A indumentária do advogado em audiência
Armando Bergo Neto*
Minha determinação em escrever sobre o tema surgiu após uma conversa da qual participei. Nela, estavam presentes operadores do direito (advogados, promotores, juizes), e estudantes universitários, desenvolvendo um interessante, salutar, respeitoso, e democrático debate acerca do título <_st13a_personname w:st="on" productid="em epígrafe. Segundo">em epígrafe. Segundo apurado em descontraído papo, constatado que por diversas vezes magistrados não permitiram - como ainda não permitem - que advogados participem da realização de audiências caso não estejam trajados com terno e gravata (a bem da verdade o nome correto seria duque; terno só quando tem colete), fazendo com que os profissionais saiam à busca desesperada de um paletó e de uma gravata emprestados, sob pena de não poderem representar seus clientes, muito embora estejam validamente constituídos, por procuração, como patrono nos autos do processo; alguns juizes, segundo já apurado, até permitem que advogados realizem a audiência, todavia, os advertem verbal ou até mesmo fazem constar a ocorrência na ata da audiência a falta do uso da indumentária, ao que tudo indica, pelo que pude sentir, com o intuito único e exclusivo de constranger e envergonhar o profissional perante seu cliente; chegou-se a argumentar, inadvertidamente, que o não uso de terno e gravata poderia servir até de demérito aos advogados e de que se trata de uma tradição.
Há um exagero nisso! Para aquilatarmos a questão de maneira correta, em bases jurídicas sólidas, a primeira providência a fazer é trazer à lume princípio basilar de nosso Estado Democrático de Direito, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF/88, artigo 5º, inciso II). O segundo passo é verificar que “normas” consuetudinárias (dentre as quais estar o advogado trajado de terno e de gravata em audiências) não são validamente aceitas em nosso ordenamento jurídico, na medida em que o Brasil adota a norma escrita como única válida e de obrigatória observância por toda a coletividade, indistintamente (principio constitucional da isonomia, artigo 5º, “caput” da CF/88).
Está, por acaso, escrito na Constituição, <_st13a_personname w:st="on" productid="em algum Código">em algum Código, ou <_st13a_personname w:st="on" productid="em alguma Lei">em alguma Lei que o advogado tem de fazer audiência trajando terno e de gravata? A resposta taxativa é não. Então, o advogado pode exercer seu trabalho sem esta indumentária, até porque o trabalho do advogado é elaborado em seu cérebro e ditado pela sua ética e consciência, devendo seguir à risca o Estatuto da OAB, assim como o Código de Ética e Disciplina, estes, sim, obrigatórios no desempenho da profissão (já que o que importa é a essência e não a forma). A norma posta, portanto, não exige o vestuário que está sendo cobrado dos advogados, pelos magistrados, razão pela qual a exigência é inconstitucional, ferindo direito líquido e certo de todo e qualquer advogado que venha a ser obstado em realizar audiência, podendo dar ensejo, inclusive, à propositura de um mandado de segurança nesse sentido.
No zelo natural pelo bem público, pela cerimônia que a audiência exige, o excesso acabou por se tornar uma regra. Como se estar “trajado adequadamente” significasse unicamente estar usando paletó e gravata. Não vejo desta forma. Eu, particularmente, aprecio vestir-me de terno e gravata para participar de audiência, mas gostaria fosse respeitado meu direito e de meus colegas de escolher; de, porventura, usar o tradicional terno e gravata ou, simplesmente, usar uma roupa social condigna com o ato e com a profissão.
O uso forçado do paletó e gravata, como símbolo de traje adequado aos ambientes formais, nos leva a inadequação ao meio ambiente. O que sempre representa mais despesas. Usa-se o terno que aquece, então é preciso ligar o ar condicionado (e gastar energia). Haveria uma substancial redução de energia no país se usássemos trajes compatíveis com o ambiente local. Não se pode esquecer, outrossim, os malefícios causado à saúde em virtude de choque térmico a que ficam expostos todos os que chegam de um ambiente quente e adentram a sala de audiência e vice-versa, já que o ar condicionado está ligado “à todo vapor”.
Agora, o abuso nas formalidades com a exigência de paletó e gravata para realizar audiência ou até mesmo despachar com o magistrado, acabam por criar uma barreira aos operadores do direito. Alguns desavisados de tal “norma” se sentem constrangidos quando são barrados por não estarem usando paletó e gravata. Na verdade, isso gera até uma forma de discriminação que acaba por se instalar no próprio Poder Judiciário (guardião da Constituição Federal e das Leis): os de paletó e gravata poderão ser sempre melhor recebidos do que aqueles que chegam com traje social adequado, porém sem seguir a “regra”.
Criou-se, no curso da história, a idéia de que a etiqueta da vestimenta embute duas mensagens: a primeira é a de que os bons modos mostram a nosso próximo que temos estima por ele; a segunda é a da hierarquia entre as pessoas. A etiqueta tem a ver então com as aparências. Dá para entender por que tanta gente se veste com cuidado, apura os gestos, enfim, joga com as aparências para impressionar os outros. Nas antigas monarquias, era até proibido o plebeu usar certas roupas, que fariam os outros pensarem que ele fosse nobre. Mas, é preciso que se diga, essas proibições nunca deram certo.
Sou adepto do meio termo (“in medius virtus”), pois é no equilíbrio que é encontrada a melhor solução. Nem dar o direito de o advogado realizar uma audiência de short ou jeans, camiseta, e chinelo ou tênis; nem obrigá-lo ao uso de terno e gravata. Aliás, o máximo (terno e gravata) continuará sempre valendo, traje este, repito, de minha preferência pessoal. Na minha opinião, o bem vestir ou vestir-se adequadamente, não obriga necessariamente o terno e a gravata. Nesse caso, é oportuno relatar que meu genitor, magistrado aposentado, contou-me que era usual - quando judicava em Bilac/SP (região de Araçatuba/SP) no ano de 1982 -, advogados, juizes e promotores realizarem audiências de calça social e manga de camisa, haja vista o calor intenso daquela região.
Por derradeiro verifico que há, sim, uma etiqueta democrática – e ela não está nas regras de vestimenta, mas num valor básico consistente em mostrar ao outro que temos respeito por ele -, que não nos sentimos superiores nem inferiores, que acreditamos no valor e na igualdade de todos. Realizando isto, estaremos todos colocando em prática uma bela lição de igualdade. Então, que a nós advogados e aos demais operadores do direito, seja possibilitada a opção de que sigamos a tradição do paletó e gravata se assim desejarmos; mas, aos que não se sentem bem com o seu uso, por exemplo, que não se lhes exija a obrigatoriedade estrita dessa “norma” de costume que é, no mínimo, inadequada.
______________