Voto aberto e campanha silenciosa: reflexões
Alexandre Thiollier*
A lei “pegou”, tendo sido majoritariamente respeitada, até pela vigilância da Justiça Eleitoral, dos eleitores e dos próprios candidatos. Mas será que a campanha eleitoral ficou mais justa e democrática? Na prática o que se viu foi uma situação em que os parlamentares que disputavam a reeleição, em geral, levaram vantagem sobre os demais, que tentavam a primeira cadeira nas Assembléias Legislativas, na Câmara ou no Senado. A renovação na Câmara, por exemplo, foi de 46%, até abaixo de outras eleições. Mensaleiros consagrados, sanguessugas e outros envolvidos em novos e velhos casos de corrupção conseguiram passaporte para permanecer ou voltar ao Congresso.
Os atuais parlamentares estiveram em campanha pelos últimos quatro anos. A nova legislação tornou-se restritiva demais. Assistimos a uma campanha silenciosa, em que os beneficiados foram os políticos tradicionais: eles também tiveram mais tempo no minguado espaço do horário eleitoral no rádio e na TV. Desta forma, apesar dos escândalos que se sucedem, quem tem ou teve recentemente a máquina pública nas mãos reúne maiores chances de chegar ao eleitor. Clodovil Hernandez e Frank Aguiar são exceções raras nesse contexto, devido à exposição que têm há anos na mídia.
As cidades, de fato, ficaram mais limpas, mas, a julgar pelo resultado das urnas, boa parte dos eleitores não cobra ou espera limpeza dos políticos. Como disse aquele ator global, e milhões de brasileiros parecem concordar com ele, não se faz política sem sujar as mãos. Se campanha eleitoral permitisse maior visibilidade, a um preço “democrático”, os candidatos que tentavam uma vaga pela primeira vez teriam maiores chances de serem vistos e de divulgar alguma mensagem. As Prefeituras poderiam destinar espaços divididos igualitariamente entre os partidos para a exibição de propaganda eleitoral. A falta de showmícios, por outro lado, não fez a campanha ficar mais profunda ou reflexiva, ficou apenas mais chata, sem ser, necessariamente, menos rasa. E as indústrias de brindes e confecções, que empregam milhares de pessoas e normalmente aumentam o faturamento em períodos eleitorais, desta vez amargaram um prejuízo de pelo menos 30%, em comparação com as eleições de 2004.
Outro ponto que o país está a discutir e que terá desdobramentos na próxima legislatura é o voto secreto no Parlamento. Se terminar o voto secreto em todas as votações da Câmara Federal ou do Senado vai iniciar-se um processo em que o Congresso Nacional poderá ficar de vez de joelhos, frente ao poderoso de plantão (no regime presidencialista, na prática surge um ditador a cada quatro anos, lastreado em arbitrariedades como as Medidas Provisórias).
Não deixa de ser sintomático o episódio registrado na Câmara Federal, pouco antes da aprovação da emenda do voto aberto em primeira votação. O líder da minoria, José Carlos Aleluia, do PFL da Bahia, defendia o voto secreto para a eleição da Mesa da Casa, no que concordo, para evitar a influência do rolo compressor do governo. Aleluia foi aparteado pela deputada Perpétua Almeida, do PC do B baiano, defensora do voto aberto em qualquer circunstância. Foi aí que o presidente da Câmara, o também comunista (alguém ainda se lembra do que isso significa?) Aldo Rebelo (por sinal reeleito), entrou na discussão lembrando que fora exatamente o partido comunista russo o primeiro a defender o voto secreto, para se proteger do czar.
O jogo do poder exige, em determinadas circunstâncias, a proteção do sigilo no voto dos parlamentares. Quando eles estiverem tratando de direitos ou assuntos de seu interesse, como cassações de mandatos, aumento de salário ou do número de assessores, o voto deve ser aberto, sem dúvida nenhuma. Mas imaginem, por exemplo, a votação de uma Medida Provisória essencial para o caixa do governo. Se o voto for aberto, os parlamentares da base de sustentação que discordarem terão que declarar suas posições e ficarão expostos à ira e à perseguição dos donos do poder. Por outro lado, aquele deputado que se acertou com o governo e espera receber algo em troca, ao declarar o voto abertamente estará apenas sacramentando o acordo feito nos bastidores.
Fico imaginando como teria sido fácil para o ex-homem forte de Lula, o então ministro da Casa Civil José Dirceu, formar uma base parlamentar caso estivesse já em vigor o voto aberto para todas as votações. Certamente nem teria existido o mensalão, como ficou conhecido o valerioduto. É importante levarmos isso em conta, quando se discute tema tão importante quanto este.
Apesar de todos os avanços democráticos, um ponto continua atual: a necessidade de proteger a posição dos parlamentares diante do rolo compressor dos governos – seja quem for o czar no poder. E o czar que aí está confessou em off a empresários ter receio de liberar o demônio que mora dentro dele, tentado a fechar o Congresso para fazer as reformas que considera necessárias ao país. Vade retro, satanás. O diabo pode não se chamar Lula nem George W. Bush, mas o cheiro de enxofre já se fez sentir em terras tailandesas, onde ressurgiu o espectro da ditadura militar, com apoio do rei e da maioria do povo. Golpe militar a gente sabe como começa, o difícil é prever quando e como termina.
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*Advogado do escritório Thiollier Advogados
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