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Seguro garantia judicial em substituição ao depósito recursal – Questões controvertidas na jurisprudência trabalhista

Aplicação objetiva da lei no tocante ao seguro garantia judicial, sem a imposição de requisitos pela jurisprudência.

3/10/2019

1. Introdução

O presente trabalho, resguardada sua limitação teórica e forma concisa, se deve à necessidade de analisar, à luz da atual jurisprudência trabalhista, a questão da utilização do seguro garantia judicial como preparo em substituição ao depósito recursal para a interposição de recursos no processo do trabalho

É mister registrar pequeno introito conceitual e histórico, mencionando quando o depósito recursal foi criado, sua evolução legal, explicando nesse contexto sua finalidade jurídica.

Com enfoque em julgados recentes que estabelecem duas questões (nos prenderemos apenas a esses dois pontos) como “requisitos criados” pela jurisprudência para a aceitação do seguro garantia judicial em substituição do depósito recursal, quais sejam:

a. prazo de validade indeterminado da apólice de seguro garantia;

b. valor de cobertura com excedente de 30% (trinta por cento) em relação ao valor do depósito recursal.

Expondo a subsunção do instituto do seguro à lei, concluiremos pela não sustentação dos “requisitos” que a jurisprudência tem firmado como necessários para a validação do seguro garantia em substituição ao depósito recursal.

Ademais, o próprio contrato de seguro nessa modalidade traz, via de regra, mecanismos que garantem o recebimento da indenização. Ou seja, o pagamento do valor segurado (valor do depósito recursal), independentemente do tempo de duração do processo, pois as seguradoras [com base na observância dos operadores do direito, sobretudo advogados de empresas reclamadas], tão logo notaram o movimento da jurisprudência para a restrição dessa modalidade de garantia, em que pese os limites claros de regulamentação do seguro pelo órgão estatal (SUSEP), colocaram à disposição do contratante, e, em última análise do processo e do segurado (parte recorrida), instrumentos de eficácia desse tipo de garantia, conforme se demonstrará abaixo. 

2. O depósito recursal

Sucintamente vamos conceituar o depósito recursal.

Sob o prisma didático-jurídico é requisito objetivo de qualquer recurso do sistema processual trabalhista. Sob o ponto de vista teleológico, serve para garantir a provável execução vindoura, dando cumprimento à decisão condenatória com obrigação de pagar (maioria das decisões no processo do trabalho), e deve ser apresentado concomitantemente ao próprio recurso, estando superada a discussão acerca da apresentação prévia, conforme a literalidade do § 1º do 899 artigo da CLT.

A base legal, como citado, é o artigo 899 da CLT. A redação no tocante ao depósito recursal foi introduzida pela lei 5.442, de 24 de maio de 1948.

Todavia, o depósito recursal foi criado e introduzido no sistema processual trabalhista em 1946, pelo Decreto lei 8.737, de 19 de janeiro daquele ano, publicado no DOU de 21/1/1946.

A princípio era exigido apenas em casos de recursos em reclamações que tivessem por objeto: “férias, salários ou contrato de trabalho, de valor até Cr$10.000,00 (dez mil cruzeiros) só serão admitidos recursos, inclusive o de revista, mediante a prova do depósito da importância da condenação.”

Vale transcrever a redação anterior do artigo 899 da CLT, com as alterações que foram introduzidas para inserção do depósito recursal no sistema processual, in verbis:

Parágrafo único. Tratando-se, porém, de reclamações sobre férias, salários ou contrato individual de trabalho, de valor até Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros), só serão admitidos recursos mediante prova de depósito da importância da condenação. Nesse caso, transitada em julgado a decisão recorrida, será ordenado, desde logo, o levantamento do depósito em favor da parte vencedora.

Art. 899. Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções (sic) previstas neste título, sendo permitida a execução provisória, até a penhora.(Redação dada pela Decreto Lei nº 8.737, de 1946)

Parágrafo único. Tratando-se, porém, de reclamação sobre férias, salários ou contrato individual de trabalho, de valor até Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros), só serão admitidos recursos, inclusive extraordinários mediante prova de depósito da importância da condenação. Nesse caso, transitada em julgado a decisão recorrida, será ordenado, desde logo, o levantamento do depósito em favor da parte vencedora.(Redação dada pela Decreto Lei nº 8.737, de 1946)

Parágrafo único. Tratando-se, porém, de reclamação sobre férias, salários ou contrato de trabalho, de valor até Cr$10.000,00 (dez mil cruzeiros) só serão admitidos recursos, inclusive o de revista, mediante a prova do depósito da importância da condenação. (Redação dada pela Lei nº 861, de 1949)

Parágrafo único. Sendo a condenação de valor até Cr$20.000,00 (vinte mil cruzeiros), só será admitido recurso, inclusive o extraordinário, mediante prévio depósito da importância respectiva. Transitada em julgado a decisão recorrida, será ordenado o levantamento imediato da importância do depósito, em favor da parte vencedora. (Redação dada pela Lei nº 2.244, de 23.6.1954)

§ 1º Sendo a condenação ou o valor dado à causa pela sentença de montante até o dobro de valores mencionados nas letras " a ", " b " e " c " do art. 894, só será admitido recurso, inclusive o extraordinário mediante prévio depósito da importância respectiva. Transitada em julgado a decisão recorrida será ordenado o levantamento imediato da importância do depósito, em favor da parte vencedora, por simples despacho do Juiz.  (Renumerado do parágrafo único com nova redação pelo Decreto-Lei nº 75, de 1966)

