Migalhas de Peso

Nem tudo cabe no Poder Judiciário! Nem tudo pode o Poder Judiciário!

Os juízes não se podem transformar em conformadores sociais nem é possível, em termos democráticos processuais, obrigar jurisdicionalmente os órgãos políticos a cumprir um determinado programa de acção.” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed., São Paulo: Almedina, 1997, p. 912).

1/10/2019

Acesso à Justiça – uma garantia, quer dizer, mais um estandarte desfraldado pelo constituinte Prometeu (CF, art. 5º, XXXV) – não significa nem onisciência, nem onipresença, nem, muito menos, onipotência do Judiciário. Tais, aliás, seriam atributos de uma divindade; não de uma instituição humana. A Justiça, na verdade, nem conhece ou deve conhecer todos os assuntos do mundo da vida; nem está ou deve estar em todos eles; nem tem ou deve ter poder sobre tudo. Há coisas simplesmente que lhe escapam; há temas que não cabem numa demanda judicial; há, enfim, assuntos que não comportam solução judiciária. E é bom que seja assim; antes, é necessário que seja assim, assim como é mais do que necessário, hoje, fixar limites a essa judicialização desabrida; e, dentro do que é judicializável, limites ao criacionismo judicial, ou, se se preferir, comm’est à la mode, ao seu ativismo. Trata-se, é certo, de fenômenos distintos; mas é muito certo também que eles se co-implicam e se alimentam reciprocamente: a primeira, com efeito, estimula o segundo; e o segundo, por sua vez, a primeira, num circuito vicioso, movido pela crença – que o publicismo espargiu – de que o Judiciário pode resolver tudo, nem que seja praeter, ultra ou até mesmo contra legem.

A separação de poderes (CF, art. 2º) é – ainda é, ou deveria ser – o grande limite material à judicialização. A razão disso é palmar (e tão antiga quanto singela): a Justiça não julga o futuro (é um erro, aliás, cogitar-se de julgamento de coisas futuras; quanto ao futuro, delibera-se); a Justiça não julga, portanto, o que ainda não aconteceu; o que ainda não entrou no reino dos fatos; o que ainda não se materializou; do contrário, haveria violação ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório; ela só julga in abstracto, e como exceção, em sede de jurisdição concentrada, na qualidade de legislador negativo. Justiça, enfim, não é pitonisa; não joga os dados babilônicos; nem faz demiurgia; ela avalia o passado – o que já não é pouco. Esse é o sentido temporal da separação de poderes e da repartição de competências entre as funções estatais: o legislador dispõe para o futuro; o administrador atua no presente; e o juiz julga o pretérito. A desordem começa quando essa ordem lógico-cronológica é subvertida; é quando se introduz o princípio macunaímico (de corrosão interna do sistema) e o sinal verde para toda brejeirice e licenciosidade jurídica. Só a lei, no entanto, pode excepcionar essa repartição de competências: só a lei, com efeito, pode dizer quando o juiz fará o papel de legislador; quando o legislador fará o papel de juiz; quando o executivo será legislador etc.

Não pode, então, o Poder Judiciário, v.g. – e o exemplo é de manual de primeiro ano de tirocínio –, adiantar-se ou antecipar-se ao campo meritório de atos administrativos acerca de políticas públicas ou institutos regulados. Não pode, mais precisamente, como é muito comum no foro – notadamente em ações civis públicas com pedidos abertos e condicionais –, servir de aferidor de índices de qualidade de determinado segmento econômico. Antes de mais nada, e já pelo aspecto puramente pragmático, o Poder Judiciário não dispõe de aparelhamento para isso (nem de expertise); os serviços as mais das vezes são contínuos, de modo que não seria razoável proceder-se a aferições técnicas (perícias notadamente) periódicas no processo; do contrário, como facilmente se intui, o processo não teria fim; antes, estaria sempre a recomeçar, e a começar de novo, numa projeção ad infinitum de Tom atrás de Jerry; as lides, com isso, seriam eternas; mas toda lide deve ter começo, meio e fim; processo é um fotografia, não é um filme; julga-se o passado, um fato certo, já ocorrido. E um pleito deduzido em juízo deve caber nesse pressuposto temporal; é legítima a condenação num facere quando esse facere diz respeito ao passado, a algo que já deveria ter sido feito, no tempo ajustado, mas não o foi; não a um facere futuro, totalmente novo, e que se renova, num trato sucessivo. O que está in fieri – em processo de atualização, e isso não é mais do que estar no presente –, é da competência do Executivo. É por isso, aliás – e aqui temos outra razão jurídica –, que a lei veda sentenças condicionais: se acontecer A, então será B (CPC/15, art. 492, pu). Isso não cabe; non datur!

