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Direito autoral - Princípios e limitações

Tendo em vista a proximidade do limite da consulta sobre o projeto de lei de direito autoral (15/9), o texto trata dos princípios e limitações ao direito autoral torna-se oportuno.

13/9/2019

Na lei ordinária

1 O objeto da tutela 

A expressão direitos autorais é compreensiva dos direitos de autor, propriamente ditos, e os denominados direitos conexos aos direitos de autor.

Os direitos de autor compreendem duas vertentes (por isso vêm no plural): os direitos patrimoniais de autor e os chamados direitos morais (que, no fundo, são direitos de personalidade). Por isso Gama Cerqueira escreveu que os direitos patrimoniais competem à pessoa como autor e os direitos morais ao autor como pessoa.

O mais amplo direito moral corresponde ao direito de paternidade (o direito de ser reconhecido como autor da obra ou de qualquer ato). O direito de paternidade é mais abrangente que o direito de ser reconhecido como autor de obra tutelada. Toda pessoa tem o direito de ser reconhecida como autora dos atos que praticou e de não lhe serem atribuídos atos que não praticou, independentemente do fato de ter realizado obra que não seja tutelada como criação intelectual. Assim, o autor de qualquer obra, seja obra intelectual (tutelada pela lei de direitos autorais ou pela lei de propriedade industrial, ou pela lei do software, ou pela lei das cultivares, ou qualquer outra), ou obra científica, ou descoberta, ou feitos esportivos, ou qualquer outro feito, tem o direito de ser reconhecido como tal.

Assim, quando o art. 3º da lei de Direitos Autorais declara que reputam-se eles bens móveis, certamente está se referindo ao direito patrimonial de autor, definido no art. 28 como o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra (“jus utendi, fruendi et abutendi”).

O art. 7º da lei enumera, a título exemplificativo, as obras intelectuais protegidas como as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte. Exclui, de acordo com o art. 7º, § 3º, o conteúdo científico ou técnico, “sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial”. A proteção autoral recai tão somente sobre a forma literária ou artística, deixando em aberto, portanto, a tutela dos desenhos industriais, que correspondem à forma e não ao conteúdo, os quais podem aspirar à dupla proteção da lei autoral e da lei de propriedade industrial.

Excluídos os direitos morais de autor e os direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial, restam os direitos patrimoniais de autor (que recaem sobre a forma literária ou artística) e os direitos que lhe são conexos.

Estes são os direitos do artista, intérprete ou executante, e os direitos de natureza empresarial dos produtores de fonogramas e das empresas de radiodifusão. Estes últimos, embora de caráter industrial, são albergados pela lei autoral em vista de seu conteúdo ser constituído pelas obras dos autores e pelas interpretações e execuções dos artistas (embora a elas não se restrinja, como os sons e imagens da natureza).

Excluídos, finalmente, os direitos conexos, restam os direitos de autor propriamente ditos, elencados no art. 7º da lei.

2  O sujeito de direitos 

Os sujeitos de direitos originários são basicamente o autor (pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica) e os artistas intérpretes ou executantes, aos quais aplicam-se as normas relativas aos direitos de autor (bem como, por excelência, os direitos morais, tendo em vista sua inseparabilidade da imagem e voz), e ainda, por extensão, os produtores fonográficos e as empresas de radiodifusão (cf. arts. 28 e 89).

Outros sujeitos exercem os direitos autorais por titularidade derivada (cessão legal ou contratual), licenças exclusivas ou simples exercício por determinação legal (devendo prestar contas aos titulares originais ou derivados).

 A cessão está prevista no art. 49 e segs., no capítulo relativo à transferência dos direitos de autor, onde se verifica que o termo transferência não se refere somente à cessão (transferência de propriedade), mas também à transferência do exercício desses direitos (como licenciamento ou concessão), caso em que quem seja legitimado ao exercício desses direitos deverá prestar contas ao seu titular. Assim ocorre com o editor (art. 53 e segs.), que é um licenciado exclusivo, com o poder de exigir que se retire de circulação edição da mesma obra feita por outrem (§ 1º do art. 63).