§ 2º O depósito de que trata o § 1º será feito na conta vinculada do empregado a que se refere o art. 2º da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966, aplicando-se lhe as disposições da mesma Lei, observado quanto ao respectivo levantamento, o que no mencionado § 1º se dispõe. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 75, de 1966)

§ 3º Se o empregado não tiver ainda conta vinculada aberta em seu nome nos termos do art. 2º da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966, a empresa procederá à respectiva abertura, para o efeito do disposto no § 2º deste artigo. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 75, de 1966)

§ 4º Não se aplica o disposto no presente artigo aos dissídios coletivos. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 75, de 1966)

§ 5º Na hipótese de se discutir, no recurso interposto, matéria já solucionada através de prejulgado do Tribunal Superior do Trabalho, o depósito de que trata o parágrafo anterior poderá ser levantado, de imediato, pela parte vencedora. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967

 

O depósito recursal quanto à forma e efetivação, é regulamentado pelo Tribunal Superior do Trabalho – TST, por meio de diversas normas institucionais de procedimentos, se destacando a Instrução Normativa 3 de 1993. Seus valores são atualizados anualmente por ato do Presidente do TST, tendo por base o índice INPC-IBGE, e hoje tem os seguintes parâmetros:

a)    R$ 9.828,51 (nove mil, oitocentos e vinte e oito reais e cinquenta e um centavos), no caso de interposição de Recurso Ordinário;

b)    R$ 19.657,02 (dezenove mil, seiscentos e cinquenta e sete reais e dois centavos), no caso de interposição de Recurso de Revista, Embargos e Recurso Extraordinário;

c) R$ 19.657,02 (dezenove mil, seiscentos e cinquenta e sete reais e dois centavos), no caso de interposição de Recurso em Ação Rescisória.

Para os fins deste trabalho, deixamos definido que o depósito recursal é, sob a ótica do processo, requisito objetivo dos recursos; e que tem a finalidade prática de garantir, ao menos parcialmente, o pagamento da dívida reconhecida por decisão judicial.

3. A lei 13.467/17

A lei 13.467, de 13 de julho de 2017 (reforma trabalhista), que entrou em vigor em 11.11.2017, em analogia parcial ao artigo 835, § 2º do CPC/15, introduziu, entre outros, o parágrafo 11 ao artigo 899 da CLT, que assim prescreve:

§ 11.  O depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial. 

Na prática, esse procedimento tornou possível o exercício do direito de recorrer na justiça do trabalho, especialmente para as micro e pequenas empresas, efetivando, desta forma, o contraditório pleno. Pois, antes de tal alteração legal era impossível para boa parte dos reclamados apresentarem recurso, haja vista o alto valor do depósito recursal, conforme acima indicado.

Ainda, em que pese ser óbvio, vamos frisar que o legislador não previu nenhum outro requisito, elemento objetivo, condição ou qualquer outra coisa relativa à validade, efetivação ou viabilidade do seguro garantia judicial para a substituição do depósito recursal.

É importante frisar isso, pois, no caso de seguro garantia para execução [conforme artigo 835, § 2º do artigo 835 do Código de Processo Civil], a majoração de 30% (trinta por cento) sobre valor da cobertura em relação ao valor do débito, prevista na parte final do referido parágrafo 2º, se deve ao fato de que, no processo de execução propriamente dito, há, via de regra, despesas com o próprio processo, como por exemplo, mas sem exaurir eventuais acessórios: custas; emolumentos; honorários; custas finais da execução; a majoração do valor da execução em decorrência do tempo ainda necessário para se discutir os embargos à execução, etc.

E, conforme a mais simples técnica de hermenêutica, quer seja pela aplicação lógica, pela contextualização ou pela finalidade da norma processual civil, o processo de execução, diferentemente do recurso em fase de conhecimento, já tem o valor quantum debeatur apurado, e o seu aumento em 30% servirá para cobrir além dos acessórios apontados, a própria correção monetária, e especialmente o acréscimo dos juros de mora sobre o crédito já definido, como veremos no item próprio abaixo.

Nada obstante essa boa novidade da reforma trabalhista, os nossos Tribunais, por via reflexa, vêm mostrando resistência à novidade.

3.1. Sobre o prazo de vigência do seguro garantia

A primeira questão que se expressa na jurisprudência, e está presente em boa parte de  despachos de admissibilidade, ou em decisões de declaração de deserção de recursos, é no sentido de considerar que o seguro garantia “não tenha prazo de validade”, ou tenha “prazo de validade indeterminado”; ou ainda, “que a apólice tenha vigência enquanto durar o processo”.

Essas decisões têm, mais ou menos, o seguinte teor (processo n.º 1001700-04.2017.5.02.0006, TRT/SP):

Entendemos que, para ser atendido o consignado no artigo 899, § 11 da CLT a apólice de Seguro Garantia deve ser expedida com prazo de validade indeterminado, já que não é possível prever a duração do processo.

