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Estelionato previdenciário: crime instantâneo ou permanente? Crime único, continuado ou concurso formal?

A Lei n. 9.983/00, que entrou em vigor no dia 15.10.00, alterou profundamente o regramento dos crimes previdenciários no nosso país, porém, não cuidou do chamado estelionato previdenciário (percepção de benefício previdenciário mediante fraude), que continua sendo regido pelo art. 171 do Código Penal, com a causa de aumento de pena do § 3º (cf. GOMES, Luiz Flávio, Crimes previdenciários, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001). Mas seria o estelionato previdenciário um crime permanente ou instantâneo? De outro lado, como se faz o cômputo da prescrição? Muito já se discutiu sobre o assunto. De acordo com o Colendo STF, como veremos logo abaixo, trata-se de crime instantâneo.

6/10/2006


Estelionato previdenciário: crime instantâneo ou permanente? Crime único, continuado ou concurso formal?

 

1. Estelionato previdenciário: crime instantâneo ou permanente?

 

A Lei n. 9.983/00 (clique aqui), que entrou em vigor no dia 15.10.00, alterou profundamente o regramento dos crimes previdenciários no nosso país, porém, não cuidou do chamado estelionato previdenciário (percepção de benefício previdenciário mediante fraude), que continua sendo regido pelo art. 171 do Código Penal, com a causa de aumento de pena do § 3º (cf. GOMES, Luiz Flávio, Crimes previdenciários, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001).

 

Mas seria o estelionato previdenciário um crime permanente ou instantâneo? De outro lado, como se faz o cômputo da prescrição? Muito já se discutiu sobre o assunto. De acordo com o Colendo STF, como veremos logo abaixo, trata-se de crime instantâneo.

 

As duas clássicas orientações sobre a matéria são:

1.ª) Constitui delito eventualmente permanente, aplicando-se, quanto à prescrição da pretensão punitiva, o art. 111, III, do Código Penal (posição amplamente majoritária). Nesse sentido: STJ, REsp 2.555, 5.ª Turma, rel. Ministro Assis Toledo, JSTJ, São Paulo, Lex, 16:207; STJ, REsp 195.222, 5.ª Turma, rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, j. 2.9.1999, RT, 773:551; TRF 3.ª Reg., Apel. Crim. 92.03.0511731, 5.ª Turma, rel. Juíza Suzana Camargo, RT, 733:715; TRF, 3.ª Reg., HC 1999.04.01.043439, rel. Juiz José Luiz B. Germano da Silva, j. 28.9.1999, RT, 772:719; TRF 5.ª Reg., HC 97.05.34145, rel. Juiz Ataíde Cavalcante, RT, 767:717; TRF 3.ª Reg., Recurso <_st13a_personname w:st="on" productid="em Sentido Estrito">em Sentido Estrito 94.03.039050, 5.ª Turma, rel. Juiz André Nabarrete, DJU 23.9.97, p. 77.366; RT, 679:393 e 773:551. Em face disso, o prazo extintivo da punibilidade só tem início quando da cessação da permanência, que ocorre quando do recebimento da última parcela (STJ, REsp 171.156, rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 23.2.99, RT, 766:573);

 

2.ª) Configura delito instantâneo, iniciando-se o lapso prescricional na data do recebimento da primeira parcela, em que ocorre o momento consumativo, nos termos do art. 111, I, do Código Penal (posição minoritária). Nesse sentido: TRF 2.ª Reg., Apel. Crim. 9.172, DJU 13.9.94, p. 50413; TRF 5.ª Reg., Embargos Infringentes <_st13a_personname w:st="on" productid="em Recurso Criminal">em Recurso Criminal 98.05.38274, Plenário, rel. Juiz Castro Meira, j. 9.12.98, RT, 764:714.

Nossa posição: quando há fraude na obtenção de benefício previdenciário não há como vislumbrar a existência de crime permanente, que apresenta uma característica particular: a consumação no crime permanente prolonga-se no tempo desde o instante em que se reúnem os seus elementos (sic) até que cesse o comportamento do agente. Traduzida essa clássica lição em termos constitucionais, que permite assumir a teoria do bem jurídico como esteira de toda a teoria do delito, dir-se-ia: no crime permanente a lesão ou o perigo concreto de lesão (leia-se: a concreta ofensa) ao bem jurídico tutelado se protrai no tempo e, desse modo, durante um certo período o bem jurídico fica subordinado a uma atual e constante afetação, sem solução de continuidade. O bem jurídico permanece o tempo todo submetido à ofensa, ou seja, ao raio de incidência da conduta perigosa (é o caso do seqüestro, que pode durar dias, meses ou anos – o bem jurídico liberdade individual fica o tempo todo afetado).