Já que o § ún. do art. 11 declara que a proteção concedida ao autor (pessoa física – caput) poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos na lei, o § 2º do art. 17 estabelece caber ao organizador a titularidade dos direitos patrimoniais sobre o conjunto da obra coletiva (o organizador pode ser pessoa física ou jurídica – art. 5º, inc. VIII, h). Assim, pode-se vislumbrar o organizador de base de dados como pessoa jurídica, bem como a empresa produtora de programas de computador (lei 9.609/98) e as empresas cinematográficas e de radiodifusão (art. 68, § 7º).

Quanto aos artistas (intérpretes ou executantes) são eles titulares originários de direitos autorais (conexos ao direito de autor), sendo, no caso de pluralidade de artistas, seus direitos exercidos pelo diretor do conjunto (art. 90, § 1º).

Aos produtores de fonogramas e empresas de radiodifusão a Lei lhes confere direitos exclusivos, na conformidade dos arts. 93 e 95. Por força do art. 89, os artistas, produtores de fonogramas e de radiodifusão são titulares originários de direitos conexos de autor.

Os organizadores de obras literárias, bases de dados, programas de computador, obras audiovisuais e outras obras coletivas são titulares originários de direitos de autor. Devem, porém, prestar contas (conforme contrato) aos participantes individuais das obras coletivas (cf. art. 17 § 3º, art. 82, arts. 94 e 95).

Ao organizador de obra audiovisual a lei dá a designação de produtor, a mesma que dá ao produtor de fonograma, embora o primeiro seja titular de direito de autor e o produtor de fonograma de direito conexo ao direito de autor.

Além desses diversos titulares do exercício dos direitos autorais (direitos de autor e conexos), poderão os autores e titulares de direitos conexos (artistas, produtores de fonogramas e empresas de radiodifusão) constituir associações para o exercício e defesa de seus direitos (art. 97), as quais se tornarão “mandatárias de seus associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua cobrança” (art. 98).

Caso se trate de cobrança (arrecadação e distribuição) de “direitos relativos à execução pública das obras musicais e litero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio de radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais”, as associações manterão um único escritório central (art. 99).

3    Do público e do privado 

Os círculos de poder e de proibição não atingem as comunicações (imateriais) privadas, mas as comunicações ao público. Sobre o sentido de público e privado, vide Walter Moraes, in “Posição Sistemática dos Artistas, Intérpretes e Executantes” (tese de cátedra na Fac. de Direito da USP, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1973).

Quanto à reprodução é que, aparentemente, os limites entre o público e o privado estão sendo rompidos.

Não é assim na lei de software, 9.609, de 1998, na qual o § 1º do art. 12 tipifica a conduta daquele que “reproduz para fins de comércio” programa de computador. Bem assim o § 2º, que pune aquele que “vende, expõe à venda, introduz no País, adquire, oculta ou tem em depósito, para fins de comércio, original ou cópia de programa de computador, produzido com violação de direito autoral”. O fim de comércio é que constitui a vertente pública da utilização.

Assim também na lei de Propriedade Industrial n. 9.279, de 1996, que considera não infringirem os direitos do titular de patente “os atos praticados por terceiros não autorizados, em caráter privado e sem finalidade comercial, desde que não acarretem prejuízo ao interesse econômico do titular da patente” (art. 43, I).

Vamos, pois, reexaminar os dispositivos da lei de Direitos Autorais, à vista da discriminação entre público e privado, considerando público o que ocorre no seio da empresa, já que sua atividade se dirige ao mercado, que é público.

Revisando o art. 29, a reprodução parcial ou integral (I) só deveria ser considerada ilícita quando se tratasse de multiplicação (para fins de comércio), o que equivale à edição (II). A adaptação e outras transformações (III), a tradução (IV) e a inclusão em fonograma ou audiovisual (V) não é ilícita se realizada no âmbito da vida privada, no recesso familiar. Todos os atos de execução relacionados nas letras a) a g) do inc. VIII são excluídos do círculo de proibição, de acordo com interpretação sistemática em consonância com o art. 68 e seus §§. Se o emprego de meios tecnológicos de informação (letras h e i do inc. VIII) se realiza entre particulares, no ambiente privado, também não ocorre infração.