Nesse sentido, citamos a seguinte decisão do C. STJ:

"STJ- Agravo Interno no Recurso Especial AgInt no Resp 1652635 RS 2016/0310571-9 (STJ). Data de publicação 03/08/2017. Ementa: Processual Civil. Administrativo. Agravo Interno no Recurso Especial. Código de Processo Civil de 2015. Aplicabilidade. Ausência de Prequestioamento dos art. 8º do Código de Processo Civil. Incidência da Súmula n. 211/STJ. Substituição da Carta-Fiança por Seguro-Garantia com Prazo de Validade Determinado. Impossibilidade. Argumentos Insuficientes para Desconstituir a Decisão Atacada. I-Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data de publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II-A ausência de enfrentamento da questão objeto da controvérsia pelo Tribunal a quo, não obstante oposição de Embargos de Declaração, impede o acesso à instância especial, porquanto não preenchido o requisito constituciional do prequestionamento, nos termos da Súmula n. 211/STJ. III-O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado, segundo o qual é impossível a substituição de carta-fiança por seguro-garantia com prazo de validade determinado. IV-O Agravante não apresenta, no agravo, argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. V-Agravo interno improvido."

Assim, procedam as reclamadas, ora recorrentes, a regularização do preparo, em 05 dias, nos termos do art. 1.007, §2º do CPC de 2015 e OJ-SDI-I-140 do C. TST, apresentando comprovante de depósito recursal ou contratação de Seguro Garantia sem prazo de validade.

E no mesmo sentido, do TRT/3ª Região:

EMENTA: DEPÓSITO RECURSAL - SUBSTITUIÇÃO POR SEGURO GARANTIA JUDICIAL - PRAZO DE VALIDADE LIMITADO - DESERÇÃO. Embora a substituição do depósito recursal por seguro garantia judicial tenha sido recepcionada pela alteração legislativa promovida pela Lei n. 13.467/17, a sua utilização deve ser feita segundo os preceitos que norteiam a existência do depósito recursal, como garantia do juízo, não se podendo admitir qualquer tipo de restrição que venha a dificultar o implemento de tal garantia. E, no caso dos autos, o seguro garantia tem validade de apenas três anos, o que se mostra incompatível com a natureza da garantia ofertada, que não pode ser precária, com risco acentuado de perda da garantia no decorrer da execução que eventualmente venha a ser instaurada. Recurso da reclamada não conhecido, por deserto. (TRT 3ª Região – Processo: 0011005-47.2016.5.03.0067 – 1ª Turma – Relator Desembargador José Eduardo Resende Chaves Jr. – Publicado no DEJT em 13/07/2018).

Dentro dessa proposição, essa primeira questão rebatida fica evidente quando, analisada a natureza jurídica do contrato de seguro, se verifica que não existe cobertura por prazo indeterminado, o que contraria o requisito objetivo existente em qualquer contrato: o prazo de duração do negócio jurídico.

O conceito de contrato de seguro, e seus elementos objetivos constitutivos, conforme o Código Civil, são:

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

 [...]

Art. 760. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário. Grifo nosso.

Logo, o argumento de que deve ser apresentada uma apólice de seguro garantia “sem prazo de validade” é manifestamente ilegal por afrontar expressamente o que dispõe o artigo 760 do CCB, que prevê, dentre os requisitos objetivos do seguro, a estipulação de início e fim de sua validade.

E ainda: quanto à regulamentação do seguro garantia judicial, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, Autarquia vinculada ao Ministério da Economia, regulamentou essa modalidade de seguro por meio da Circular SUSEP 477, de 30 de setembro de 2013, que no seu artigo 8º prevê o seguinte:

Art. 8º O prazo de vigência da apólice será: I – igual ao prazo estabelecido no contrato principal, para as modalidades nas quais haja vinculação da apólice a um contrato principal;

II – igual ao prazo informado na apólice em consonância com o estabelecido nas Condições Contratuais do seguro considerando a particularidade de cada modalidade, para os demais casos.

Para o caso de processo judicial, especificamente em relação ao depósito recursal no processo do trabalho, obviamente não temos um “contrato vinculado à garantia securitária”. Deste modo, a hipótese seria de considerar a “particularidade de cada modalidade”; ou ainda, que fosse fixado um prazo máximo para a ocorrência do evento/sinistro segurado.

Assim, o Poder Judiciário teria que estabelecer o prazo máximo para término do processo – medida esta que seria ideal para a satisfação de todos os jurisdicionados -, pois, como dito, o tipo de negócio jurídico (seguro) não comporta modalidade “por prazo indeterminado”.

Logo, como nos parece óbvio, não cabe ao Judiciário “legislar” sobre a aplicação, extensão e regularização do seguro garantia, exigindo a contratação [inexistente no sistema] por “prazo indeterminado”, uma vez que, por impossibilidade real, o próprio Poder Judiciário não pode determinar o prazo para execução dos seus atos, muito embora os prazos processuais estejam previstos em lei.

E, para a hipótese de se esvair a garantia ofertada por meio de apólice com prazo de validade no curso do processo, o sistema processual já dispõe de consequências eficazes, como por exemplo: (a) declaração de má-fé; (b) ato atentatório contra a justiça; (c) cominação de astreinte, que são as principais, dentre outras medidas.

Todavia, em atendimento à boa fé processual, e ao próprio interesse da parte, entendemos necessário que, antes de aplicar qualquer medida punitiva, o juiz deveria mandar intimar a parte que efetue imediatamente a renovação da apólice, ou apresente o respectivo valor coberto.

Mas a questão prática transcende, sobretudo em efetividade, as inovações criadas pela jurisprudência.

