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Considerações sobre o adicional de periculosidade

O que se pretende com o presente artigo é levantar a discussão sobre o deferimento do adicional de periculosidade a funcionários que trabalham em prédios administrativos.

3/9/2019

A CLT foi aprovada pelo decreto-lei 5.452, no dia 1º de maio de 1943. Todavia, o instituto da periculosidade só foi introduzido pela lei 6.514, em 22 de dezembro de 19771, que alterou o capítulo V do título II da CLT, o qual versa sobre segurança e medicina do trabalho.

Necessário contextualizar que em 1964, houve uma série de supressões das liberdades civis e políticas, arrocho salarial e o declínio do poder aquisitivo dos salários dos trabalhadores brasileiros.2 Assim, os trabalhadores eram expostos a condições de trabalho degradantes, o que provocou um aumento significativo nos acidentes e doenças ligadas ao trabalho nesse período.

Tanto que na década de 1970, o Brasil era detentor do título de “campeão mundial de acidentes de trabalho”, motivo pelo qual a lei 6.514 de 1977, foi criada exatamente com o intuito de proporcionar ao trabalhador medidas que garantissem um trabalho seguro e mitigar a imagem negativa do Brasil perante outros países, o que causava, inclusive, prejuízos no comércio internacional.

Assim, o §1º do artigo 193, da lei de 6.514 de 1977, assegurou ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o seu salário, caso trabalhasse em condição de periculosidade. Tal condição estava definida no “caput” do referido artigo, que considerava atividades ou operações perigosas aquelas que implicassem no contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado.

Dessa forma, não restam dúvidas que o adicional de periculosidade foi instituído não só em razão do momento histórico que o Brasil se encontrava, mas também para garantir ao trabalhador condições mínimas para a execução de um trabalho seguro. Ou seja, o legislador buscou compensar o trabalhador exposto a essas condições, por meio de um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o seu salário.

Posteriormente, em 8 de dezembro de 2012, a lei 12.740, deu nova redação ao artigo 1933, a fim de redefinir os critérios para caracterização das atividades ou operações perigosas, estabelecendo que o adicional de 30% é devido aos trabalhadores que realizam atividades ou operações perigosas que por sua natureza ou métodos de trabalho impliquem em risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: inflamáveis; explosivos; energia elétrica; e roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.

A atual redação do artigo 193, da Consolidação das Leis do Trabalho, é clara ao estabelecer que para o empregado fazer jus ao adicional de periculosidade, deverá realizar atividade que por sua natureza implique em risco acentuado decorrente de exposição permanente a inflamáveis, explosivos, energia elétrica ou outras espécies que coloquem em risco a vida do funcionário.

Ocorre que, o que se tem visto na Justiça do Trabalho, é que o adicional de periculosidade está se afastando cada vez mais da sua essência, tornando possível a funcionários que trabalham em grandes empresas ou em escritórios administrativos com ótimas instalações e sem manter qualquer contato com inflamáveis ou explosivos, receberem tal adicional depois de requerê-lo na Justiça.

Tomemos como exemplo um funcionário que executa atividades meramente administrativas em um grande prédio administrativo com ótimas instalações. Porém, no subsolo do referido prédio existem geradores, alimentados por óleo diesel, utilizados para gerar energia ao prédio em caso de ausência de luz.

O funcionário dessa empresa distribui uma ação trabalhista pleiteando o respectivo adicional de periculosidade, alegando um suposto “risco de vida”, no caso de uma eventual explosão do prédio, em razão dos geradores movidos a óleo diesel.

Esse suposto “risco de explosão” de um prédio, ainda que admitido, certamente deverá gerar a obrigação de reparação pelos danos causados em caso de sinistro, não só em relação aos empregados, mas também em relação a todos os afetados, tais como pedestres ou outras pessoas que estiverem nos arredores. Porém, não parece adequado o recebimento de um adicional de periculosidade permanente por quem não está sujeito a uma situação efetiva de risco.

Diferente é o caso dos trabalhadores que entram no prédio para abastecer o gerador, para esses sim, parece adequado o respectivo adicional, já que preenchem os requisitos previstos do artigo 193 da CLT, e evidente o contato com inflamáveis.

De qualquer forma, os juízes, cumprindo as disposições normativas, determinam a realização de uma perícia por perito judicial, normalmente um engenheiro, para apuração da periculosidade nesses prédios administrativos.

Realizada a perícia técnica, é feito um laudo pericial informando se o local de trabalho atende as normas regulamentadoras (NRs) 16 e 20, tal como expressamente exigido pelo artigo 193, caput, da CLT.

Ocorre que diversas são as interpretações dadas a essas normas, cabendo ao juiz averiguar se irá acolher ou não o Laudo Pericial, nos exatos termos do artigo 479 do CPC.

Além das normas regulamentadoras, também é levada em consideração a Orientação Jurisprudencial (OJ) 385 da SDI-I4. Ocorre que tal OJ foi editada pelo TST, enquanto o artigo 193 da CLT estabelece que a regulamentação das atividades consideradas perigosas devem ser aprovadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Veja, o Tribunal Superior do Trabalho ao firmar a OJ 385 adotou posicionamento diverso da norma regulamentadora 16, aprovada pelo MTE, que prevê que a área de risco é toda a área interna do recinto, e não toda a área interna da construção vertical, conforme delimitado pelo TST.

Assim, o que se pretende com o presente artigo é levantar a discussão sobre o deferimento do adicional de periculosidade a funcionários que trabalham em prédios administrativos, não exercem nenhuma atividade que “impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado”, e principalmente, jamais se sentiram expostos a risco de explosão durante toda a vigência do contrato de trabalho.

A estes funcionários não parece adequado o pagamento do adicional de periculosidade, já que, conforme amplamente exposto, o instituto do adicional de periculosidade foi criado para remunerar adicionalmente aqueles empregados que efetivamente mantêm contato permanente e direto com inflamáveis ou explosivos.

 

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1 Disponível aqui. Acesso em 8 nov. 2018

2 SILVA, Ana Beatriz Ribeiro Barros. Brasil, o “campeão mundial de acidentes de trabalho”: controle social, exploração e prevencionismo durante a ditadura empresarial-militar brasileira. Disponível aqui. Acesso em 08 nov. 2018

3 Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:

I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;

II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.

4 Orientação Jurisprudencial de 385 da SDI-I do TST – É devido o pagamento do adicional de periculosidade ao empregado que desenvolve suas atividades em edifício (construção vertical), seja em pavimento igual ou distinto daquele onde estão instalados tanques para armazenamento de líquido inflamável,em quantidade acima do limite legal, considerando-se como área de risco toda a área interna da construção vertical.

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*Anete Brasil de Moraes Mathias é advogada do escritório Zarif e Nonaka Advogados.

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