O mesmo vale para a letra j) do mesmo inciso: a exposição de obras de artes plásticas e figurativas no ambiente privado é livre. Da mesma forma, a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento são livres para os particulares, pois a regra tem de ser a mesma que se aplica às obras de artes plásticas e figurativas (nem se diga que a reprodução de obra de arte plástica depende de autorização do autor, de acordo com os arts. 77 e 78, pois vale o mesmo discrímen entre público e privado ? que o digam os estudantes de arte que copiam as pinturas exibidas em Firenze, meticulosamente, para uso privado).

Assim, o art. 30 e seu § 1º são abundantes, se não de caráter meramente didático, ao esclarecer que “o titular dos direitos autorais poderá colocar à disposição do público a obra” (caput), bem como aquele devidamente autorizado pelo titular (§ 1º).

O círculo de proibição é esclarecido nos arts. 102 e segs., relativos às sanções civis às violações de direitos autorais.

O art. 102 confere ao titular o direito de apreender os exemplares reproduzidos ou suspender sua divulgação. O art. 104 estabelece a responsabilidade solidária para aquele que distribuir... obra ou fonograma reproduzido com fraude, com a finalidade de vender, etc... (a reprodução privada não é feita com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem). No mesmo sentido deve ser interpretado o art. 105, que cuida da suspensão da transmissão, da retransmissão e da comunicação ao público de obras, interpretações e fonogramas.

Esse exercício de diferenciar o público do privado pode ser aplicado às denominadas limitações aos direitos autorais, relacionadas no art. 46 (outras limitações já foram abordadas acima). O direito à informação (de interesse público) se acha expresso no inc. I, a), b) e d). O direito de acesso à cultura (também de interesse público) se encontra nos incs. II, III, IV e VIII. O direito à Justiça encontra amparo no inc. VII (bem como no inc. IV do art. 8º). Exceção ao direito de reprodução se acha em c) do inc. I (retrato feito sob encomenda ? aspecto privado), e ao direito de representação e execução no recesso familiar ou nos estabelecimentos de ensino (VI). Até o direito ao humor excepciona o direito autoral (art. 47). Destaque-se que o inc. II limita o direito de cópia privada a pequenos trechos, o que merece ser repensado.

II.  Na Constituição

Em texto intitulado Direito Intelectual, Exclusivo e Liberdade (Revista da ABPI – nº 59 – Jul/Ago 2002 – pp. 40 e segs.), José de Oliveira Ascensão destaca:

“O sentido das regras constitucionais brasileiras é claramente o de estabelecer liberdades, e não de estabelecer exclusivos”.
(...)
“Não só utilização é termo por demais genérico, como publicação e reprodução se sobrepõem em grande parte. O núcleo estará na referência à utilização. Mas não teria sentido que a lei estivesse garantindo a utilização privada. Direito à utilização privada todos temos. O que está em causa é a utilização pública, que fica condicionada à autorização do autor.”

Acerca da informação, Ascensão alerta:

“Vivemos hoje um paradoxo. Estamos na sociedade da informação. Nunca foi tão grande a quantidade da informação e o seu significado social. E, todavia, nunca a liberdade da informação foi tão ameaçada!”

E acrescenta:

Vamos partir do texto constitucional: o artigo 5, XIV, que assegura a todos o acesso à informação.

Este trecho precisa de ser interpretado, porque são muitos os sentidos que podem gravitar em torno da referência ao direito ou liberdade de acesso à informação.

A Constituição portuguesa distingue os direitos de informar, de se informar e de ser informado.”

Se nos fixarmos no tema da informação, poderemos classificar as normas constitucionais da seguinte forma:

Direito de Acesso à Informação
Direito de Manifestação da Informação
Direito de Controle da Informação
Obrigação Estatal da Informação

1 Direito de Acesso à Informação

O direito de acesso à informação aparece desde logo no art. 5º, cujo inciso XIV garante a todos o acesso à informação, e, também, no XXIII que subordina a propriedade à sua função social. Bem assim os arts. 215 e 219, que se referem, respectivamente, ao acesso às fontes da cultura nacional e ao desenvolvimento cultural.