Com efeito, em observância à referida circular 477/13 da Susep, as seguradoras têm contratado a hipótese de elas mesmas intimarem o tomador do seguro (parte recorrente que efetua o depósito) para que efetue a “renovação compulsória” do contrato de seguro, sob pena de execução antecipada pelo Segurado (o reclamante no processo), conforme se lê, por exemplo, em cláusula de apólice utilizada recentemente no processo n.º 1001700-04.2017.5.02.0006, do Tribunal Regional do Trabalho - TRT da 2ª Região:

“Se, no prazo disposto na cláusula ..., não houve qualquer manifestação, por parte do  Tomador, quanto a não necessidade da renovação da referida apólice, a seguradora se obriga a  comunicar, com 30 dias de antecedência, ao mesmo quanto renovação deste instrumento de forma compulsória, sob pena de ter o mesmo executado de forma antecipada pelo segurado.”

Essa cláusula afasta a consideração da jurisprudência no sentido de se perder a garantia pelo seu vencimento durante o curso do processo, pois, se não renovada automaticamente, a seguradora pagará a indenização ao segurado (reclamante) nos autos do processo, independentemente de qualquer formalidade.

Ainda, a norma circular 477 da Susep também prevê, e as seguradoras têm instituído diretamente a execução da apólice, ou seja, o pagamento da garantia (indenização limite contratada) no próprio processo caso, o contratante não renove dentro do prazo contratado. Por exemplo, a apólice n.º 0306920199907750314201000, emitida pela seguradora Pottencial, em 6/9/2019, com vigência até 5.9.2021, para o processo n.º 1000252-15.2019.5.02.0074, que prevê o seguinte na sua cláusula 4.3:

“Se, no prazo disposto na cláusula 4.11, não  houve qualquer manifestação, por parte do Tomador, quanto a não necessidade de renovação da referida apólice, a Seguradora se obriga a comunicar, com 30 dias de antecedência, ao mesmo quanto [sic] renovação deste instrumento de forma compulsória, sob pena de ter o mesmo executado de antecipada pelo segurado.”

Ora, na única hipótese de o Tomador efetivamente informar sobre a “não necessidade” de renovação, e o processo ainda tramitar, é que a seguradora estaria desobrigada de renovar compulsoriamente o seguro, ou executar a garantia em favor do segurado (parte recorrida).

E nesse caso, como acima mencionado, estaria caracterizada a má-fé do Tomador (recorrente), e má-fé se apena com os ônus próprios, não podendo se prever o improvável com a criação de norma relativa ao seguro para tal hipótese, o que não encontra qualquer fundamento lógico dentro da questão jurídica objetiva do preparo recursal.

Hodiernamente o Tribunal Superior do Trabalho – TST deverá, por meio da sua Seção de Dissídios Individuais - SDI, pacificar o entendimento acerca desta questão, pois suas Turmas estão divergindo sobre o tema, conforme as ementas abaixo transcritas, sendo as duas primeiras no sentido de que não se pode exigir a incrementação do prazo de vigência indeterminado, justamente por contrariar a natureza do próprio contrato de seguro; e a terceira, no sentido oposto, in verbis:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS N os 13.015/2014, 13.105/2015 E 13.467/2017 . EMBARGOS À EXECUÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DO DEPÓSITO RECURSAL PELA CARTA FIANÇA. APÓLICE COM PRAZO DETERMINADO. VALIDADE. Nos termos do art. 899, § 11, da CLT, "o depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial". Não bastasse, a jurisprudência desta Corte segue no sentido de admitir a utilização do "seguro garantia" para fins de garantia do juízo mesmo nas hipóteses em que existe prazo determinado de validade da apólice. Em tal situação, deve ser renovada ou substituída antes do vencimento. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 10001106620165020704, Relator: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 25/09/2019, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/09/2019, grifo nosso). 

RECURSO DE REVISTA. LEI 13.467/2017. SEGURO GARANTIA JUDICIAL. PRAZO DE VIGÊNCIA. RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO POR DESERTO. TRANSCENDÊNCIA. A matéria diz respeito à eficácia do seguro garantia judicial, com prazo de vigência limitado, para fins de garantia do juízo. Trata-se de recurso ordinário interposto de r. sentença publicada na vigência da Lei 13.467/2017, que não foi conhecido por deserto, em razão de a apólice de seguro garantia judicial apresentar prazo de vigência de dois anos. O eg. Tribunal Regional decidiu que "o seguro garantia tem validade de apenas dois anos, o que se mostra incompatível com a natureza da garantia ofertada". A causa apresenta transcendência jurídica, nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT, uma vez que a questão referente à incompatibilidade da fixação de prazo de vigência da apólice do seguro garantia judicial com a efetiva garantia do juízo não se encontra pacificada no âmbito desta Corte Superior. Nos termos do art. 899, § 11, da CLT, acrescido pela Lei 13.467/2017, "o depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial". O dispositivo não impôs nenhuma restrição/limitação quanto ao prazo de vigência da apólice. Nem mesmo a Orientação Jurisprudencial 59 da SBDI-1 desta Corte, ao equiparar o seguro garantia judicial a dinheiro, faz referência ao requisito imposto pelo eg. TRT (prazo de vigência indeterminado). Isso porque, pela própria natureza do contrato de seguro, não há como se estabelecer cobertura por prazo indeterminado. É o que se extrai do artigo 760 do CCB, que dispõe que "a apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário" , e, ainda, da Circular 477, de 30/9/2013, emitida pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, que, em seu art. 8º, regulamentou o prazo de vigência dessa modalidade de seguro. Assim, tendo em vista que, na ocasião da interposição do recurso ordinário (26/02/2018), a reclamada anexou apólice de seguro garantia judicial no valor de R$ 9.189,00, com vigência até 23/02/2020, deve ser reformada a decisão regional. Transcendência jurídica reconhecida, recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST - RR: 111352620165030006, 6ª Turma, Data de Julgamento: 07/08/2019, Data de Publicação: DEJT 09/08/2019, grifo nosso).         

