Migalhas de Peso

Jus postulandi na resolução 174/16 do CSJT: vedação ou esquecimento?

Com base na argumentação aqui traçada, fica evidente que a resolução 174/16 do CJST não fez qualquer vedação ao jus postulandi nas causas submetidas ao CEJUSC-JT, em verdade o tema nem sequer foi diretamente abordado na resolução.

23/9/2019

O fenômeno da mediação/conciliação na Justiça do Trabalho possui suas raízes na própria CLT, a qual exige a necessidade da realização da proposta de conciliação em dois momentos processuais, sendo uma logo em seguida a abertura da audiência, art. 846 e a segunda após aduzidas as razões finais pelas partes, art. 850 da CLT, ensejando nulidade do julgamento a inocorrência das mencionadas propostas. Assim, é praxe na Seara Trabalhista a provocação das partes para a composição amigável de seu conflito processual.

De toda forma, a Justiça Trabalhista, assim como a Justiça Comum, comunga da nova roupagem do Poder Judiciário, mergulhado num olhar de sistema multiportas, que preza pelo reconhecimento de que as lides podem encontrar várias formas adequadas para solução dos conflitos à ela inerentes, reconhecendo como parte da estrutura do serviços prestados o universo conciliatório, exigindo, inclusive, ambiente apropriado e técnicas específicas, conforme previsto no art. 3°, §3º do CPC e na resolução 125/10 do CNJ, visando um maior êxito no número de acordos homologados.

Seguindo o paradigma da cultura da pacificação, o C. CSJT editou a resolução 174/16, que dispõe sobre a política judiciária nacional de tratamento adequado das disputas de interesses no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista, nos termos da determinação exarada no artigo 18-B da resolução 125/10 do CNJ.

Noutra ponta, repleta de nuances próprios, a Justiça Especializada na Seara Trabalhista também possui regra específica quanto a possibilidade do jus postulandi, art. 791 da CLT, viabilizando que o processo siga seu trâmite com o impulso realizado pelo reclamante, mediante atermação de seu conflito sem o patrocínio de um advogado.

Cumpre destacar que o jus postulandi sempre se mostrou uma ferramenta importante nas mãos da classe trabalhadora no que tange à busca de seus direitos, já que autoriza ao reclamante postular em juízo sem a intermediação de um advogado. Ocorre, no entanto, que a resolução 174/16 do CSJT, nos termos do §1° do artigo 6°, apresenta uma regra que, aparentemente, convizinha proibir o jus postulandi nos CEJUSC-JT (Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas). Senão, vejamos:

art. 6º (…)
§ 1º. As sessões de conciliação e mediação realizadas nos CEJUSC-JT contarão com presença física de magistrado, o qual poderá atuar como conciliador e mediador e supervisionará a atividade dos conciliadores e mediadores, estando sempre disponível às partes e advogados, sendo indispensável a presença do advogado do reclamante. (Grifo nosso)

O parágrafo acima transcrito dá margem a duas interpretações possíveis: (1) Fica vedado o jus postulandi para os reclamantes em audiências realizadas no CEJUSC-JT; (2) Os reclamantes que tiverem advogado constituído nos autos não podem comparecer nas audiências do CEJUSC-JT sem seu respectivo patrono.

Diante de referida situação infere-se que, ou a resolução do CSJT de maneira genérica acabou exigindo a presença de advogado para os reclamantes nas audiências realizadas no CEJUSC-JT, inovando a legislação pátria, ou o jus postulandi não foi objeto daquela resolução, tendo o mencionado parágrafo primeiro o objetivo exclusivo de garantir a presença nas audiências do patrono dos reclamantes que postulam com advogado com procuração nos autos.