2  Manifestação da Informação

Em contrapartida ao direito de acesso, a liberdade de manifestação, já inclusa no inc. IV do art. 1º, que consagra a livre iniciativa, é expressa no inciso IV do art. 5º, que tutela a liberdade de manifestação do pensamento, no inciso IX, que determina ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, e no inciso XIII que prestigia a liberdade de trabalho, ofício ou profissão. No art. 170, que cuida da ordem econômica, está expresso no inciso IV o princípio da livre concorrência e no parágrafo único o livre exercício de qualquer atividade econômica.

3  Controle da Informação

Os direitos de acesso à informação e à sua divulgação encontram limites.

Já no inciso X do art. 5º declaram-se invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

Ao garantir o direito de propriedade (inciso XXII), assegura-se, também, no inciso XXVII, aos autores o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, e, no inciso XXVIII, a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas. A propriedade privada é, também, garantida pelo inciso II do art. 170.

Deve-se acrescentar que as diversas formas de manifestação relacionadas no art. 216, como as formas de expressão, modos de criar, fazer e viver, as criações científicas, artísticas e tecnológicas e outros espaços e obras do patrimônio cultural brasileiro serão protegidas e geridas pelo Estado, o que representa alguma forma de controle e restrição, embora deva ser franqueada sua consulta.

4  Obrigação da Informação

Em conseqüência de tais obrigações, o Estado deve garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, apoiando e incentivando a difusão das manifestações culturais (art. 215), através das ações e mecanismos introduzidos pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005.

Além disso, o parágrafo 3º do art. 216 determina incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.

Finalmente, o art. 218 incumbe o Estado de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas, através dos mecanismos estabelecidos em seus parágrafos.

Ainda a propósito do tema publicação, Manoel Pereira dos Santos (in Princípios constitucionais e propriedade intelectual – O regime constitucional do direito autoral, Estudos Jurídicos, Unisinos, janeiro-junho 2006) escreveu:

“Não obstante, a redação mais abrangente do atual inciso XXVII do Art. 5º da Lei Magna de 1988 poderia ensejar a interpretação de que o Legislador Constituinte pela primeira vez teria incluído pelo menos um dos direitos morais fundamentais, o chamado “direito de divulgação”, que inclui o direito de inédito e o direito de retirar a obra de circulação.

De fato, ao relacionar os direitos constitucionalmente assegurados, o Legislador de 1988 menciona o direito de utilização, o direito de reprodução e o direito de publicação. Na lei ordinária, o vocábulo “publicação” é empregado em dois sentidos diferentes: (1) no Art. 5º, inciso I, da lei 9610/98, o Legislador definiu “publicação” como o oferecimento da obra ao conhecimento do público por qualquer meio ou processo, o que compreende o exercício do direito de divulgação; (b) já no Art. 53, ao tratar do contrato de edição, a palavra vem associada à faculdade de reprodução da obra intelectual, que é o sentido da Convenção de Berna (Art. 3,3).

O sentido mais técnico dessa palavra, porém, dado que o Legislador definiu “reprodução” como a geração de cópias da obra intelectual (Art. 5º, inciso VIII, letra “d” da lei 9610/98), uma das finalidades precípuas do contrato de edição, é de que “publicação” configura o exercício do direito de divulgação. Pode-se, pois, sustentar que, a partir de 1988, estaria presumidamente compreendido, na garantia constitucional, um dos direitos pessoais fundamentais do Direito de Autor (Pimenta, 2004, p. 224). Ainda que assim não fosse, o direito de divulgação encontraria sua base constitucional na liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, contemplada no inciso IX do Art. 5º da Constituição (Barbosa, 2003, p. 137-138).” (p. 26)

No início do mesmo artigo, o autor alerta:

“É recente, porém, o recurso ao regime constitucional desse instituto como fundamento para a invalidação de normas legais ou para defesa em ações judiciais.
...
O tema ainda é relativamente pouco estudado no Brasil, o que na verdade decorre em parte do fato de que a Propriedade Intelectual só recentemente adquiriu a importância de que hoje desfruta em nosso País.” (pp. 24 e 25)

Retornando às lições de Ascensão, in Princípios Constitucionais do Direito de Autor, Revista Brasileira de Direito Constitucional, Princípios Constitucionais de Direito Privado, nº 5, jan/jun 2005, Escola Superior de Direito Constitucional:

“Em qualquer caso, chamamos a atenção para o facto de a Constituição não fazer uma demarcação pormenorizada do instituto que garante. Só constam dela traços muito gerais. Conseqüentemente, é muito amplo o campo de manobra deixado ao legislador ordinário. Isto significa também que a garantia constitucional do direito de autor é uma garantia institucional mínima.