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 . DESERÇÃO DO RECURSO ORDINÁRIO. GARANTIA DO JUÍZO. SEGURO GARANTIA JUDICIAL COM PRAZO DE VIGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE . No caso, a Corte regional entendeu ser cabível a garantia do Juízo por meio de carta de fiança bancária, na esteira do entendimento já consolidado nesta Corte superior, por meio da Orientação Jurisprudencial nº 59 da SbDI-2 do Tribunal Superior do Trabalho. Contudo, na hipótese, "valendo-se da possibilidade que lhe é conferida pelo § 11º do art. 899 da CLT (incluído pela Lei 13.467, de 2017), a recorrente substituiu o depósito recursal pela apólice de seguro garantia de ID 2f5b2e7, com vigência é até 19/03/2021 e cujo limite máximo de garantia é o valor de R$11.945,70" . Diante disso, o Regional não conheceu do recurso ordinário da reclamada, porque deserto, consignando que o seguro garantia judicial apresentado não poderia ser aceito para fins de garantia do Juízo, na medida em que estabelece prazo de vigência limitado. O Tribunal a quo esclareceu que, "apesar de a 1ª ré ter se pautado em permissivo contido na CLT (§ 11º do art. 899), ela não o fez de forma a efetivamente substituir o depósito recursal, considerando todos os aspectos desse pressuposto de admissibilidade recursal, vez que ela não assegurou a manutenção de sua característica principal, consistente na garantia de futura execução total ou parcial e da efetividade do provimento condenatório consubstanciado em obrigação de pagar". Destaca-se que a garantia do Juízo deve ser concreta e efetiva, sendo, assim, incompatível com a fixação de prazo de vigência da apólice do seguro garantia judicial. Com efeito, na hipótese dos autos, da forma como firmada, a garantia se extinguirá em 19/3/2021. Caso a execução se prolongue para além dessa data, o Juízo não estará mais garantido. Nesse contexto, não há afastar a deserção do recurso ordinário da reclamada. Precedentes. Agravo de instrumento desprovido. (TST - AIRR: 110886320175030185, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 18/06/2019, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/06/2019, grifo nosso).                                                   

Como visto, já no âmbito do próprio Tribunal Superior do Trabalho – TST a celeuma sobre essa questão não é pequena.

Finalmente, no mesmo azo dos argumentos iniciais, nos parece ponderada e propícia a consideração de alguns autores2 sobre o tema. Pois, sob o enfoque da prática processual, previram, ainda que sem atentar para a natureza jurídica do contrato de seguro [a garantia não pode ser por “prazo indeterminado”], considerando o seguinte: “[...] é preciso determinar à parte sua renovação antes do vencimento e, em última análise, executar a fiança ou o seguro para evitar o perecimento da garantia”.

Os mesmos autores, contudo, novamente por ignorar [na obra] o requisito objetivo do tempo, da vigência propriamente dita do seguro, sugerem a invenção de mecanismo espúrio, ou o simples atropelo da lei: “Destarte, ou o Juízo irá estabelecer um sistema de controle de prazos para que tal vencimento não ocorra (e deixe a execução sem garantia), ou deverá aceitar somente fianças e seguros por prazo indeterminado3 (sic).”

Assim, em que pese transcorridos quase 2 anos da vigência do § 11 do artigo 899 da CLT, teremos que aguardar a definição, especialmente por parte do TST, sobre qual tratativa, a partir de análises e ponderações como esta, se dará para a questão do “prazo de vigência” do seguro garantia em substituição ao depósito recursal.

3.2. Sobre a majoração de 30% da garantia em relação ao valor do depósito recursal

A segunda questão se trata da exigência do acréscimo de 30% (trinta por cento) no valor da cobertura do seguro, em analogia direta (e, via de regra, sem qualquer fundamento que a ampare) ao artigo 835, § 2º do Código de Processo Civil.

A previsão para utilização de seguro garantia em execução veio, primeiro, no  Código de Processo Civil de 1973 (lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973), que trazia exatamente essa sistemática, que foi introduzida pela lei 11.382, de 6 de dezembro de 2006, a qual efetuou pequena reforma no título processual sobre a fase de execução, dando ao processo civil o caráter de sincretismo nas fases processuais.

