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Soberania virtual: O Orkut e o alcance das leis brasileiras

As aparências enganam. A ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a empresa de tecnologia Google, ao contrário do que as manchetes transmitem, não é uma oposição brasileira ao Orkut, nem um problema de comunicação entre órgãos judiciários do Brasil e dos EUA. O pavio, aceso pelos desafios lançados pelas duas partes nos últimos meses, conduz a uma substância bem mais inflamável: a soberania nacional.

5/10/2006


Soberania virtual: O Orkut e o alcance das leis brasileiras

 

Daniel Arbix*

 

As aparências enganam. A ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a empresa de tecnologia Google, ao contrário do que as manchetes transmitem, não é uma oposição brasileira ao Orkut, nem um problema de comunicação entre órgãos judiciários do Brasil e dos EUA. O pavio, aceso pelos desafios lançados pelas duas partes nos últimos meses, conduz a uma substância bem mais inflamável: a soberania nacional.

 

O Orkut é um produto secundário do Google, líder mundial em mecanismos de busca e verbas de publicidade. Mas um produto muito bem sucedido, especialmente no Brasil, onde as páginas pessoais e as comunidades sobre os mais variados temas já atraíram mais de 17 milhões de pessoas. Fotos, links para outras páginas e mensagens de texto compõem o universo movimentado e plural do Orkut.

 

Seu lado negativo, alardeado pelo Ministério Público, são os efeitos colaterais do anonimato, trazidos pela facilidade de publicação de conteúdos e pela ausência de controle sobre eles. Aos delitos mais lembrados – exploração sexual de menores e crimes de ódio, com a apologia de soluções extremas e violentas – somam-se inúmeros outros, do tráfico de drogas às ofensas contra a honra. As informações reclamadas do Google para combater esses crimes fazem a ligação entre a mensagem e seu emissor, ou seja, o vínculo entre mensagens públicas e seus criadores. Sem prejuízo, portanto, quer à liberdade de ex-pressão quer à intimidade.

 

A reação do Ministério Público Federal, após notificar a Google Brasil e não conseguir informações suficientes para coibir os crimes praticados por meio do Orkut, foi constranger a subsidiária da empresa com processos por desobediência. Os representantes da Google Brasil disseram-se dispostos a colaborar com a Justiça brasileira, mas, ainda assim, não forneceram os dados necessários para identificar os computadores e as localidades de onde partiram as agressões, mensagens preconceituosas, ofertas de entorpecentes etc.

 

Argumenta-se que os servidores estão nos EUA, e que a empresa nacional lida apenas com "marketing e vendas" – subentendendo-se que o Orkut não teria controle sobre as informações disponibilizadas em seu mecanismo nem sobre seus usuários. A defesa do Google está também calcada na proteção à liberdade de expressão e à privacidade dos usuários do Orkut.

 

Esses argumentos, contudo, caíram por terra no Judiciário brasileiro: o Google foi condenado a entregar com presteza as informações requeridas, sob pena de custosa multa diária. A decisão liminar, que será provavelmente mantida, toma base nas regras de aplicação das leis nacionais e sobre o alcance de nossa jurisdição. E desconsidera o “sigilo” no caso, pois há apenas a identificação de máquinas e pessoas.

 

Assim, confirma-se que a atuação do Google no Brasil, seja por uma empresa constituída no País, seja pelas operações da matriz sobre páginas na Internet, submete-se aos ditames constitucionais brasileiros, sobretudo os referentes à ordem econômica, que impõem o respeito à soberania nacional. Cabe ao Google reconhecer, no Brasil, as leis nacionais, e não apenas as de seu país-sede.

 

Como todas as grandes transformações, a revolução da era digital reformula estruturas econômicas e desloca fontes de poder. Nesse turbilhão surge o confronto entre o Google e o Ministério Público Federal. As mudanças tecnológicas vêm reconstruindo a prática da liberdade de expressão, que multiplica suas formas de exercício. Mas, ao mesmo tempo, surgem novos conflitos sociais, e problemas antigos lançam mão das ferramentas mais atuais, como bem demonstram as charges racistas, ofertas de cocaína ou filmes de estupro de crianças online.

 

Os direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, devem ser vistos menos como legislação estática e mais como uma resposta às necessidades sociais em constante evolução. A diluição de fronteiras causada pela Internet não pode acarretar impunidade plena, com respeito móvel às leis escolhidas por cada empresa, conforme sua conveniência e a instalação física de seus servidores.

 

A garantia da liberdade de expressão só pode ser plena e eficaz se as pessoas continuarem a responder por seus atos. Preferencialmente no local onde eles produzem efeitos.

 

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*Advogado do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais







 

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