Outro limite material à judicialização, na sequência desse raciocínio: não pode o Poder Judiciário, num setor regulado, dentro de uma economia de mercado, marcada pela concorrência, paralisar, suspender ou encerrar a atividade econômica de uma empresa, salvo em hipóteses excepcionalíssimas – e por prazo determinado –, previstas em lei, envolvendo: (i) risco de vida ou de danos à saúde; (ii) incolumidade física de pessoas; (iii) comprovada prática de infração penal. Ainda assim a lei é expressa ao dispor que eventual suspensão deve ser feita administrativamente (CDC, art. 56, VI; decreto Federal 9493/18, art. 74; decreto Federal 6296/07, art. 11, III; v.g.), salvo na hipótese em que comprovadamente a empresa se estabeleceu para praticar crimes (CPP, art. 314, VI). A razão também aqui é elementar: não se trata, nessas hipóteses, de demandas individuais propriamente, a envolver apenas a parte autora e a empresa, enquanto ré; quando o magistrado alija do mercado uma empresa regularmente constituída de acordo com as leis, pagadora de tributos e em pleno funcionamento ele interfere na concorrência, na competição e na própria configuração do mercado; mas ele não dispõe de elementos para isso; ele não olha, nem tem condições de olhar, para a grande figura; e não mede, nem tem condições de medir, as consequências sistêmicas de seu ato. Como, aliás, se isso fosse possível, uma empresa alijada judicialmente do mercado eventualmente retornaria depois a operar? Seria necessária uma autorização judicial? Mas isso, além de jamais visto, seria flagrantemente inconstitucional (CF, art. 170): o Poder Judiciário não é instância competente para habilitar ou desabilitar a ninguém do exercício de uma liberdade.

Da judicialização (e haveria ainda muitos exemplos do que o Poder Judiciário não pode julgar, tais como questões interna corporis de Poderes da República; anular contrato que contenha cláusula compromissória etc), agora, ao ativismo. E, aqui, um passo atrás e um juízo de contenção são necessários. O passo atrás diz com a legalidade esmaecida; e o juízo de contenção, com o carnaval acadêmico, como consequência disso, em que se converteu o ato de interpretar. O mundo, é claro, não é mais cartesiano; e separação de poderes e legalidade são noções hauridas daquele tempo. A lei, objetam os doutos publicistas, como ato de previsão – e não propriamente como um ato de poder – não dá conta e concreção da complexidade da vida. Mas esse argumento é a dança do pavão real cheio de purpurina retórica; e o mais grave: encobre a essência da lei – notadamente da lei na sua acepção moderna; porque ela foi concebida para limitar o poder; se, então, na arenga dos doutos, ela não serve mais para isso, o que se tem, na verdade, é uma reação à lei, isto é, o que se tem é um movimento reacionário que postula por mais poder; e foi o que efetivamente aconteceu e o que se conferiu historicamente ao Executivo. Mas como este, em seu gigantismo, e em seus devaneios mais monstruosos, se auto implodiu – ao menos em termos de credibilidade, porque, na prática, esse Leviatã continua muito vivo –, só sobrou o Poder Judiciário para sustentar as três Parcas do Poder; só sobrou o Poder Judiciário para sustentar a pauta publicista de estatismo e intervencionismo. Então o magistrado, como a própria etimologia já o diz (magistratus, de magister, “chefe, superintendente, mestre”, que, por sua vez, vem de magis, “mais”, comparativo de magnus, “grande”; magis, “mais, grande” + ter, “sufixo comparativo” + tratus, “indica que recebeu a ação”), é, hoje, quem pode mais. Na origem, portanto, enfraquecer a lei foi o grande ardil do publicismo.