É bom gizar que a Lei de Execuções Fiscais, lei 6.830/80, copiou a referida disposição, cujo texto foi inserido no tocante pela lei 13.043, de 13 de novembro de 2014.4

Em suas razões, a lei 11.382/06, durante o processo legislativo5 sobre a criação desse mecanismo de substituição da penhora sobre bens por seguro garantia, com 30% de acréscimo, apresentou, em síntese, a seguinte proposição: as regras relativas à penhorabilidade e impenhorabilidade de bens (atualmente eivadas de anacronismo evidente) são atualizadas, máxime no relativo à penhora de dinheiro;”6

O grifo acima define a circunstância expressa na lei para aplicação dessa condição de majoração da garantia em 30%: substituição de penhora. Nas penhoras iniciais, ou seja, para se garantir o juízo de execução voluntariamente, não se exige essa condição mais gravosa, conforme definiu o Superior Tribunal de Justiça – STJ em diversas ocasiões por meio dos julgados das suas 1ª e 2ª Turmas. Destacando-se a seguinte decisão:

É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual a exigência mais gravosa para o executado relativa ao acréscimo de 30%, na hipótese de substituição da penhora por fiança bancária ou seguro garantia judicial, não se aplica, em princípio, ao caso da penhora inicial, dada a ausência de previsão legal.” (STJ-1ª T., AgInt no REsp n. 1.316.037-MA, Rel. Min. Regina Helena Costa, j. 13/09/2016, grifo nosso).

Mas, conforme o exposto acima, não ficou claro no projeto de lei7 as razões ou motivos da implementação dos 30% a mais na apólice de seguro sobre o valor do débito, independentemente da modalidade de aplicação: em substituição da penhora [hipótese objetiva legal], ou penhora inicial [exceção].

É importante frisar isso!

Ao nosso ver, a referida majoração de 30% (trinta por cento) sobre o valor da cobertura em relação ao valor do débito [sempre para substituir penhora já levada a efeito, se frise] prevista na parte final do indigitado dispositivo legal, se deve a razões de natureza prática.

No processo de execução propriamente dito, há, via de regra, despesas com o próprio processo, como por exemplo, mas sem exaurir eventuais acessórios: custas, emolumentos, honorários, custas finais da execução, ou outras que poderão surgir durante o tempo ainda necessário para se discutir os embargos à execução, etc.

E, não é só! A substituição da penhora visa garantir o juízo para fins de embargos, de modo que, o desfecho do processo será postergado para o futuro, e com a correção e juros legais de 1% ao mês vigentes em nosso sistema (salvo o benefício da Fazenda Pública, que paga juros diferenciados), o valor da dívida no momento da oferta da garantia será, com certeza, majorado quando da sua satisfação.

Todavia, estas questões nos ficam claras, e podem ser suscitadas sem ressalvas quando falamos de execução, ou seja, procedimento no qual já está se exigindo o pagamento, por meio de constrição judicial, de quantia líquida e certa. Pois, no mesmo sentido, não há como se admitir, sem previsão legal expressa, a aplicação da mesma sistemática para o caso do depósito para fins de preparo recursal.

Ora! Conforme a mais simples técnica de hermenêutica, quer seja pela aplicação da regra de interpretação lógica, de contextualização da norma legal, ou pela finalidade da própria norma processual civil, o processo de execução, diferentemente do recurso em fase de conhecimento, como dito, já tem definido o seu valor. Já nasce superando fases e atos que ainda não foram rediscutidos no processo de conhecimento, de modo que, o aumento de 30% do valor da execução servirá para cobrir além dos acessórios apontados, a própria correção monetária e o acréscimo dos juros de mora sobre o crédito já definido.

A simples dedução pela teleologia caminha nesse sentido, haja vista a ausência de motivos específicos no projeto de lei que introduziu o instituto em nosso sistema.

Pois, qual seria a razão de se exigir mais do que se deve? No ato da substituição da penhora de bens pelo seguro garantia não existe, concretamente, nada que justifique essa majoração.

As razões encontradas na jurisprudência são bastante rasas em termos de fundamentação para justificar os 30% a mais, nesse sentido, vejamos:

EXECUÇÃO FISCAL. ISS. PENHORA. OFERECIMENTO DE SEGURO GARANTIA JUDICIAL. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DE PENHORA. ACRÉSCIMO DE 30% PREVISTO NO ART. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 848 DO CPC/2015. Hipótese em que se mostra cabível a substituição de penhora on-line, via BACENJUD, por seguro garantia. Começa que o seguro garantia tem a mesma graduação legal que a penhora em dinheiro, conforme no art. 9º, inc. II, da Lei das Execuções Fiscais e em relação a ambos o art. 15, inc. I, da Lei das Execuções Fiscais faculta, à parte executada, a substituição da penhora por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia. Já, o art. 835, § 2º, do Código de Processo Civil, estabelece que, “Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial”, enquanto que o art. 848, parágrafo único, do Código de Processo Civil, exige, para a substituição de penhora por fiança bancária ou por seguro garantia, que o montante seja acrescido de trinta por cento. Tais disposições são aplicáveis às execuções fiscais em razão do disposto no art. 1º da Lei Execuções Fiscais. Outrossim, embora não se olvide que a fiança bancária vige por prazo indeterminado enquanto o seguro garantia exige renovação periódica, no caso, não se visualiza qualquer prejuízo à Fazenda Pública, já que o seguro garantia contratado prevê que ele não se encerra pelo mero decurso do tempo e exige, para a não renovação, a comprovação do perecimento do objeto segurado. Isso resguarda, sem dúvida, o interesse do credor, no caso a Fazenda Pública. Quanto mais que a garantia ofertada atende ao disposto no art. 848, parágrafo único, do CPC, pois é de valor 30% superior ao do débito. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (TJ/RS, Agravo de Instrumento Nº 70076280494, julg. 20/02/2018, grifo nosso).

