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STJ e o termo inicial para incidência de juros moratórios devidos pelo promitente-vendedor de imóvel - A quem se aplica?

Não se busca aqui adentrar no mérito da decisão, tampouco questionar seu acerto, mas sim direcionar a quem será aplicada a tese, ou melhor, a qual tipo de promitente-comprador.

16/8/2019

Em 14 de agosto de 2019, quando do julgamento do RESp 1.740.911, a segunda turma do STJ apreciou a seguinte questão controvertida lá ventilada:

“Definir o termo inicial dos juros de mora incidentes sobre os valores a serem restituídos por promitente vendedor de imóvel, em caso de extinção por iniciativa do promitente-comprador”.

A resposta dada pelos eminentes ministros, por maioria de votos, foi no sentido de fixar a seguinte tese:

“Nos compromissos de venda e compra de unidades imobiliárias anteriores à lei 13.786/18, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente-comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado”.

Não se busca aqui adentrar no mérito da decisão, tampouco questionar seu acerto, mas sim direcionar a quem será aplicada a tese, ou melhor, a qual tipo de promitente-comprador.

Quando falamos de julgamento de recursos repetitivos, nossa primeira atenção deve ser direcionada ao artigo 1.036 do Código de Processo Civil que assim dispõe:

“Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.” (g.n.)

Pois bem, então, sempre que houver uma questão de direito apresentada ao Poder Judiciário em multiplicidade, ela será afetada para julgamento em caráter repetitivo pelos tribunais superiores a fim de que todos os tribunais inferiores do país (e juízes a ele subordinados) passem a adotá-la de maneira compulsória, evitando-se, assim, decisões conflitantes e assegurando, por via de consequência, a segurança jurídica.

O grande problema é que a questão de direito ventilada no RESp 1.740.911 se deu de maneira extremamente genérica, levando, assim, um pronunciamento igualmente genérico pela 2ª Turma quando da fixação da tese.

Explica-se. Quando se fala em rescisão contratual por iniciativa do promitente-comprador (leia-se, em esmagadora maioria, o consumidor) tal “iniciativa” se dá em dois grandes grupos: (i) a “Imotivada”, ou seja, por decisão do consumidor sem nenhuma imputação de responsabilidade à construtora, como dificuldade no pagamento, arrependimento etc.; e (ii) a “Motivada” , aquela decorrente de mora atribuída à construtora, como um atraso na conclusão da obra superior à tolerância prevista em contrato, por exemplo.

Fato é que, diante de uma recusa do consumidor (motivada ou imotivada) em seguir com contrato, dará ele a iniciativa à sua resolução vez que partirá dele o pedido de distrato. Assim, se atermos a mera literalidade tanto da questão de direito ventilada, como da tese dela fixada, não importa em qual grupo o consumidor se enquadre, estará ele a ela vinculado. É isso mesmo?

Muito embora, em uma primeira leitura, a questão de fato, ou seja, os acontecimentos que permeiam o direito buscado, não se mostrariam relevantes à análise, tal não parece ser a melhor alternativa, vez que, no mais das vezes, um não se dissocia do outro, afinal, se diferente o fosse, qual a razão de existência do famoso brocardo latino “mihi factum, dabo tibi jus”, ou, em português, dai-me os fatos, dar-te-ei o direito?

Ou seja, seguindo a lógica elementar, apenas poderá o juiz, na qualidade de aplicador do direito, da norma legal ao caso concreto, exercer sua função jurisdicional se a problemática fática lhe for apresentada, levando, assim, de maneira muito sucinta que, SIM a análise da questão de fato é extremamente relevante à aplicação do direito concreto e em qualquer escala, não podendo, portanto, ser a tese fixada indistintamente, sem atenção ao problema concreto (fatos), no caso específico, sem averiguar se se está diante de um distrato motivado ou imotivado.

E é exatamente aí, na análise dos fatos, é que podemos encontrar a solução ao problema lançado.

Partindo do pressuposto de que o direito decorre dos fatos, necessário se faz analisar qual tipo de questão de fato levou à questão de direito resolvida pela tese fixada pela 2ª turma do STJ.

“Ah, mas a súmula 7 impede que o STJ realize o reexame dos fatos!”, dirão os céticos.