Não obstante, era necessário um arsenal teórico que justificasse tudo isso. E aí chegamos ao mare magnum da interpretação, e a todo tropicalismo tupiniquim que erigimos em torno desse ato. É claro que ser é interpretar; é claro, também, que, estando no mundo, estamos irremediavelmente dentro do círculo hermenêutico; tudo isso é muito belo e certo; mas esse não é o ponto; o ponto é que o juiz (um terceiro), quando interpreta, exerce um ato de poder, um ato de autoridade; e todo poder, numa República, deve ser, por definição, limitado – e limitado por lei; afinal, as próprias partes, quando, v.g., firmam e executam um contrato, também já o interpretaram – sempre presumidamente de boa-fé. Não obstante, não é incomum no foro, após a extinção de uma relação contratual (portanto ex post facto), que o que era uma coisa vire outra, por puro exercício de interpretação. As partes ajustaram, v.g., um vínculo de franquia; executaram-no como franquia; prestaram suas respectivas prestações como se fora franquia; ganharam, cada qual, com a franquia; nenhuma delas, aliás, jamais duvidou ou questionou em relação a outra ao longo da relação que não se tratasse realmente de uma franquia; nunca ponderou nada em sentido contrário; e eis que, ao improviso, extinto o vínculo, o contrato já não teria sido realmente de franquia, mas, sim, de representação comercial, ou trespasse, ou agência – ou qualquer outra coisa, pois a via de escapismo é farta. Então vem o magistrado, mais sapiente, e, mergulhando na economia do que foi ajustado, pinça princípios acadêmicos e altera a sorte do que foi ajustado - em nome da vulnerabilidade; em nome do nosso incurável getulismo; em nome de Macunaíma; o que faz ele aí, na prática, senão sociologia ou justiça distributiva? O que faz ele, aliás, senão estimular novas aventuras no futuro? O que faz ele, enfim, senão potencializar expectativas de novos ganhos? Assim (também) nascem as indústrias de ações; elas resultam da soma entre judicialização – isto é, do estímulo à corrida ao Poder Judiciário – e criacionismo judicial – isto é, o poder do magistrado, quase sacerdotal, de dizer o que é segundo o que lhe parece.

Para além, então, de todos os métodos e critérios de interpretação – a começar pelo gramatical-semântico, tão apequenado hoje (o que, aliás, do ponto de vista sociológico, até se compreende, porque o processo deliberado ou, ao menos, consentido, e até ridicularizado, de estropiação da língua portuguesa vem impunemente de muito tempo) –, é necessário erguer dois postulados hermenêuticos. O primeiro é: não faça o juiz poesia social pro populo e pro midia; quer fazer poesia, quer externar sua visão de mundo, suas crenças, seus medos, suas angústias, suas fantasias, quer externar, enfim, à sociedade, sua reserva mental, vire, então, poeta, e faça disso a sua vida, a sua razão de existir, e se engaje de corpo e alma nessa atividade; ou faça-o, ao menos, nas horas livres, no encerro do lar; não na sentença; sentença não é lugar de poema. E o segundo é: não faça o juiz rocamboles principialistas; e nisso a constatação de Descartes ainda remanesce bem atual; de fato, todas as coisas entendidas clara e distintamente – e isto quer dizer, sem forçar ou contorcer a natureza das coisas, o bom senso, ou mesmo a paciência alheia – são verdadeiras; o que vem impregnado de latinálias, prosopopéias, rococós, barroquismos e circunlóquios retóricos soa, com efeito, prima facie, além de prolixo e maçante, artificial e falso. A Justiça, já o dissera Calamandrei, é monossilábica (só depois ela é motivada).

Para nos encaminharmos, então, para uma conclusão, e indo direto ao ponto: o discurso dos princípios é um discurso estratégico e ideológico (nada velado) de legitimação e ampliação do poder. Afinal, se a lei, hoje, vale muito pouco; se os governos são o que são; e se, ipso facto, atribui-se, de modo crescente, ao Poder Judiciário o papel de Moderador da República, passando a ocupar o espaço vazio (de descrédito e abusos) deixado pelos outros poderes; isso se opera, na prática, por meio desse discurso principialista – forjado, sobretudo, nas universidades. De fato, a primeira função dos princípios – e os há para todos os gostos – é a de publicizarem as relações; ou seja, a de trazer o Poder Público para o interior, a economia e o conteúdo delas. Dizer, v.g., que o contrato tem uma função social; que a propriedade tem uma função social (e o último pan principialismo que nos chegou aos ouvidos é o da propriedade sócio-ambiental); que tudo, enfim – até aquilo que concerne ou deveria concernir essencialmente ao indivíduo, como projeção de sua personalidade –, tem um ônus social, quer dizer, antes de mais nada – o que quase nunca é dito –, que o juiz, se lhe parecer bem, poderá, da torre do seu gabinete, intervir na relação, para amoldá-la à realidade que entender mais adequada. Vulnera-se, então, a partir disso, o pacta sunt servanda, como se ele fosse pecado pequeno burguês; assim como se vulnerou a lei, como se fosse algo anacrônico; quando era apenas o início da liberdade.