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SUBSTITUIÇÃO DE FIANÇA BANCÁRIA POR SEGURO GARANTIA. POSSIBILIDADE, PORQUE A APÓLICE TEM ACRÉSCIMO DE 30% DO VALOR ATUALIZADO DA DÍVIDA (ART. 835, § 2º DO CPC). VIGÊNCIA POR PRAZO DETERMINADO QUE NÃO OBSTA SUA ACEITAÇÃO, EM RAZÃO DA POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÃO E DE SUBSTITUIÇÃO. OBRIGAÇÃO DO EXECUTADO DE MANTER O SEGURO ATIVO, SOB PENA DE ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. PRECEDENTES. RECUSA INJUSTIFICADA DO EXEQUENTE. RECURSO DESPROVIDO. "[.] 2. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SUBSTITUIÇÃO DE FIANÇA BANCÁRIA POR SEGURO GARANTIA. POSSIBILIDADE, PORQUE A APÓLICE TEM ACRÉSCIMO DE 30% DO VALOR ATUALIZADO DA DÍVIDA (ART. 835, § 2º DO CPC). [...] 2. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SUBSTITUIÇÃO DE FIANÇA BANCÁRIA POR SEGURO GARANTIA. POSSIBILIDADE, PORQUE A APÓLICE TEM ACRÉSCIMO DE 30% DO VALOR ATUALIZADO DA DÍVIDA (ART. 835, § 2º DO CPC). VIGÊNCIA POR PRAZO DETERMINADO QUE NÃO OBSTA SUA ACEITAÇÃO, EM RAZÃO DA POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÃO E DE SUBSTITUIÇÃO. OBRIGAÇÃO DO EXECUTADO DE MANTER O SEGURO ATIVO, SOB PENA DE ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. PRECEDENTES. RECUSA INJUSTIFICADA DO EXEQUENTE. RECURSO DESPROVIDO."[...] 2. A jurisprudência do STJ, em atenção ao princípio da especialidade, era no sentido do não cabimento, uma vez que o art. 9º da LEF não contemplava o seguro-garantia como meio adequado a assegurar a Execução Fiscal. 3. Sucede que a Lei 13.043/2014 deu nova redação ao art. 9º, II, da LEF para facultar expressamente ao executado a possibilidade de "oferecer fiança bancária ou seguro garantia". A norma é de cunho processual, de modo que possui aplicabilidade imediata aos processos em curso. [...]"(STJ - REsp 1.508.171/SP, rel. Min. Herman Benjamin, j. 17.3.2015)."Ademais, o prazo de vigência do seguro-garantia não se constitui em óbice para sua aceitação como garante da execução fiscal, vez que poderá ser renovado, ou mesmo substituído, a qualquer tempo". (AI n. 0155199-50.2015.8.24.0000, de São Francisco do Sul, rel. Des. João Henrique Blasi, Segunda Câmara de Direito Público, j. 19-4-2016) (TJ-SC - AI: 40305061820188240000 Blumenau 4030506-18.2018.8.24.0000, Relator: Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, Data de Julgamento: 18/06/2019, Primeira Câmara de Direito Público)

A doutrina, por seu turno, cita objetivamente a correção da dívida como justificativa para a majoração do valor do seguro [explicitando a fiança, com mesma abordagem para o seguro], como cita, por exemplo, Araken de Assis8: “[...] o valor da fiança, já superior em trinta por cento ao valor da execução, contemplará os eventuais reajustes monetários da dívida em execução pelo respectivo índice [...].”

Assim sendo, por essa análise fica difícil compreender, de forma didática e científica, como se pode exigir o acréscimo de 30% sobre o valor da garantia em apólice de seguro para fins de depósito recursal!

Considerando as técnicas de hermenêutica - e aqui a regra gramatical de interpretação seria, a nosso ver, a mais indicada, pois, como sondado, não existem motivos na formulação da lei que justifiquem essa questão de aumentar em 30% o valor da cobertura do seguro -, não se pode admitir que a jurisprudência, nesse caso, literalmente“ invente” um requisito a mais do que o texto legal previu.

Outrossim, a comparação entre sistemas, civil – fiscal – trabalhista, também aponta para a não possiblidade da aplicação de tal circunstância na esfera trabalhista.

Ora, naqueles sistemas a exigência tem tempo oportuno (no ato da penhora, que se dá no processo de execução já levado a cabo), e modo específico (substituição de bem, ou numerário indispensável para sobrevivência ou manutenção do executado, penhorados) para ocorrer, e fazer sentido em sua concreção.

No sistema trabalhista estamos falando de preparo para recurso.

Na prática, na maioria dos casos, o recurso é interposto contra uma decisão de primeira instância ainda não liquidada, sujeita ao duplo grau de jurisdição, que, não raro, será modificada pelo Tribunal.

Somente essa consideração deixa claro que, sob outra forma de intepretação, ou seja, a teleológica, no sistema trabalhista a finalidade do seguro é diferente daquela encontrada nos sistema civil e fiscal, quer seja pelo momento em que esse instituto será utilizado; quer seja pela instrumentalidade específica que o legislador [embora fazendo remissão indelével ao sistema civil, aqui, no sistema trabalhista] deu à norma quando da sua criação.

