi reconhecida a aplicabilidade de um regime sui generis aos fundos de investimento, que possuem natureza híbrida e que, portanto, exigem regulação específica, competência essa que continua sob o escopo dos poderes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Além disso, a nova lei dispensa o registro dos regulamentos dos fundos de investimento em cartório de títulos e documentos, de forma que passa a ser de competência exclusiva da CVM promover o referido registro, o que ocorrerá sem a imposição de custos pela autarquia, sendo essa condição suficiente para garantir a publicidade e a oponibilidade de efeitos a terceiros.

A CVM, inclusive, no dia 2/10/19, editou a Instrução CVM 615, que altera e revoga dispositivos normativos1 desobrigando o registro dos regulamentos dos fundos de investimento em cartório, buscando, com isso, desde já, compatibilizar as normas aplicáveis aos fundos já existentes com a nova disposição prevista na lei da liberdade econômica.

A inovação diminui significativamente os custos necessários à regularização dos referidos empreendimentos, que em muitos casos ultrapassava o valor de R$ 10.000,00.

(ii) Limitação de responsabilidade dos cotistas 

Antes da lei da liberdade econômica, as normas da CVM previam a responsabilidade ilimitada dos cotistas em caso de patrimônio negativo do fundo de investimento. Ou seja, os investidores dos fundos podiam ser obrigados a suportar, desproporcionalmente à sua participação e adicionalmente ao valor já aportado, os ônus relacionados a eventual patrimônio líquido negativo do fundo.

Com as inovações inseridas pela referida lei, criou-se a possibilidade de os fundos de investimento estabelecerem a limitação da responsabilidade de cada investidor ao valor das suas cotas, desde que expressamente previsto em seus regulamentos. A limitação da responsabilidade, contudo, somente abrangerá fatos ocorridos após a respectiva mudança no regulamento do fundo.

Pela nova regra, na hipótese do fundo não possuir patrimônio suficientes para saldar seus débitos e/ou para quitar as cotas em resgate, deverão ser observadas as regras de insolvência previstas no CC.

A limitação da responsabilidade dos cotistas cria incentivos ao mercado de fundo de investimento, tendo em vista a diminuição do risco do investidor em aportar recursos, passando a responder apenas pelo valor das suas cotas.

(iii) Criação de classes de cotas com direitos e obrigações distintas 

Outra inovação introduzida pela lei da liberdade econômica, foi a possibilidade de os fundos de investimentos criarem classes de cotas com direitos e obrigações distintas, com a possibilidade, inclusive, de constituição patrimônio segregado das demais.

No regime anterior, de acordo com instruções da CVM, já era possível a criação de cotas com classes distintas, em hipóteses específicas, observadas as limitações previstas para cada tipo de fundo (por exemplo: restrição ao público alvo, tipo de direitos políticos que pode se diferenciar e outros). Contudo, em qualquer que fosse o cenário, era vedada a criação de patrimônio segregado, o que implicava na responsabilidade solidária de todos os cotistas, independente da classe de cotas que fizesse parte.

Com as inovações, tornou-se possível a emissão de cotas com classes distintas e patrimônio segregado para cada classe, o que permite a limitação da responsabilidade dos cotistas, os quais responderão apenas pelas obrigações do patrimônio a eles vinculado.

(iv) Limitação da responsabilidade dos prestadores de serviço 

A lei da liberdade econômica alterou também o regime de responsabilidade dos prestadores de serviço fiduciários (dentre os quais incluem os administradores fiduciários, os gestores de recursos, os custodiantes e outros), que antes respondiam solidariamente por eventuais prejuízos causados aos cotistas em virtude de condutas contrárias à lei, ao regulamento ou aos atos normativos expedidos pela CVM.

Com as disposições da nova lei, deixa de vigorar o regime de responsabilidade solidária entre os agentes fiduciários, sendo que os prestadores de serviço passam a responder, de forma individualizada, pelos prejuízos causados pelos seus atos, quando procederem com dolo ou má-fé.

Acrescente-se que um dos dispositivos inseridos pela nova lei prevê, ainda, que “a avaliação de responsabilidade dos prestadores de serviço deverá levar sempre em consideração os riscos inerentes” ao mercado de atuação do fundo de investimento e à natureza das obrigações contraídas, garantindo, assim, a boa-fé na interpretação das condutas adotadas pelos prestadores de serviço.

Deve-se destacar, contudo, que as citadas inovações, introduzidas pela lei da liberdade econômica, dependem da regulamentação da CVM para que sejam efetivadas, com a consequente alteração de disposições previstas nas normas editadas anteriormente pela autarquia, a exemplo da Instrução CVM 615 citada acima.

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1 A Instrução CVM 615/2019 modificou as seguintes normas: Instrução CVM 153 (Fundos Mútuos de Ações Incentivadas); Instrução CVM 186 (Fundos de Investimento Cultural e Artístico); Instrução CVM 227 (fundos de conversão); Instrução CVM 279 (Fundos de Mútuo de Privatização – FGTS); Instrução CVM 356 (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios); Instrução CVM 359 (Fundos de Índice); Instrução CVM 398 (Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional – FUNCINE); Instrução CVM 399 (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios no âmbito do Programa de Incentivo à Implementação de Projetos de Interesse Social – FIDC-PIPS); Instrução CVM 462 (Fundos de Investimento do FGTS); Instrução CVM 472 (Fundos de Investimento Imobiliário); Instrução CVM 555 (disposições gerais sobre fundos de investimento); e Instrução CVM 578 (disposições gerais sobre fundos de investimento). 

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*Pedro Antônio Junqueira é advogado do escritório Lobo & Lira Advogados.

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