É claro que, na cátedra, ou no livro, ou no simples palavrório de botequim, tudo parece sedutor nesse discurso rarefeito que magnetiza o acadêmico – e já formou gerações de operadores. Mas, na prática, as consequências não são inofensivas. Na prática, o principialismo solapa, com esteio em requintada base teórica, os alicerces da separação de poderes e promove a erosão da legalidade; na prática, é ele que abre todos os flancos para o queremismo judicial; na prática, é ele que confere onisciência, ubiquidade e onipotência ao Poder Judiciário, e permite que ele – cada vez menos julgador, isto é, cada vez menos a debruçar-se sobre casos concretos – funcione ora como legislador, ora como administrador responsável pela implantação de políticas públicas, seja de primeiro grau – inovando, efetivamente, na ordem jurídica –, seja de segundo grau – fixando, definitivamente, em caráter normativo, aquilo que já fora estabelecido antes pelo legislador ou pelo executivo1; com isso, e na prática, tem-se que a República se ergue e se constitui à sombra do signo da incerteza, e o que é, ou o que foi, não vale, não com segurança, até a revisão final pelo VAR do Poder Judiciário.

O problema, é claro, não está nos princípios; eles são meramente instrumentais. O problema está nessa incontinência publicística; nessa canonização do culto de que o Poder Público deve intervir em tudo; no fato de que, na Constituição-(Rio)-Babilônia de 1988, os juízes viraram celebridades que aparecem na televisão: do juiz, então, que era a boca que pronunciava as palavras da lei, chegamos ao juiz que se converteu na boca que inventa, com arte, as palavras da lei; o problema está no fato de a vida ser definida nos gabinetes, quando há muito mais vida que Direito e muito mais conhecimento que conhecimento jurídico; o problema está em se reduzir a democracia à democracia do Poder Público, dos agentes políticos, dos partidos políticos, dos sacerdotes da sociedade, quando não há mais espaço hoje para outra democracia senão a democracia do cidadão – Häberle já o disse: não há retorno a Rousseau; o problema, enfim, está nessa trivialização de se entender a palavra liberdade, “relacionando-a primariamente ou exclusivamente ao direito e à política” (Ortega y Gasset, in “Origem e Epílogo da Filosofia”). A história, aliás, já nos deu exemplos mais do que fartos acerca do erro em se supor que a política, na sua acepção mais alta, pode transformar o mundo; nenhum afeto vem por decreto; só por educação, cortesia, respeito e expansão da consciência. Só o indivíduo pode salvar-se (Carl Jung), nem que, para tanto, ele tenha antes que se perder (Assim falou Zaratustra). Ninguém pode fazer isso por ele. Associa-se, no entanto, o indivíduo ao capitalismo – o que está certo; e a todos os seus males – o que está errado (o problema maior, como resta claro a essa altura dos acontecimentos, não está na luta de classes; aliás, como reporta Laurent Alexandre, “un ouvrier de 2019 vit mieux que Louis XIV”, le Roi Soleil; a própria classe operária, numa tendência mundial que não é um sintoma fortuito, já não digere mais esse discurso; o problema, enfim, está na exploração do homem pelo Estado; o Estado (o Poder) é (e sempre foi) o grande perigo; o Estado, afinal – ou alguém ainda duvidaria disso? – é o maior genocida da história; e, in terrae brasilis, os números do Estado, também nesses últimos 30 anos, ainda deverão ser passados a limpo à sociedade).