Partindo de uma interpretação literal, o texto do §1° do artigo 6º da resolução 174/16 do CSJT não veda expressamente a parte de postular desassistida de advogado, mas destaca que a presença do advogado do reclamante é indispensável, de onde se depreende que o reclamante que tiver advogado constituído nos autos não pode participar da solenidade sem a presença de seu patrono, o que é realmente uma prerrogativa da advocacia, ainda mais em tempos de um paradigma de Justiça pautado na Cultura da Paz e estimulado pelos princípios de uma advocacia colaborativa.

Destarte, o reclamante que optou por acessar o Poder Judiciário sem a presença de um advogado, exercendo seu direito do jus postulandi previsto no art. 791 da CLT e baseado no direito fundamental previsto no art. 5º, inciso XXXV da CRFB/88, não deve ser enquadrado na parte final do texto expresso no §1º do art. 6º da resolução 174 do CSJT. Em verdade, qualquer interpretação tendente a vedar o jus postulandi nas audiências do CEJUSC-JT viola frontalmente os princípios que alicerçam o Direito Trabalhista, além de violar a hierarquia das normas, uma vez que contraria previsão legal expressa no art. 791 da CLT.

Frisa-se que não é possível extrair um risco evidente para a parte em jus postulandi que a iniba de usufruir dos benefícios das audiências ocorridas no CEJUSC-JT e que a submeta a experienciar tão comente as audiências nas Varas de Trabalho, pois todos os componentes que a parte terá nas Varas de Trabalho (presença de um juiz, técnica jurídica e prestação jurisdicional de qualidade) também terá na audiência de conciliação e mediação realizada no CEJUSC-JT e, ainda, contará com as demais conquistas implementadas com um ambiente mais harmônico, um contato mais humanizado e a possibilidade de compreender mais facilmente o caminhar de seu processo.

Nesta senda, não há dúvidas de que no que pertine à supervisão do magistrado nas audiências realizadas no CEJUSC-JT e nas realizadas nas Varas do Trabalho a prestação jurisdicional se equivale.

Não é demais pontuar que, em regra, as ações de jus postulandi são de baixa complexidade, com pleitos como de anotação na CTPS, pagamento de verbas rescisórias ou de diferenças de verbas rescisórias, cobranças de ausências de depósitos em conta vinculada ao FGTS, entre outros. Esse tipo de reclamação trabalhista tem valor econômico quase inexpressivo, fato que muitas vezes não desperta o interesse de boa parte dos advogados, razão pela qual a utilização do jus postulandi pelo reclamante se mostra uma ferramenta eficaz, ou até mesmo última, para se alcançar a Justiça, materializando o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF) para além de sua vertente formal perante os Órgãos Judiciários, alcançando o acesso à ordem jurídica justa e, acrescenta-se, igualitária para todos os jurisdicionados, assistidos ou desassistidos por um advogado.

Com este cenário, o atendimento do reclamante em jus postulandi acaba sendo ainda mais célere do que se tivesse que aguardar a pauta das Varas do Trabalho, tendo sua sua audiência agendada com outras em fase de instrução, que muitas vezes oscilam em seu tempo de concretização, podendo levar a remarcação da audiência da parte em jus postulandi, postergando seu tempo de espera na prestação jurisdicional, sem contar que o desgaste emocional da parte acaba se estendo, quando no ambiente de pacificação criado no CEJUSC-JT poderia ter tido o referido desgaste minorado através das técnicas próprias pelas quais os atendimentos são prestados, nos termos da resolução 125/10 do CNJ e da resolução 174/16 do CSJT.

Ainda, com base nas considerações expressas no texto da resolução 174/16 do CSJT, tem-se que a manutenção do atendimento da parte reclamante em jus postulandi no CEJUSC-JT vai ao encontro da competência do Conselho Superior da Justiça do Trabalho de promover a integração e o desenvolvimento dos Tribunais Regionais do Trabalho e das Varas do Trabalho, assim como das demais unidades a tais Órgãos ligados, já que a relação CEJUSC-JT x Vara do Trabalho está em equilíbrio e otimizando a prestação jurisdicional de maneira geral. Essa circunstância agrega-se ao fato de que os Núcleos e/ou Centros de Conciliação promovem a cultura conciliatória dentre os membros dos próprios Tribunais, assim como em face dos jurisdicionados, contando o seu funcionamento com o apoio e incentivo da generalidade dos operadores do Direito, além de estatisticamente revelarem-se efetivos instrumentos de auxílio e desafogamento dos Órgãos Judiciários.

