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Dano ambiental individual e o prazo prescricional da respectiva ação reparatória

A ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo, na esfera individual, somente ocorrerá quando solucionado definitivamente o dano ambiental coletivo.

15/8/2019

Os danos ambientais têm efeitos direto e indireto, na medida em que lesam direta ou primariamente o meio ambiente como bem jurídico autônomo e unitário que a todos pertence (= macrobem) e indireta ou secundariamente bens jurídicos pessoais (= microbem). Daí se referir o ordenamento, ao analisar a questão sob a ótica do titular do direito atingido, a dois aspectos distintos: (i) o dano ambiental coletivo ou dano ambiental puro, causado ao meio ambiente globalmente considerado, em sua concepção difusa, como patrimônio coletivo, e (ii) o dano ambiental individual – reflexo associado ou ricochete  sofrido pelas pessoas em sua esfera de interesse, ensejando ambos uma relação jurídica reparável.

Assim é porque um mesmo fato pode redundar ofensa a interesses difusos e individuais, como ocorre, por exemplo, com a contaminação por organoclorados advinda de atividade industrial que inviabilize ou limite o pleno uso de imóvel limítrofe, sobre o qual foi implantado condomínio residencial, por empresa do ramo imobiliário, com todas as unidades já transacionadas para terceiros. É certo que, ao lado do dano ecológico puro ou coletivo identificado, poderão coexistir ainda os danos individuais: (i) em relação a empresa do ramo imobiliário e (ii) aos próprios adquirentes das unidades residenciais que tenham suportado algum tipo de perda em razão da contaminação industrial, a reclamarem a devida reparação.

Calha, no caso a propósito da pertinente ação de pleito reparatório , especial atenção ao respectivo prazo prescricional, considerando-se dois marcos relevantes, quais sejam: (i) a data em que o prejudicado teve conhecimento da existência, mas não da extensão, nem tampouco da data da possível solução dos passivos ambientais;  e (ii) a data de solução dos passivos ambientais em causa, quando se dará também a cessação dos danos patrimoniais individuais que o prejudicado estaria a experimentar.

Ao de logo, é preciso consignar que a contaminação, em caso que tais, se caracteriza como dano ambiental permanente, isto é, resultante de um foco que se mantém ao longo do tempo, podendo durar anos e até décadas. Esses atos sucessivos de poluição levam a que “se conte o prazo prescricional do último ato praticado”1.

Daí que, em razão das características e peculiaridades específicas relacionadas à proteção ambiental, aliadas ao comum desconhecimento da existência e extensão dos efeitos dos danos ambientais permanentes, o início da contagem do prazo prescricional, para reparação de lesões patrimoniais individuais, se dará apenas após a cessação do dano ambiental per se, e, consequentemente, dos danos individuais dele decorrentes.

O evoluir jurisprudencial, cada vez mais, passa a registrar decisões que apoiam esse entendimento.

Deveras, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que, em caso de contaminação, aplica-se o princípio da actio nata, isto é, aquele segundo o qual o prazo prescricional somente poderá fluir quando o titular do direito puder exercer o direito de ação, deixando assentado que “o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de indenização, por dano moral e material, conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo” 2.

Em outra oportunidade, enfrentando a questão na responsabilidade extracontratual, averbou: “a aludida regra assume viés mais humanizado e voltado aos interesses sociais, admitindo-se como marco inicial não mais o momento da ocorrência da violação do direito, mas a data do conhecimento do ato ou fato do qual decorre o direito de agir, sob pena de se punir a vítima por uma negligência que não houve, olvidando-se o fato de que a aparente inércia pode ter decorrido da absoluta falta de conhecimento do dano”3.

Desse modo, no caso de pretensão reparatória decorrente do dano individual  (= reflexo ou ricochete), o prazo prescricional se inicia na ocasião em que a lesão e seus efeitos se tornam integralmente claros ao ofendido, pois é nesta oportunidade que tecnicamente nasce a violação do seu direito subjetivo, e, consequentemente, o direito à pretensão de fato.

Nesse compasso, também se finca a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo4, conforme se vê, por todos, do seguinte aresto:

“Contaminação do solo da propriedade da autora decorrente do chorume produzido por “lixão”. [...] Prescrição não verificada. Danos noticiados que continuam a se prolongar no tempo, de modo que não há que se falar em termo inicial da contagem de qualquer prazo prescricional.” (Agravo de Instrumento 2201617-55.2015.8.26.0000, rel. des. Vera Angrisani, j. em 26/11/15).

Nessa senda, flui o entendimento da analisada doutrina de Nelson Nery e Rosa Maria Nery:

“Pode ocorrer, ainda, hipóteses em que o dano vem se verificando no correr do tempo, sem solução de continuidade, de sorte que ainda não se extinguiu. Isto traz a consequência de não poder ser determinado, ainda, o dies a quo de prazo prescricional. Isto porque os danos continuam a ser perpetrados, de sorte que não há falar-se em prescrição, mesmo porque não se tem como dar por iniciado o termo do prazo prescricional”5

De todo o dito, fica o seguinte: o curso do prazo prescricional do direito de reclamar inicia-se somente quando o titular do direito subjetivo violado passa a conhecer o fato e a extensão de suas consequências, o que somente poderá ser fixado quando da solução definitiva dos passivos ambientais, resultantes do dano coletivo, momento em que será possível avaliar até em sua esfera individual de interesse.

Em outro modo de dizer, a ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo, na esfera individual, somente ocorrerá quando solucionado definitivamente o dano ambiental coletivo.

Destarte, é imperioso reconhecer que o prazo prescricional da ação reparatória terá início na data do conhecimento inequívoco dos efeitos de ordem individual decorrentes do dano ambiental coletivo, que, no caso aqui posto para reflexão, somente ocorrerá com a remediação definitiva dos passivos ambientais.

 

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1 REsp, 20.645/SC, 4ª T., j. 24/4/02, rel min Barros Monteiro, DJe 7/10/02.

2 REsp 1.346.489/RS, 3ª T., rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 26/8/13.

3 Ver, nessa mesma linha, REsp 1.236.863/ES, 2ª T., rel. min. Herman Benjamim, DJe 27/2/12. e AgRg no REsp 1324764/PB, 4ª. T., rel. min Luis Felipe Salomão, DJe 20/10/15.

REsp 1.354.348/RS, 4ª T., rel. min. Luis Felipe Salomão, DJe 16.09.2014.

4 Conforme, dentre outras, Apelação 0015461-68.2010.8.26.0161, 32ª Câmara de Direito Privado, rel. des. Kioitsi Chicuta, j. em 14/6/12 e Apelação 0000059-57.1990.8.26.0157, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, rel. des. Torres de Carvalho, j. em 31.01.2013.

5 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria B. B. de Andrade. Responsabilidade civil, meio ambiente e ação coletiva ambiental. Em BEJAMIN, A.H.V. (Coord.) Dano Ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: RT, 1993. p. 280.

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*Édis Milaré sócio-administrador e consultor em Direito Ambiental do escritório Milaré Advogados

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*Roberta Jardim de Morais leading lawyer do escritório Milaré Advogados.

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*Mayara Alves Bezerra advogada pleno do escritório Milaré Advogados.

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