...

A Constituição brasileira é, tanto quanto conheço, a Constituição que mais relevo dá ao princípio da função social. O direito de autor, como direito patrimonial privado, está-lhe tão submetido como qualquer outro.” (p. 435)

“Isto tem conseqüências da maior importância na disciplina do direito de autor.

Um exclusivismo cerrado, que tudo reservasse ao autor e fosse cego ao interesse da comunidade, seria inconstitucional. A Constituição, por força dos princípios que a animam, impõe o equilíbrio permanente de interesses e a justa proporção.” (p. 435)

E conclui no mesmo texto:

“Diremos apenas que o princípio básico é que aos autores é reservada a utilização pública de suas obras, e conseqüentemente a exploração econômica destas. Este princípio nuclear tem em qualquer caso guarida constitucional.” (p. 440)

III.  De lege ferenda

Retomando o tema do público e do privado, nossa sugestão para tornar claro o alcance do termo utilização, referido na Carta Magna e no art. 29 da lei ordinária, seria acrescentar sempre ao termo utilização o adjetivo pública.

Assim ficaria o art. 29:

"Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização pública da obra, por quaisquer modalidades, tais como:"

Por cautela, embora esteja subordinado ao caput, incluir o mesmo adjetivo após a palavra "utilização" no inciso VIII.

"VIII - a utilização pública, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:"

Quanto ao artigo 68, o caput está a nosso ver perfeito, já que se refere a representações e execuções públicas.

O problema aparece nos três parágrafos desse artigo, isso porque:

- no §1º, define-se representação pública aquela que é realizada em locais de freqüência coletiva;

- o §2º considera, da mesma forma, execução pública aquela realizada em locais de freqüência coletiva;

- o problema é que o §3º indica uma série de locais ou estabelecimentos considerados de freqüência coletiva sem excepcionar aqueles que são privados ou estão provisoriamente interditados ao público em geral.

Conforme Walter Moraes:

"... como pública deve entender-se a circunstância em que se realiza o ato de interpretação ou execução, ou seja, o próprio desempenho artístico. Execução pública é a que se desempenha em público; e esta seria a circunstância que dá origem a todos os direitos do artista sobre a sua execução, nos termos da Lei.

Qual a situação de fato que se pode considerar pública? Não se trata de um critério local; execução pública não é a ocorrida em lugar público necessariamente, pois o artista pode executar para o público a partir de um ambiente privado, como um estúdio de radiodifusão ou uma residência particular; pode, por outro lado, atuar em lugar público uma execução não pública, como a pessoa que canta ou declama num parque ou numa praia para um círculo privado. Tampouco se trata de um critério numérico ou quantitativo; pública não é necessariamente a execução dirigida a uma multidão de pessoas, porque o artista que interpreta para uma multidão de convivas não realiza com isso uma execução pública.

É pública a execução, diz Ernst Müller, "quando o círculo de ouvintes não é determinado individualmente"; são públicas, prossegue, antes de tudo, as execuções em praças públicas, em locais de diversão aos quais qualquer um pode ter acesso. (Ernst Müller, Das Deutsche Urheber und Verlagsrecht, § 27, pág. 99) ...  Cuidando, pois, de superar o defeito conceitual de Müller, dizemos simplesmente que pública é a execução acessível a qualquer pessoa.

Pela letra da Lei, só à sua execução pública tem direito o artista. A execução privada, portanto, bem como as suas implicações gerais, escapam à esfera legalmente demarcada para o exercício dos direitos do executante."

(Walter Moraes, Posição Sistemática do Direito dos Artistas Intérpretes e Executantes, Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais S/A, 1973, páginas 91/92)

Para esclarecer esse ponto que ficou duvidoso no §3º do art. 68 e tem viabilizado a invasão do ECAD na esfera privada, sugiro acrescentar ao final:

"... obras literárias, artísticas ou científicas, exceto quando tais locais estejam interditados ao público em geral para uso ou evento privado."

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*Newton Silveira é sócio do escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados.

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