Logo, entendemos também que, sem a alteração do texto legal, não há como se entender como válida a exigência de que a apólice de seguro garantia para fins recursais tenha cobertura de 30% a mais que o valor definido para o respectivo depósito recursal.

4. Conclusão

A análise da questão proposta, considerando a construção da norma, sua inegável comparação e repetição do mesmo instituto aplicado no direito civil, e também na área tributária, demonstra diferenças objetivas em relação ao sistema trabalhista.

Pela notória deficiência da técnica legislativa que deu origem à lei 13.467/17, os intérpretes trabalhistas, visando a “garantia” da execução, motivada certamente pelo enfoque da mola mestra do Direito do Trabalho (Princípio da Proteção), estão, quando não ignorando, confundindo conceitos e institutos, produzindo um novo instituo teratológico no processo do trabalho, que dadas as exigências de “prazo indeterminado” e “majoração de 30%” no seguro garantia para fins de recurso, teremos, certamente, a inviabilidade prática de tal medida.

Contudo, medidas técnicas decorrentes da circular 477/13 da Susep já resolveram, sob o prisma da finalidade, a questão do prazo.

Infelizmente os tribunais trabalhistas ainda não se debruçaram sobre a referida norma regulamentadora desta modalidade de seguro para entendê-la, permitindo, como em todo o sistema que a utiliza, a sua adequação e instrumentalização autônomas, que sempre se mostraram eficientes nos demais campos do direito. 

Mas, mais difícil é superar os entraves e discrepâncias acerca da exigência de cobertura em 30% superior ao valor do próprio depósito recursal. Uma vez que, conforme demonstrado, tal exigência só encontra lugar no caso de substituição de penhora, cujo momento processual, finalidade, eficácia e alcance não guardam similitude com o preparo para interposição de recursos no processo do trabalho.

Nessa perspectiva, entendemos que, para validação da garantia para recurso, basta que a apólice tenha cláusula de renovação obrigatória; ou a auto execução, com pagamento da indenização pela seguradora em favor do segurado diretamente no processo, para que, independentemente da sua vigência, seja aceita como válida para a finalidade proposta pela norma que inseriu esse instituto no ordenamento processual trabalhista.

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1 “Cláusula 4.1: A renovação da apólice deverá ser solicitada pelo tomador, até sessenta dias antes do fim de vigência da apólice.

2 MARTINS, Antero Arantes. Reflexões sobre a reforma trabalhista / Antero Arantes Martins, Christina de Almeida Pedreira. São Paulo: Ed. Scortecci, 2017, ps. 167-8.

3 Ibid., p. 168, 1º par.

4 Esta lei se trata da conversão da Medida Provisória n.º 651 de 2014, que tratou de matéria tributária.

5 Era o PL 4497/2004, apresentado pelo então Ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos.

6 Disponível em: Clique aqui, acessado em 1.10.2019 – 15:11 h.

7 No âmbito tributário, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional exige a garantia com excesso de 30% para posterior discussão da dívida em embargos à execução, conforme Portaria PGFN nº 1.153, desde 2009, oque citamos apenas a título de informação, sem se aprofundar no assunto por evidente impertinência para o tema ora tratado.

8 ASSIS, Araken de. Manual da execução. – 19 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2017, p. 1065.

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1. ASSIS, Araken de. Manual da execução. – 19 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2017.

2. Carrion, Valentin. Comentários à consolidação das leis trabalhistas: legislação complementar, jurisprudência/ Valentin Carrion; atualizado por Eduardo Carrion. – 42. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

3. Cassar, Vólia Bomfim. Comentários à reforma trabalhista/ Vólia Bomfim Cassar, Leonardo Dias Borges. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. Inclui Bibliografia

4. Cordeiro, Wolney de Macedo. Execução no processo do trabalho / Wolney de Macedo Cordeiro – 3. ed. rev. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

5. Delgado, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho/ Mauricio Godinho Delgado. 17. ed. rev. atual e ampl. – São Paulo: LTr, 2018.

6. DIDIER Jr. Fredie. Novo código de processo civil: comparativo com o código de 1973 / Fredie Dididier Junior, Ravi Peixoto. Salvador, Ed JuPodium, 2016.

7. FERRAZ Junior, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 11. Ed.. – São Paulo: Atlas, 2019.

8. Giglio, Wagner D. Direito processual do trabalho / Wagner D. Giglio, Claudia Giglio Veltri Corrêa. – 16. ed. ver., ampl., atual. e adaptada. – São Paulo: Saraiva, 2007.

9. Leite, Carlos Henrique Bezerra.  Curso de direito processual do trabalho/ Carlos Henrique Bezerra Leite. – 7. ed. – São Paulo: LTr, 2009.

10. MARTINS, Antero Arantes. Reflexões sobre a reforma trabalhista / Antero Arantes Martins, Christina de Almeida Pedreira. São Paulo, Ed. Scortecci, 2017.

11. Nascimento, Amauri Mascaro, 1932 – Curso de direito processual do trabalho / Amauri Macaro Nacimento. – 20. ed. ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2001.

12. NERY Junior, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação extravagante / Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. – 11 ed. rev. e atul. Até 17.2.2010, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2010.

13. Reforma trabalhista: reflexões e críticas/ Nelson Mannrich, coordenador. – 2. ed. – São Paulo: LTr, 2018. Vários autores.

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*Clobson Fernandes é advogado da C. Fernandes Assessoria

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