 

No seqüestro, destarte, a lesão ao bem jurídico liberdade individual, durante toda sua duração, sem nenhuma solução de continuidade, está em permanente turbação. É por isso que o CPP (art. 303) permite a prisão em flagrante, nos crimes permanentes, enquanto não cessa a permanência da ofensa. Em todo momento, sem nenhuma interrupção, o bem jurídico está padecendo uma grave afetação (lesão ou perigo), ou seja, o sujeito “está cometendo a infração penal”. Já não basta, assim, dizer que permanente é o crime cuja consumação se prolonga no tempo. Com maior precisão impõe-se conceituar: permanente é o crime cuja consumação sem solução de continuidade se prolonga no tempo.

 

No estelionato previdenciário (fraude na obtenção de benefício dessa natureza) a lesão ao bem jurídico (patrimônio do INSS) não se prolonga continuamente (sem interrupção) no tempo. Trata-se de lesão instantânea (logo, delito instantâneo: cf. TRF 3ª Região, AC 1999.03.99.005044-5, rel. André Nabarrete, DJU de 10.10.00, Seção 2, p. 750).

 

Precisamente coincidente com o que acaba de ser afirmado é a posição da Suprema Corte: “Concluído o julgamento de habeas corpus em que se discutia, para fins de verificação do prazo prescricional, a natureza do crime de estelionato imputado ao paciente - candidato a prefeito que, em troca de promessa de voto, providenciou certidão de nascimento de eleitora com a data de nascimento adulterada para que esta obtivesse perante o INSS a aposentadoria por idade (v. Informativo 207). Trata-se, na espécie, de habeas corpus contra acórdão do STJ que entendera configurado o caráter permanente da mencionada infração, por se tratar de fraude na percepção de benefício previdenciário, que dura no tempo, devendo ser considerada como termo inicial da prescrição a data em que cessou o recebimento indevido da aposentadoria (CP, art. 111, III). A Turma acompanhou o voto do Min. Marco Aurélio, relator, considerando que a mencionada conduta caracteriza-se como crime instantâneo de resultados permanentes, e deferiu o habeas corpus para declarar extinta a punibilidade do paciente pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva a partir do dia em que confeccionada a certidão de nascimento falsa (CP, art. 111, I). [STF] HC 80.349-SC, rel. Min. Marco Aurélio, 18.12.2000 – in Informativo STF n. 215, 18-19 dezembro de 2000 e 1-2 fevereiro de 2001, p. 2-<_st13a_metricconverter w:st="on" productid="3.”">3.”

 

No HC 84.998, j. 2.8.05, o STF (Primeira Turma, rel. Min. Marco Aurélio) reiterou seu antigo posicionamento no sentido de que o estelionato previdenciário configura crime instantâneo, de efeito permanente.

 

2. O recebimento de várias parcelas previdenciárias indevidas configura crime único, crime continuado ou concurso formal de crimes?

 

Em cada parcela indevida recebida há uma lesão patrimonial. Sendo assim, um resultado jurídico autônomo em relação a cada ato de recebimento injusto. A conduta fraudulenta (apresentação de tempo de serviço falso, por exemplo) é uma só. Mas os resultados jurídicos são diversos.

 

Não se trata, destarte, de afirmar que estamos diante de uma só conduta desdobrada em vários atos (o que levaria à conclusão da existência de um único crime), nem tampouco diante de um crime permanente (visto que cada concreta lesão patrimonial é instantânea). Também não parece ser o caso de se asseverar que o crime é único, constituindo os posteriores recebimentos indevidos mero exaurimento do delito precedente. Nesse sentido: TRF 3ª Região, Ap. Crim. 1999.03.99.005044-5, rel. André Nabarrete, DJU de 10.10.00, p. 750).  

 

O recebimento reiterado de parcelas previdenciárias indevidas produz vários resultados jurídicos (vários recebimentos ilícitos), porém, decorrentes não da realização de diversas condutas autônomas ex ante dotadas de periculosidade, senão de uma só. Com uma conduta só o agente produz vários resultados jurídicos. Isso é o que chamamos de concurso formal de crimes (CP, art. 70). Impossível vislumbrar-se, na hipótese, o crime continuado, justamente porque sua primeira exigência é a pluralidade de condutas (CP, art. 71), que não está presente no recebimento continuado de benefícios previdenciários (no sentido do crime continuado cf. Camila Sant’Ana David de Souza)1. 

 

Nossa conclusão: quem, com uma só conduta fraudulenta (dotada de periculosidade ex ante), produz vários resultados jurídicos (lesões ao bem jurídico tutelado, em contextos fáticos e momentos distintos), responde por concurso formal de crimes. O estelionato previdenciário reiterado, consistente no recebimento de parcelas mensais, configura, por conseguinte, hipótese de concurso formal (CP, art. 70). A prescrição, conseqüentemente, conta-se consoante o disposto no art. 119 do CP, que diz: “No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente”.

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1
Cf. SOUZA, Camila Sant’Ana David de, in www.direitocriminal.com.br /Jurisprudência comentada, 28.11.00.

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Fundador e presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes








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