Sim, mas é claro! Porém não se busca reexame dos fatos, ou seja, uma conferência, uma reavaliação, mas sim o exame dos fatos lançados pelos quais a violação à lei federal estaria ou não presente.

Note que a vedação contida na súmula em comento se dá no sentido de impedir que a Corte Superior, como garantidora da interpretação da norma infraconstitucional, a reavalie os fatos, ou seja, verificar se os fatos que permeiam o direito postulado são verdadeiros ou suficientemente demonstrados etc. Não diz para desconsiderá-los por completo, afinal, como aplicar o direito ao caso concreto sem eles?

Assim, a questão de fato lançada quando do julgamento do RESp 1.740.911 merece sim ser levada em consideração e, se feita esta análise será verificado que a realidade do caso concreto se mostrava presente diante de um quadro de distrato imotivado, no caso, impossibilidade de pagamento, o mesmo quadro fático presente em todos os julgados usados como precedentes no voto de afetação proferido pelo Ministro Moreira Ribeiro, quais sejam, os RESp 1.617.652/DF, 1.596.064/RJ, 1.552.449/SP, 1.211.323/MS e 737.856/RJ.

No mesmo sentido, o RESp 1.740.911 partiu do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) 0051570-97.2016.8.07.0000 oriundo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que tinha fixado a seguinte tese:

“Os juros de mora, nos casos em que haja resolução imotivada do contrato de promessa de venda e compra por parte do comprador e inexista mora anterior da incorporadora, mesmo nas hipóteses de alteração da cláusula penal por entendê-la abusiva, incidirão a partir da citação (art. 405 do CC).”

Ou seja, as questões de fato que embasaram a questão de direito objeto do recurso especial repetitivo redundam ao grupo de consumidores que promoveram o distrato de maneira IMOTIVADA, não abrangendo, portanto os que tiveram algum justo motivo para iniciarem o pedido de rescisão contratual, ou seja, em nenhum deles havia a configuração de mora da construtora.

Até mesmo porque, nestes casos de distrato MOTIVADO, não se busca o estabelecimento de uma nova obrigação em substituição à cláusula penal contratualmente estabelecida, o que justificaria, na visão da 2ª Turma do STJ, a incidência dos juros moratórios a partir do trânsito em julgado, pois, apenas a partir dele é que a nova obrigação estaria efetivamente estabelecida, sendo, portanto, impossível falar em mora antes dela. Ao revés, nestes casos, busca-se o cancelamento do contrato como um todo em decorrência de uma mora imputada a construtora que será DECLARADA pelo Poder Judiciário.

Daí, como nenhuma nova obrigação será constituída, eventual provimento jurisdicional em favor do consumidor terá cunho declaratório, no sentido de se reconhecer a mora preexistente; e também condenatório a fim de determinar a reparação em perdas e danos sofrida pela parte lesada, restando, assim, inviável aplicação distinta da que prevê o artigo 405 do Código Civil, ou seja, de que os juros de mora tem como termo inicial a citação válida.

Logo, ainda que contenha um texto até certo ponto genérico, a tese fixada pelo julgamento do RESp Repetitivo 1.740.911 deverá ser aplicada à questão de fato que deu origem à questão de direito lá ventilada, limitando-se, assim, sua abrangência aos promitentes-compradores que deram iniciativa à rescisão contratual de maneira IMOTIVADA, excluindo-se os que agiram motivadamente.

De toda maneira, convém clarear que referida tese também não alcança os compromissos de venda e compra firmados após a lei 13.768/18, que inseriu, dentre outros, o art. 43-A e o art. 67-A a Lei de Condomínio Edilício e Incorporações Imobiliárias (lei 4.591/64), estabelecendo a obrigação que deverá ser respeitada pelas partes contratantes em hipótese de distrato que, se imotivado, será autorizada a retenção, pela construtora, de até 25% dos valores pagos (art. 67-A, II), ao passo que se motivada, o promitente-comprador terá direito de receber a integralidade do que pagou (art. 43-A, § 1º).

Assim, em caso de distrato imotivado no qual a construtora viole o dispositivo legal supramencionada, eventual contenda judicial apenas determinará a aplicação do texto legal violado, não se falando, assim, no surgimento de nova obrigação que possa inibir a incidência do artigo 405 do Código Civil.

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*Fernando Rossi é advogado sócio do escritório F. Rossi Advogados.

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