Seja como for, consta que, entre nós, esse medo (de tentar ser livre e fazer por si) é absolutamente infundado; na prática, nunca houve capitalismo no Brasil, nem acanhado; só estatalismo; só o arraigado e entranhado compadrio entre o poder econômico e o poder público (de direita ou de esquerda), que não vive sem mimos e regalias. Esse é o diagnóstico, tão simples e tão vulgar, da nossa marcha histórica. Condenamos, então, por antecipação, um fantasma. Sendo assim, a nossa literatura não precisa mais temê-lo. É hora, pois, de começarmos a escrever novas letras: sem vitimismo; sem chorar o paraíso perdido; sem fórmulas prontas, dirigentes, encartilhadas, mofadas, murchas e falidas de um mundo perfeito pré-fixado por alguém pretensamente mais sábio; sem culto à pobreza e à ignorância (que tanto fizeram a glória da nossa política e literatura; desta, aliás, não mais hoje, é certo, que há muito tempo já não se lê mais nada; as editoras estão quebrando e as livrarias estão fechadas); sem óperas e panegíricos do malandro; sem querer explodir Manhattan (pra que isso?); sem poesia “funcionária pública” (e quanto falta nos faz aqui um Walt Whitman; a poesia, afinal, é uma secreção espontânea da sociedade); que seja uma literatura tônica, afirmativa, libertária; que desperte a vontade; que enrijeça os músculos e nos mobilize a agir; que alimente a imaginação e o pensamento; que cuide bem da palavra; que aguce nosso olhar para frente e para cima; que acredite na força criativa do indivíduo; que venha, enfim, até 2022, com mais de cem anos de atraso, a nossa Modernidade; e que ela seja sensata, séria, luminosa e próspera. O nosso Brasil (o Brasil dos autores deste texto) cabe muito bem na confissão de Ortega y Gasset sobre a Espanha do seu tempo (do caricato latino, viril, machista e toureiro): ele “significa para mim uma altíssima promessa que só em casos de extrema raridade se fez cumprir. Não, não podemos seguir a tradição; muito pelo contrário; temos de ir contra a tradição, ir além da tradição” (in “Meditações do Quixote”).

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1 - O catálogo de exemplos desse impulso demiúrgico é mais vasto que o célebre catálogo das naus na Ilíada: então o Poder Judiciário cria novos tipos penais (STF, ADO 26/DF, Rel. Min. Celso de Mello, decisão: 20/2/2019; MI 4.733/DF, Rel. Min. Edson Fachin, decisão: 21/2/2019); então descriminaliza outros (STF, RE 635.659/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão: 10/9/2015; STF, ADI 4.274, Rel. Min. Ayres Britto, j. 23/11/2011); então admite prisão sem decisão condenatória transitada em julgado (STF, HC 152.752/PR, Rel. Min. Edson Fachin, j. 4/4/2018) – essa extravagância, injustificável que seja nos dias de hoje, consta da Constituição (ou seja, ela própria funciona aqui mais uma vez como âncora ao progresso); então altera a ordem de vocação hereditária (STF, RE 878.694/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 10/5/2017); então define estados civis (STF, ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 5/5/2011); então fixa critérios para fidelidade partidária (STF, ADI 5.081, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 27/5/2015; STF, MS 26.602, Rel. Min. Eros Grau, j. 4/10/2007; STF, MS 26.603, Rel. Min. Celso de Mello, j. 4/10/2007;  STF, MS 26.604, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 4/10/2007); então estabelece regras para o processo de impedimento (STF, ADPF 402/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 7/12/2016); então cria hipótese de cabimento de recurso (STJ, Corte Especial, RESP 1.696.396/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19/12/2018); então cria indenização punitiva (STJ, 3ª Turma, REsp 1.643.365/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 5/6/2018; STJ, 3ª Turma, REsp 1.221.756/RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 2/2/2012); etc. Além de legislar, o Poder Judiciário também administra, ao promover políticas públicas, tal como na questão das células-tronco (STF, ADI 3.510/DF, Rel. Min. Ayres Britto, j. 29.05.2008), dos anencéfalos (STF, ADPF 54/DF, Min. Rel. Marco Aurélio, j. 12/4/2012), dos indultos natalinos (STF, ADI 5.874, Rel. Min. Roberto Barroso, decisão: 9/5/2019), da delimitação de terras indígenas (STF, ADI 6.062, Rel. Min. Roberto Barroso, decisão: 23/4/2019), etc.

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*Bruno Di Marino é mestre em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional, sócio do escritório Basilio Advogados

*Álvaro Ferraz é mestre em Direito Processual Civil, especialista em Direito Processual Civil, e advogado sênior do escritório Basilio Advogados

 

 

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