Ressalta-se, oportunamente, que o CEJUSC/JT incrementou o Judiciário Trabalhista ao destacar um espaço especial, com estrutura diferenciada e voltada para o diálogo, viabilizando que os jurisdicionados e advogados tenham um ambiente propício para conversar os pontos relevantes dos casos propostos, com tempo mais flexível e um olhar capacitado e treinado para utilizar as técnicas mais adequadas para cada caso, aprofundando os temas dos conflitos e auxiliando que a solução emerja das próprias partes. Por conseguinte, seria penalizar a parte que atua em jus postulandi vedá-la de ter essa mesma experiência para o seu caso concreto, obrigando-a a participar tão somente das audiências na estrutura tradicional, nas quais o olhar técnico processual é mais rígido e o discurso jurídico é mais utilizado, dificultando a efetiva compreensão do que se experiencia, pois é cediço que, tomando o que está incutido no imaginário popular, é mais natural que o jurisdicionado se abra para o entendimento quando está diante de uma figura apaziguadora do que quando está diante de uma figura de julgamento.

Nessa senda, se a própria resolução 174/16 do CSJT reconhece que a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios e que a sua apropriada disciplina em programas já implementados no país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, bem como a quantidade de recursos e também de execução de sentenças, qual o sentido de excluir os processos de jus postulandi do CEJUSC-JT, alma mater da mediação e conciliação?

Cumpre também observar que justamente por ser imprescindível estimular, apoiar e difundir a sistematização e o aprimoramento das práticas já adotadas pelos Tribunais, dada a relevância e a necessidade de organizar e uniformizar os serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de disputas no âmbito da Justiça do Trabalho, para lhes evitar disparidades de orientação e práticas, bem como para assegurar a boa execução da política pública, respeitada a especificidade deste segmento da Justiça, é que o tema do jus postulandi merece ser enfrentado e abarcado nas audiências dos CEJUSC's enquanto manifestação da valorização da conciliação como política pública judiciária, aprimorando a valorização das soluções conciliatórias como forma de entrega da prestação jurisdicional, prevista no art. 764 da CLT.

Com base na argumentação aqui traçada, fica evidente que a resolução 174/16 do CJST não fez qualquer vedação ao jus postulandi nas causas submetidas ao CEJUSC-JT, em verdade o tema nem sequer foi diretamente abordado na resolução. Por esta razão, qualquer interpretação que venha impedir ou restringir o direito de postular das partes no processo trabalhista é contrária ao Princípio da Proteção e ao Princípio ao acesso à Justiça, os quais fundamentam decisões reiteradas do STF sobre a constitucionalidade do jus postulandi. Por conseguinte, a manutenção do jus postulandi no CEJUSC-JT finda por garantir que o atendimento prestado pelo Poder Judiciário seja igualitário para todos os jurisdicionados que batem à sua porta.

______

*Renata Albuquerque Palcoski é juíza do trabalho supervisora do CEJUSC/Rio Branco do TRT da 14ª Região.

*Márcio Quintão da Silva Filho é analista Judiciário e conciliador no CEJUSC/Rio Branco do TRT da 14ª Região.

 

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Planejamento sucessório e holding patrimonial: Cláusulas restritivas societárias

20/12/2024

Decisão importante do TST sobre a responsabilidade de sócios em S.A. de capital fechado

20/12/2024

As perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2025

20/12/2024

O futuro dos contratos: A tecnologia blockchain e o potencial dos smart contracts no Brasil

20/12/2024

A sua empresa monitora todos os gatilhos e lança as informações dos processos trabalhistas no eSocial?

20/12/2024